Estado Fiscal

Qual a reforma tributária que o Brasil realmente precisa?

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8 de novembro de 2007, 18h20

A reforma tributária enfim começa a ganhar o devido espaço na agenda política de nosso país, diante da constatação generalizada de que a legislação tributária carece de uma urgente reformulação. O quão profunda será essa reforma é a grande questão que parece dominar os debates. O governo tende a uma proposta modesta de reforma, tendo como premissa a preservação do atual nível de arrecadação federal. Mas qual a reforma tributária que o Brasil realmente precisa? Quais os pontos críticos que exigem imediata reformulação?

Temos hoje no Brasil um sistema tributário caótico, onde a falta de uma legislação moderna e ordenada permite o excesso exorbitante de normas jurídicas diversas — leis, decretos, portarias, resoluções, instruções normativas — que pretendem disciplinar uma infinidade de obrigações tributárias e acessórias, muitas vezes de forma contraditória e complexa. E isso ocorre nos três níveis de estado: federal, estadual e municipal.

Por outro lado, vimos nos últimos anos a crescente sanha arrecadatória do estado brasileiro que não consegue conter seus gastos, cada vez maiores, apesar do pouco retorno que oferece a sociedade. Há estudos que demonstram que menos de 3% da arrecadação retornam a sociedade em bens e serviços. Além de tudo isso, temos a distribuição injusta da carga tributária, que recai em sua maior parte sobre o trabalho e o setor produtivo.

O Brasil mantém uma das maiores cargas tributárias do mundo sobre salários e a produção de bens e serviços, o que sufoca a economia e penaliza os trabalhadores. Uma situação insustentável. Esses são os três vértices da problemática tributária no Brasil, que reunidos, tornam nosso sistema caótico, impraticável, excessivamente pesado e injusto, estimulando a informalidade, a evasão fiscal e, porque não dizer, a própria corrupção.

Quando tratamos de reforma tributária, não podemos nos contentar com revisões pontuais. Na verdade é preciso uma mudança em todo nosso atual sistema tributário e não devemos tergiversar sobre isso. Mas certamente temos alguns núcleos críticos em nossa legislação atual pelos quais poderíamos iniciar um esforço positivo de reforma. Começando pelas normas gerais, reconheço a impressionante vitalidade do Código Tributário Nacional (CTN), obra que teve a contribuição de grandes juristas, mas devemos lembrar que, a par de suas atualizações, trata-se de um diploma legal de 1966.

Ao longo desses quarenta anos, com a maxidinâmica das relações sócio-econômicas, principalmente a mundialização dos intercâmbios comerciais e o advento de novos instrumentos empresariais, a necessidade de um sistema tributário racional e equilibrado, dotado de regras claras e seguras, tornou-se um imperativo para qualquer economia que se pretenda próspera e competitiva. Está na hora de pensarmos em um novo CTN ou pelo menos numa profunda reforma do atual, que incorpore normas gerais sobre temais atuais, como por exemplo suprir a omissão sobre as multas tributárias, disciplinar os limites sobre a capacidade contributiva, a preservação da empresa e a substituição tributária.

Há também a necessidade de melhor disciplinar a chamada ‘norma anti-elisiva’, hoje insuficientemente disposta no parágrafo único do artigo 116 do CTN e que vem dando margem a inúmeras autuações fiscais, que costumam confundir, grosso modo, o planejamento tributário com elisão fiscal. Há ainda uma providência, relativamente simples, que considero fundamental e urgente para dotarmos o sistema tributário atual de um mínimo de racionalidade: a criação de consolidações de leis para cada tributo, administrado a nível federal, estadual e municipal, obrigação que se encontra prevista no artigo 212 do CTN, mas que nunca foi observada, prejudicando de sobre modo o contribuinte, perdido no emaranhado de regras dispersas sobre um mesmo tributo.

Infelizmente, a pauta de discussão sobre a questão tributária no Brasil continua dominada pela ótica da arrecadação, por isso vemos que a preocupação atual de mudança legislativa, diz respeito unicamente a alteração da Lei de Execução Fiscal (LEF), que a meu ver só deveria ser alterada após serem realizadas todas as mudanças necessárias em nossa legislação atual. Assim foi uma constante na última década que toda mudança incorporada à legislação tributária, visava unicamente aumentar a arrecadação. Neste período, foi criado o CADIN e também foi praticamente fulminado o sigilo financeiro ao ser permitido à Fazenda o uso dos dados da CPMF para rastrear a movimentação bancária dos contribuintes, além de ter sido instituída a obrigação das operadoras de informar à Receita as movimentações dos titulares dos cartões de crédito.

Não me parece razoável, por exemplo, termos hoje de um lado, a possibilidade de penhora on-line contra o sujeito passivo como instrumento de cobrança célere da Fazenda e, de outro, que uma simples certidão negativa, requerida pelo contribuinte, leve meses para ser expedida e, muitas vezes, só ocorrendo por força de Mandado de Segurança. Por tudo isso, alguns autores consideram que adentramos ao “Estado Fiscal” no Brasil e nada adianta a cada dois ou três anos abrir um “Refis”, pois não há margem para recuperação de uma empresa em dificuldades com a carga tributária e as obrigações que tem de suportar.

Não há dúvida que esse quadro prejudica o desenvolvimento do país e muito. Basta ver as altas taxas de informalidade em nossa economia. Tivéssemos um sistema tributário equilibrado e estável, e nosso país certamente estaria atravessando um “ciclo virtuoso” de crescimento sustentável, em taxas similares a média dos países emergentes, atraindo investimentos externos e principalmente estimulando a iniciativa privada interna, que surpreendentemente sobrevive e ainda cresce, apesar de submetida ao que Alfredo Augusto Becker chamou de “manicômio fiscal” brasileiro. A reforma tributária hoje, não pode mais continuar sendo um tema para palestras e colunistas. Deve ser encarada como um imperativo da agenda nacional e não somente pelos empresários.

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