A parte do estado

Estado tem de ser citado em processo contra órgãos estaduais

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7 de novembro de 2007, 23h01

Em Mandado de Segurança, a pessoa jurídica a que pertence a autoridade processada deve ser citada, sob pena de nulidade processual. Essa é a orientação predominante no Supremo Tribunal Federal e foi aplicada pelo ministro Cezar Peluso, em recurso apresentado por uma servidora do Tribunal de Justiça de Pernambuco contra o presidente da corte. O estado pernambucano saiu vencedor.

A servidora Dione Torres Vasconcelos entrou com ação contra o presidente do TJ-PE para pedir a incorporação de gratificações aos proventos de aposentadoria. Conseguiu. No entanto, a sentença publicada não trouxe o nome de representantes do governo do estado, de onde sairá o dinheiro para o efetivo cumprimento da decisão. Só o presidente do Tribunal foi mencionado.

Já na fase de execução da sentença, a Procuradoria-Geral do Estado contestou a falta de citação, como parte passiva. Argumentou que deveria ter sido informada sobre a decisão, já que arcaria com as suas conseqüências. Observou que o presidente do TJ-PE é apenas um dos representantes do estado. Em recurso, o estado pedia a anulação de todos os atos processuais, já que não pôde se defender, e o restabelecimento de todos os prazos processuais.

Como o presidente do TJ-PE não permitiu a subida do Recurso Extraordinário, a procuradoria entrou com Agravo de Instrumento no Supremo. As alegações foram recebidas e acolhidas pelos ministros, que determinaram a nulidade da publicação da sentença. A partir daí, todos os atos também foram considerados nulos e a Procuradoria do Estado poderia agir em defesa do governo.

A servidora não se conformou e entrou com Agravo Regimental, que caiu nas mãos do ministro Cezar Peluso. Ele seguiu o entendimento anterior da Corte. “Vê-se, logo, que não pode reputar-se parte passiva legítima na ação de Mandado de Segurança, a autoridade a que se atribui a prática do ato supostamente lesivo a direito líquido e certo, pela razão brevíssima de que não é destinatário teórico dos efeitos da sentença definitiva”, decidiu.

Leia a decisão

30/10/2007

SEGUNDA TURMA

SEGUNDO AG. REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 431.264-4 PERNAMBUCO

RELATOR: MIN. CEZAR PELUSO

AGRAVANTE(S): DIONE TORRES DE MORAES VASCONCELOS

ADVOGADO(A/S): LEUCIO FILHO E OUTRO(A/S)

AGRAVADO(A/S): ESTADO DE PERNAMBUCO

ADVOGADO(A/S): PGE-PE – FLÁVIO GÓES DE MEDEIROS

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO:

Trata-se de agravo contra decisão do teor seguinte:

“ 1. Trata-se de agravo regimental contra decisão do seguinte teor::

‘1. Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que indeferiu processamento de recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco e assim ementado:

‘PROCESSUAL CIVIL

Mandado de segurança – Execução de prestações vencidas, isto é, a partir da impetração até a concessão do ‘writ’ – Embargos – Preliminar de nulidade, à falta de intimação do Estado de Pernambuco – Rejeição – Planilha – Excesso de execução – Juros: condenação prévia: inexigibilidade – Embargos rejeitados – honorários advocatícios.

Impetrada a segurança contra o Excelentíssimo Sr. Des. Presidente do Tribunal de Justiça, não há razão jurídica para pretender-se a inclusão do nome do representante legal do Estado de Pernambuco na resenha de publicação do acórdão, para efeito de intimação.

Preliminar rejeitada.

Não há defeito na planilha de cálculos em que se providenciou a demonstração dos proventos devidos e pagos, da diferença constatada, do índice de correção, do valor corrigido e dos juros de mora.

Está correto o valor da execução porque, se de acordo com a Súmula n. 271, do STF, as prestações atrasadas contam-se desde o ajuizamento do pedido até a concessão do mandado de segurança, não houve excesso na quantia indicada.

A inclusão dos juros no cálculo independe de prévia condenação, tanto em vista do disposto no art. 293 do CPC, como é luz do enunciado da Súmula 254, da Suprema Corte.

São devidos honorários advocatícios no julgamento de embargos oferecidos pela Fazenda Pública, mesmo na fase de execução das prestações atrasadas em mandado de segurança, observados os limites previstos no § 4º, do art. 20, do CPC.

Embargos rejeitados’ (fls. 268/269).

O recorrente alega, com base no art. 102, III, a, ter havido violação ao disposto no artigo 5º, LIV e LV, da Constituição Federal.

2. Inadmissível o recurso.

É que suposta ofensa às garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa configuraria, aqui, ofensa meramente reflexa à Constituição da República, porque sua eventual caracterização dependeria de exame prévio de norma infraconstitucional, o que também é inadmissível, como já notou a Corte em casos análogos: ‘em regra, as alegações de desrespeito aos postulados da legalidade, do devido processo legal, da motivação dos atos decisórios, do contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional podem configurar, quando muito, situações de ofensa meramente reflexa ao texto da


Constituição, circunstância essa que impede a utilização do recurso extraordinário’ (AI nº 372.358- AgR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 11.06.02. Cf. ainda AI nº 360.265-AgR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 20.09.2002).

3. Ante o exposto, nego seguimento ao recurso (arts. 21, § 1º, RISTF, 38 da Lei nº 8.038, de 28.05.1990, e 557 do CPC).

O Estado de Pernambuco insiste no provimento do recurso extraordinário, a fim de ser reconhecida nulidade processual absoluta, consistente na falta de sua citação/intimação da decisão concessiva da segurança, com anulação de todos os atos processuais a ela posteriores, restabelecendo-se, assim, seu prazo para interposição de recurso.

2. Consistente o agravo.

Verifico que, da publicação da decisão que concedeu a segurança à servidora pública do Estado de Pernambuco (conforme cópia do D. O.E. à fl. 331), mediante a qual garantiu-se-lhe a incorporação de gratificações aos proventos de aposentadoria, não constou o nome do ora agravante, nem de nenhum dos seus procuradores.

E, mais, pelo tribunal local foi certificado o trânsito em julgado daquela decisão (fl. 184), o que impediu o seguimento do recurso extraordinário interposto pelo ora agravante, sob fundamento de intempestividade do recurso e imutabilidade do julgado recorrido (fl. 352).

Ora, em caso idêntico, esta Corte já decidiu, no julgamento do AI nº 447.041-AgR (1ª Turma, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJ de 19.11.2004), ser indispensável constar da publicação do acórdão a pessoa jurídica responsável e o respectivo representante processual. É o que se lê à seguinte ementa:

‘MANDADO DE SEGURANÇA – AUTORIDADE COATORA E PARTE PASSIVA – CONCESSÃO DA ORDEM – PUBLICAÇÃO. Cumpre distinguir o autor do ato impugnado da pessoa jurídica que, concedida a ordem, suportaria as conseqüências do pronunciamento judicial e que, portanto, há de ter, na relação processual, a posição de parte passiva. A publicação do acórdão deve fazer-se, como dispõe o artigo 236 do Código de Processo Civil, com alusão à pessoa jurídica responsável e o respectivo representante processual.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO – RAZÕES. As razões do extraordinário devem guardar sintonia com o acórdão atacado’ (Nesse sentido cf. ainda AI 439.613, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 11.06.2003).

3. Do exposto, dou provimento ao agravo regimental, para, em juízo de retratação, prover o agravo de instrumento, para conhecer do recurso extraordinário e dar-lhe provimento, para declarar a nulidade da publicação certificada à fl. 178 e de todos os posteriores atos processuais, determinando a republicação do dispositivo do acórdão de fls. 127/177, com o nome do ora agravante e de seu representante processual, restituindo-se o prazo recursal” (fls. 421-423).

A parte agravante sustenta que: (a) “(…) o Estado agravado, na interposição do recurso extraordinário (…), não atacou a decisão recorrida (a proferida em sede de execução de sentença), senão que seu objeto de ataque foi a primitiva decisão, aquela proferida na apreciação do Mandado de Segurança”; (b) “(…) a questão posta em debate (…) é de natureza processual (…)”; (c) “o nome do Estado de Pernambuco como parte processual foi corretamente indicado na publicação do Acórdão da execução (…), propiciando inclusive a interposição de dois recursos especiais (…)”; (d) “(…) o Mandado de Segurança em questão foi originariamente julgado pelo Tribunal de Justiça (…) [e] a pessoa jurídica somente ingressa (salvo se como assistente intervir anteriormente) no momento do recurso (…)”; e (e) “(…) cabe à autoridade coatora, por força de disposição expressa de lei, diligenciar à respectiva procuradoria para que se providencie o recurso cabível” (fls. 432-434).

É o relatório.

V O T O

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO – (Relator):

1. Inconsistente o recurso.

A decisão agravada invocou e resumiu os fundamentos do entendimento da Corte, cujo teor subsiste invulnerável aos argumentos do recurso. Como ali se demonstrou, era assente, na Corte, a orientação sobre a necessidade de, em mandado de segurança, sob pena de nulidade processual, quando não houvera sido citada para a causa, ser ao menos intimada, da sentença concessiva da ordem, a pessoa jurídica a que pertencesse a autoridade dita impetrada, mediante inserção do nome do ente público e do seu representante processual na publicação do ato, ou por outra forma válida (AI nº 447.041-AgR, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, 1ª Turma, DJ de 19.11.2004, e AI nº 439.613-AgR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, 2ª Turma, DJ de 17.10.2003).

E a razão óbvia era e é porque parte passiva legítima ad causam, no mandado de segurança, não é nem pode ser a autoridade a que, nos termos da lei , se requisitam as informações, enquanto suposto autor da omissão ou do ato impugnado, senão a pessoa jurídica a cujos quadros pertença, na condição de única destinatária dos efeitos jurídicos da sentença mandamental.


É preciso observar, a respeito, que a legitimidade ordinária para a causa, apurável in statu assertionis, depende da indefectível estrutura dialética do processo, a qual, residindo no chamado contraditório, objeto de garantia constitucional entre nós , consiste “nella partecipazione dei destinatari degli effetti dell’atto finale alla fase preparatoria del medesimo, nella simmetrica parità delle loro posizioni, nella mutua implicazione delle loro attività (volte, rispettivamente, a promuovere ed a impedire l’emanazione dell’atto…”, de tal modo que, por exemplo, na “fase che precede uma sentenza civile di condanna e nella quale si raccolgono gli elementi in basi ai quali il giudice dovrà emanare tale sentenza o rifiutarla: ad essa partecipano colui che è destinato a subire la condanna e colui è destinato ad esserene il beneficiario, in contradittorio fra loro”.

Não há, deveras, como conceber-se processo jurisdicional – que, como categoria jurídica, tem por pressuposto de validez absoluta a concreta realização da promessa constitucional de ser justo ou devido por justiça (due process) -, sem garantia da possibilidade de participação oportuna e efetiva, a título de colaboradores, na preparação do ato final que ali se persegue e forma, das pessoas que, segundo os interesses e as respectivas posições teóricas contrapostos, assim estimados, em via hipotética, ao início do procedimento, devam, nesse esquema, suportar, em seu patrimônio jurídico, os efeitos da sentença, favoráveis ou desfavoráveis, com a firmeza da coisa julgada material. Nesse sentido, à luz dos preceitos constitucionais , em toda modalidade de processo a decisão há de resultar de um como diálogo ou, mais precisamente, de uma colaboração entre os protagonistas presentes na causa, aos quais se assegura a possibilidade de influir ativamente no desenvolvimento e na sorte ou teor do juízo decisório, como bem acentua TROCKER .

E estão nisso, aliás, a lógica e a racionalidade últimas dos limites subjetivos originais da coisa julgada material, na medida em que é dirigida às partes tidas por legítimos contraditores, só as quais, em princípio, se assujeitam à eficácia e à imutabilidade da sentença como regra singular do caso decidido (res iudicata), porque, por pressuposição, lhes terá sido dada a oportunidade de, nos termos da concreta fisionomia normativa do contraditório, participarem, como colaboradores, no processo de formação da sentença que as vincula. Daí, além da perceptível indispensabilidade de citação de eventuais litisconsortes passivos necessários, sob pena de lhes ser ineficaz o provimento jurisdicional, as intuitivas e justas restrições a que este prejudique a quem, por ser estranho ao processo, não haja tido adequada possibilidade de atuar no mecanismo de sua produção.

Transpostas essas premissas à espécie, vê-se, logo, que não pode reputar-se parte passiva legítima na ação de mandado de segurança, a autoridade a que se atribui a prática do ato supostamente lesivo a direito líquido e certo, pela razão brevíssima de que não é destinatário teórico dos efeitos da sentença definitiva . A função prática e heteróclita, que lhe reserva a lei, simplificando procedimento que pretende célere, é só de mero informante, cujo estrito dever jurídico, que implica o de veracidade, liga-se à condição de, como presumido autor do ato atacado, estar mais bem aparelhado para o justificar ou negar em nome da administração, a qual representa nesse curto papel processual, que se exaure com a prestação das informações, após as quais já não tem lugar no processo. Conquanto possa sê-lo por exceção e coincidência, de regra não é presentante nem representante processual do ente público, que, a rigor, deve, ou deveria, independentemente das informações, ser sempre citado para a causa, em que é legitimado passivo. Não é tampouco, e escusaria demonstrá-lo, substituto processual da pessoa jurídica de direito público, senão apenas seu agente administrativo. Donde, as informações não fazerem as vezes de contestação, nem sua falta induzir efeitos de revelia . E, o que é mais e decisivo para o caso, sua intimação da sentença não suprir nem sanar o vício decorrente da falta de intimação da pessoa jurídica legitimada passiva para a causa.

Não é este o lugar próprio para estima de todas as alternativas práticas e das conseqüências jurídicas da aparente omissão legislativa sobre a necessidade da citação inicial da pessoa de direito público, no processo de mandado de segurança. À solução do caso, em que o Estado recorrente, não citado para a causa, pedia só a pronúncia de nulidade processual oriunda da falta de sua intimação da sentença que deferiu a segurança, bastava e basta remeter-se aos precedentes da Corte que, dando-lhe razão à luz da garantia constitucional do contraditório, como cláusula elementar do justo processo da lei (due process of law), mandavam aplicar, por remédio, a legislação processual subalterna, em particular o art. 3º da Lei federal nº 4.348, de 26 de junho de 1964, que, na redação conferida pela Lei nº 10.910, de 15 de julho de 2004, prescreve:

“Art. 3º. Os representantes judiciais da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios ou de suas respectivas autarquias e fundações serão intimados pessoalmente pelo juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, das decisões judiciais em que suas autoridades administrativas figurem como coatoras, com a entrega de cópias dos documentos nelas mencionados, para eventual suspensão da decisão e defesa do ato apontado como ilegal ou abusivo de poder”.

E isto de o representante processual da pessoa jurídica de direito público, ainda quando não citada para a causa, dever ser intimado de todas as decisões, e sobretudo da sentença, é o que, posto sem fundar-se de maneira expressa em tal norma, reconhece avisada doutrina em apoio do entendimento e da prática jurisprudencial:

“No mandado de segurança, em que de início figura nominalmente no pólo passivo o agente que realizou o ato impugnado pelo impetrante (autoridade coatora LMS, art. 7º, inc. I), uma vez proferida a sentença em primeiro grau de jurisdição vem para a relação processual, em seu lugar, o ente estatal ou paraestatal a que ele pertence. A lei é omissa a respeito mas assim entendem todos os tribunais do país, porque a autoridade coatora tem somente uma legitimidade de representação, ditada por razões puramente pragmáticas; quando ela é citada, entende-se que o é na pura qualidade de representante, não de parte. Sempre, os efeitos do julgamento do mérito atingirão o ente público e não o agente”.

E o fato de o pedido de writ ter-se processado originariamente no Tribunal de Justiça em nada escusa nem atenua a exigência constitucional, pelo menos, de intimação do ora agravado, enquanto legitimado passivo ad causam, na qualidade de pessoa jurídica que deva suportar os efeitos da eventual sentença mandamental, entre os quais relevam os pecuniários. O presidente do Tribunal de Justiça de Pernambuco é só a autoridade que sói dizer-se impetrada.

2. Isso posto, nego provimento ao agravo.

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