Questão de desordem

Supremo adia decisão sobre ação contra Cunha Lima

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7 de novembro de 2007, 18h32

Uma Questão de Ordem postergada e um novo pedido de vista adiaram por mais algum tempo a definição sobre o julgamento do ex-deputado Ronaldo Cunha Lima pelo Supremo Tribunal Federal. Retomada nesta quarta-feira (7/11) a votação que vai definir se Cunha Lima deve ser julgado pela Corte, independentemente de sua renúncia ao cargo, os ministros discutiram questão de ordem levantada pela defesa de Cunha Lima. Para os advogados do ex-deputado, a competência seria do Tribunal do Júri, pois a acusação é de crime contra a vida.

Para o relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, é “manifestamente improcedente” a transferência do processo para o Tribunal do Júri. “Não há que se falar na violação do devido processo legal. Violaria sim o julgamento por outro órgão que não aquele constitucionalmente previsto”, afirmou.

Este ponto crucial do caso não foi discutido oportunamente pelo Plenário porque Joaquim Barbosa não colocou em discussão a Questão de Ordem apresentada à Corte pelos advogados de Cunha Lima no dia 20 de setembro.

O julgamento da ação penal estava marcado para a segunda-feira (5/11) e Cunha Lima renunciou ao mandato cinco dias antes, suscitando nova Questão de Ordem, no início da discussão do caso: se o STF tem competência para julgar Cunha Lima, mesmo após a renúncia do deputado.

De acordo com o ministro Joaquim Barbosa, há um conflito aparente de regras — de um lado a que fixa a competência do Tribunal do Júri para apreciar crimes contra a vida e de outro a competência do Supremo para julgar membros do Congresso por crimes comuns. Para Joaquim, o Júri deve julgar os crimes contra a vida, mas não os praticados por quem tem direito a foro privilegiado por prerrogativa de função.

Acompanharam o relator, que afastou a competência do Tribunal do Júri para apreciar o caso, os ministros Eros Grau e Carlos Ayres Britto, que antecipou o voto. Pediu vista desta questão de ordem o ministro Marco Aurélio.

O ministro Eros Grau sinalizou que diante desta questão, pode mudar sua posição em relação à primeira Questão de Ordem discutida pela Corte neste caso: se o ex-deputado deve continuar a ser processado pelo STF, mesmo depois de ter renunciado o mandato às vésperas do julgamento. Esta questão não voltou a ser discutida no julgamento desta quarta-feira.

Cunha Lima é acusado de tentar matar, com dois tiros, o ex-governador da Paraíba, Tarcísio Burity, num restaurante, há 14 anos.

Perdido de vista

O pedido de vista de Marco Aurélio levou o relator do processo a fazer o que ele mesmo chamou de advertência. Joaquim Barbosa lembrou que o crime foi cometido há 14 anos e que o réu está próximo de completar 70 anos e que a ação corre o risco de prescrever.

Marco Aurélio respondeu que pedido de vista tem previsão regimental e que não confunde a prática com “perdido de vista”. Em seguida perguntou a Barbosa, quanto tempo ele levou para preparar seu voto. “Dois meses”, respondeu Barbosa. “Prometo não demorar tanto tempo para dar o voto-vista”, respondeu Marco Aurélio.

O ministro Joaquim Barbosa também lembrou ao ministro Marco Aurélio que ele não estava presente à sessão de segunda-feira, quando começou a discussão sobre a competência do STF para manter na corte o julgamento do processo de Cunha Lima. Marco Aurélio retrucou: “Tenha certeza que eu li o relatório e conheço o voto de Vossa Excelência, pois costumo acompanhar as discussões do Supremo”.

Na segunda, Marco Aurélio foi homenageado pelo Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro e ganhou o Colar do Mérito Victor Nunes Leal. Foi orador em nome dos demais homenageados. “Não costumo faltar às sessões do Supremo”, ressaltou o ministro.

AP 333

Leia memorial dos advogados de Cunha Lima e a questão de ordem sobre competência do Tribunal do Júri

Senhor Ministro,

1. Os advogados adiante assinados, na qualidade de procuradores de Ronaldo José da Cunha Lima na Ação Penal nº 333, ao tempo em que submetem à apreciação de Vossa Excelência a Questão de Ordem formulada nos respectivos autos em 20 de setembro de 2007 (doc. em anexo), pedem “vênia” para aduzir, a título de memorial, alguns esclarecimentos quanto à renúncia do acusado ao mandato de deputado federal.

2. Considerando que a renúncia operou-se a partir do momento em que foi solicitada a inclusão do feito em pauta para julgamento, disseminou-se na imprensa – com grande repercussão no último final de semana, chegando a constituir a pauta editorial de jornais de circulação nacional – que o ato do acusado configuraria um “escárnio” à Corte Suprema ou, ainda, revelaria “mais uma chicana da defesa”.

3. Não tem menor fundamento a adjetivação. Um mínimo de serenidade, lastreada na sempre recomendável reflexão sobre todos os aspectos do tema, conduz à conclusão bem diversa.


4. Vejamos.

5. Ao definir a competência originaria do STF para a apreciação das infrações penais comuns praticadas por membros do Congresso Nacional, prescreve a CF no inciso I de seu art. 102:

“I – processar e julgar, originariamente”

6. Por outro lado, ao cuidar da competência do Tribunal do Júri, no elenco dos direitos e garantias fundamentais (art. 5º, XXXVIII, “d”) o faz a Lei Maior através do seguinte enunciado:

“d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;”

7. Ora, se o STF compete “processar e julgar” os parlamentares federais enquanto ao tribunal do júri o “julgamento” dos crimes dolosos contra vida, em se tratando de delito desta natureza imputado a congressista a antinomia somente se estabelece em relação ao “julgar” (presente nas duas hipóteses) e não quanto ao “processar” (presente apenas na primeira). Tal circunstância, aliás, foi detidamente analisada no item 6 e seguintes da questão de ordem formulada em 20 de setembro de 2007.

8. Ponderou a defesa, naquela ocasião, que “a questão de ordem ora apresentada é prejudicial, devendo ser apreciada antes de ser anunciado o julgamento da ação” (item 7).

9. Assim, à luz da tese sustentada pela defesa, até o encerramento da instrução processual estava esta Corte Suprema no exercício inquestionável de sua competência, posto que todos os atos até então praticados abrigados estavam sob o espectro do “processar”. A partir da apresentação das alegações finais é que – repita-se, no entender da defesa – deveria ser reconhecido o deslocamento da jurisdição para o tribunal do júri. E, neste momento, neste exato momento, houve a formulação da Questão de Ordem, de natureza prejudicial, com requerimento expresso neste sentido.

10. Entendeu Sua Excelência o Ministro Relator de submeter a aludida Questão de Ordem ao Plenário da Corte como preliminar do julgamento de mérito e não antecipadamente como requerera a defesa. Neste momento, porque convencido da consistência da argüição, optou o acusado, lastreado em inúmeros precedentes deste Supremo Tribunal quanto aos efeitos do ato (v. Inq. 2268) em renunciar ao mandato de parlamentar federal para que, desta forma, visse preservada a competência do tribunal do júri de João Pessoa para julga-lo.

11. Pondere-se que a solicitação da inclusão do feito em pauta chegou ao conhecimento do acusado e de seus defensores INFORMALMENTE, uma vez que não houve qualquer intimação neste sentido.

Respeitosamente,

José Gerardo Grossi

OAB-DF 586

Eduardo Antônio Lucho Ferrão

OAB-DF 9378

Questão de Ordem

RONALDO JOSÉ DA CUNHA LIMA, já qualificado nos autos acima epigrafados, por seus procuradores judiciais ao final assinados, vem à presença de Vossa Excelência, nos termos do art. 21, Inciso III do RISTF, para preservação da garantia de julgamento pelo Tribunal do Júri, conforme art. 5º, Inciso XXXVIII, c/c art. 5º, inciso LIII, da Constituição Federal, formular.

QUESTÃO DE ORDEM,

fazendo-o nos seguintes termos:

I – BREVE HISTÓRICO PROCESSUAL

1. Trata-se de Ação Penal em que o Réu, atualmente no exercício do mandato de Deputado Federal pela representação do povo da Paraíba, foi denunciado pela suposta prática de homicídio tentado, como incurso nas penas do artigo 121, § 2º, inciso IV, c/c o artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal.

2. O fato ocorreu em 1993, quando o Réu era Governador daquele Estado e, então, sujeitava-se a ser processado perante o STJ (art. 105, inciso I, alínea “a” da CF/88).

3. Eleito Senador nas eleições de 1994, pela representação do Estado da Paraíba, o processo teve deslocada sua competência para processamento perante este Supremo Tribunal Federal.

4. Estando o processo aguardando manifestação do Sr. Relator para julgamento, vem formular a presente questão de ordem para preservação da garantia constitucional esculpida no art. 5º, Inciso XXXVIII, c/c Inciso LIII, da Constituição Federal.

II – DA PREJUDICIALIDADE DA PRESENTE QUESTÃO DE ORDEM

5. O objeto da presente questão de ordem é a preservação da garantia constitucional do requerente, como cidadão, de ser julgado pelo juízo natural do Tribunal do Júri.

6. Em que pese o processamento do feito ser de competência desta Corte, em razão da prerrogativa de foro que lhe é atribuída ratione múnus,o juízo natural para julgamento do presente feito é do Tribunal do Júri da Comarca de João Pessoa – PB, onde ocorreu o fato, conforme será adiante exposto.

7. Por esta razão, a questão de ordem ora apresentada é prejudicial, devendo ser apreciada antes de ser anunciado o julgamento da ação.


8. É que, uma vez iniciado o julgamento perante esta Corte, já não mais faria sentido a argüição tempestivamente feita nesta manifestação.

III – NO MÉRITO

DA PRESERVAÇÃO DA GARANTIA DO JUÍZO NATURAL DO TRIBUNAL DO JÚRI NOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA – ENFRENTAMENTO DA SÚMULA 721

9. A questão de ordem levantada nesta oportunidade já foi objeto de apreciação por esta Corte, que erigiu o verbete 721 da súmula do STF, que expressamente dispõe:

“A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela constituição estadual”.

10. A leitura atenta do mencionado verbete sumular leva a entender que, estando a prerrogativa de foro estabelecida em sede constitucional federal, esta teria prevalência sob o Tribunal do Júri.

11. O mencionado verbete, todavia, teve por precedente os Habeas Corpus número 69.325, 79.212 e 78.168.

12. Em todos estes casos, a matéria fática trazida à apreciação desta Corte dizia respeito à constitucionalidade de dispositivo inserido em Constituição Estadual, que estabelece prerrogativa de foro a autoridades locais, quando em conflito com a garantia individual atribuída ao cidadão de ser julgado perante o Tribunal do Júri nos crimes dolosos contra a vida, (art 5°, inciso XXXVIII, da Constituição Federal).

13. Em nenhum dos casos que deram origem ao verbete se discutia a antinomia trazida na própria Constituição Federal que, ao mesmo tempo em que se estabelece a competência do Supremo Tribunal Federal para processar os membros do Congresso Nacional por crimes comuns, prevê, também, a garantia individual do cidadão de ser julgado perante o Tribunal do Júri nos crimes dolosos contra a vida.

14. Resta clara, portanto, a diferença entre os casos de aplicação do mencionado verbete e o presente, já que o verbete sumular 721 resolve antinomia existente entre as Constituições Estaduais e a Constituição Federal, e o caso em questão envolve uma antinomia presente na própria Carta Magna, ou para se utilizar de expressão cunhada por BACHOF, o que se pretende discutir na presente questão de ordem é o “conflito aparente de normas constitucionais”.

15. Aliás, a hipótese vertente é o primeiro caso em que o Supremo Tribunal Federal analisa, em sede originária, caso de crime doloso contra a vida. Daí o ineditismo da questão.

APARENTE CONFLITO ENTRE O JUÍZO NATURAL DO JÚRI POPULAR E A NORMA DE COMPETÊNCIA DO STF

16. Há de se apreciar um dado relevante a aparente antinomia existente entre as normas de competência das Cortes e as definidoras de prerrogativas com principio (garantia fundamental) do Júri Popular, ou então o entrelaçamento necessário de ambas as regras, de maneira que a incidência de uma não afaste a incidência da outra. É dizer tais e quais autoridades têm prerrogativas de foro nessa ou naquela Corte, ressalva a aplicação do art.5°, XXXVIII, d, CF, isto é, nos crimes dolosos contra a vida.

17. Afastada a “hipótese Bachof” de inconstitucionalidades originarias em um mesmo texto constitucional(1), tem-se que a garantia do Tribunal do Júri (art. 5º, XXXVIII, d. CF) deve prevalecer em desfavor das normas de competências, mesmo que elas tenham sede na Constituição Federal (art.: 29, VIII; 96, III; 108, I, a; 105, I, a; e 102, I,b e c. CF), seja pela interpretação sistemática, seja pela resolução de um aparente conflito.

18. O fato de as regras de competências não terem status de princípio, mas de normas, favorece o entrelaçamento e a prevalência do Júri Popular tido como princípio soberano de garantia. Mais ainda porque entre regras de hierarquias diferentes não há conflito e sim prevalência da que tenha nível superior.

19. Mas, se porventura fosse possível estabelecer-se o conflito, a solução também dar-se-ia em favor do júri. Primeiro porque, “como se sabe, quando há antinomia de normas no texto do mesmo diploma legal, o critério para resolve-la não é o da posteridade no tempo obviamente, mas, especialmente, o da sede materiae” (2) que, no caso, é do Júri Popular; depois, porque o júri tem como sede o titulo das garantias fundamentais, sendo uma segurança (juízo natural, art. 5º XXXVII e LIII, CF) (3) do acusado.

A GARANTIA DO JÚRI POPULAR COMO CLÁUSULA PÉTREA

20 De tão relevante, o princípio – garantia – do Júri Popular é uma cláusula pétrea, como tal garantia pelo art. 60, § 4º, CF (4), não sendo possível sua exclusão por via constitucional derivada, nem sua extensão a outros delitos por via infraconstitucional.

21. Aliás, discute-se, com posicionamentos críticos favoráveis, se tal imutabilidade é absoluta, não se permitindo, mesmo que constitucionalmente, a exclusão e a diminuição, ou mesmo a extensão, do seu alcance.


22. A discussão do STF sobre a constitucionalidade da lei que autorizava o julgamento dos crimes contra a economia popular por um Tribunal do Júri é um fato marcante (5).

23. Nesse sentido é o pensamento do Ministro JOSÉ CELSO DE MELLO FILHO (5), citando FERNANDO DA COSTA TOURINHO e PONTES DE MIRANDA:

“a regra constitucional estabelece competência única e exclusiva do júri, limitada, apenas, aos crimes dolosos contra a vida. Essa competência é insuscetível de ampliação por meios de normas infraconstitucionais”.

24. O mesmo não acontece com as normas de competências das Cortes. A rigor, não estão tuteladas pelo manto da imutabilidade e podem ser tratadas pela legislação infraconstitucional. Nesse sentido, a garantia do Júri Popular é princípio normativo de direito material, enquanto que a competência das cortes é norma de direito processual.

O TRIBUNAL DO JÚRI COMO GARANTIA ANTERIOR ÀS CONSTITUIÇÕES

25. A garantia do Tribunal do Júri tem sido reconhecida por todas as constituições republicanas como juízo natural nos casos de crimes dolosos contra vida.

26. Tal reconhecimento eleva a garantia aos status de norma de direito material de natureza suprapositiva, que deve ser preferida quando posta em conflito – mesmo que aparente – com uma outra, em sede constitucional.

O TRIBUNAL DO JÚRI COMO ÓRGÃO EXTRAJUDICIÁRIO

27. O Tribunal do Júri, embora revestido da liturgia judiciária por sua natureza e por seu funcionamento, não é um órgão do Poder Judiciário. Sequer está elencado no rol definido no art. 92, CF.

28. Na atual Constituição, como nas últimas, conservou-se sempre como uma garantia do cidadão.

29. Qualquer sentença ou julgamento por outra instituição (ou autoridade) será havido por nulo, como tendo decidido o STF, porquanto a competência não lhe será própria para o caso de crime doloso contra a vida, dada a existência, em sede constitucional, da garantia da reserva do Júri Popular para tal proceder, mesmo que essa outra competência tenha também o status constitucional.

30. Ademais, com a Carta de 1988, o Tribunal do Júri é uma instituição soberana, tal qual era nas Constituições de 1946 e 1967, diferente da Emenda de 1969 que, apesar de manter o Júri Popular, retirou-lhe a soberania (cf. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Comentários…) (7).

31. Para ROGÉRIO LAURIA TUCCI e JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI, o Tribunal do Júri é o juiz natural do crime doloso contra a vida. Dizem:

“E, como precisa a doutrina mais autorizada, não há como confundir, a tal propósito, a Justiça Penal Especial com órgão especial da Justiça Penal Comum. No âmbito desta, ademais, destaca-se a competência do importante e especialíssimo órgão denominado Tribunal do Júri, instituição sobrelevada no art. 5º, XXXVIII, da Carta Magna da República, verbis: “É reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude da defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. A derradeira alínea, como facilmente perceptível, contempla-o como juiz natural para o processamento e julgamento de autores de crimes doloso contra a vida, na Justiça Penal Comum, com exclusão óbvia de qualquer outro órgão judicante”.

32. A questão não é solucionada diferentemente por Pontes de Miranda, para quem “os crimes dolosos contra a vida são, todos, necessariamente incluídos na lista dos que têm que ser julgados pelo júri” (8).

OUTROS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE TUTELAM A GARANTIA DO TRIBUNAL DO JÚRI

33. Outras Questões relevantes devem ser suscitadas, porquanto inter-relacionadas com a tese trazida à baila. O Tribunal do Júri recebe a proteção da regra geral de isonomia (mesma situação, mesmas regras) do caput do art. 5º, segundo a qual “there is no men above the law”, igualando situações, por mais graduada que seja a autoridade envolvida nos atos delituosos, ou por mais dignidade e relevância que tenha perante o Estado o cargo que desempenha.

34. O norte escolhido para a aplicação do art. 5º, caput, auxiliado pelo art. 1º e o Preâmbulo, chama a atenção para outro ponto relevante: os incisos LIII, LIV e LV do art. 5º garantem meios – processo e procedimentos – que as normas de competências por prerrogativa relevam casos de crimes dolosos contra a vida (9).

35. Embora se tenha dito que o Tribunal do Júri não é um órgão do Poder Judiciário, suas decisões, apesar de soberanas – a expressão constitucional tem o reforço político que merece –, podem ser examinadas pelo Poder Judiciário por meio de recursos que lhe são próprios (cf. incisos XXXV e LV do art. 5º, CF).

36. Destarte, afora a quebra do principio do juízo natural, a norma de competência retira do acusado a possibilidade de utilizar-se de instancias recursais. Ocorre até, em alguns casos, que o julgamento por prerrogativa de foro não permite nenhum recurso, conferindo ao julgado a complexidade de, numa só assentada, ser único e último.


37. Assim, o devido processo legal é violado pelo deslocamento da competência.

38. As autoridades que têm prerrogativa de foro nos tribunais de justiça, no STJ e no STF, ratione munus, perdem as possibilidades disponíveis nas leis processuais para oporem recursos ordinários das decisões dessas Cortes, chegando, no STF – como na espécie – a instância a ser única, não permitindo recursos de sentido modificativo por qualquer natureza.

39. JOSÉ DELGADO (10), Ministro de STJ, reforça a compreensão, com ênfase para a instituição do juiz natural, entendendo que “a força dessa garantia constitucional não permite que os poderes constituídos criem juízos destinados a julgamento de determinados casos ou de pessoas especificadas”… “… não há, assim, ambiente jurídico de se estabelecer qualquer relação jurídica processual ou substancial que contrarie, de modo frontal, princípios previstos na Constituição Federal.”

40. Por essas outras razões, sai favorecido o julgamento pelo Tribunal do Júri.

41. Em face dessa competência do Júri Popular, a prerrogativa de foro, como um privilegio, atenta contra a isonomia e, como uma definição de competência pretoriana, atenta contra o devido processo legal.

A GARANTIA DO TRIBUNAL DO JÚRI COMO INSTITUIÇÃO REPUBLICANA

42. Referentemente às nuanças políticas da instituição do Júri Popular, isto é, sua faceta como manifestação popular ou exercício de poder, não seria mero argumento retórico entende-lo como poder emanado do povo e exercido de forma direta, como no Parágrafo único do art. 1º da CF/88.

43. Tratando da participação do povo em todos os ramos do governo, JEFFERSON, nos Escritos Políticos (11), diz que as pessoas, os cidadãos “não estão aptos para julgar questões de leis, mas têm capacidade para julgar questões de fato. Na forma do júri determinam todas as questões de fatos.”

44. Reforçando o entendimento, opta pelo povo no judiciário se “fosse chamado para decidir sobre se seria preferível omitir o povo no departamento judiciário ou legislativo”.

45. A análise do Júri Popular, enquanto instituição política, e até mesmo judiciária, tem em ALEXIS TOCQUEVILLE um referencial paradigmático.

46. Para ele, a instituição do júri adquiriu luzes brilhantes na Inglaterra e estendeu-se pelo mundo anglo-saxão, a despeito da complexidade e da erudição das relações sociais modernas.

47. É definitiva sua explicação sobre essa conotação do júri: (12)

“Aplicar o júri à repressão dos crimes parece-me introduzir no governo uma instituição eminentemente republicana. Explico-me. A instituição do júri pode ser aristocrática ou democrática, conforme a classe em que se convocam, por colocar a direção real da sociedade nas mãos dos governados ou de uma porção deles, e não na dos governantes”.

DO PEDIDO

48. Por todo o exposto, requer seja provida a presente questão de ordem a fim de que se reconheça a prevalência da garantia individual do cidadão Ronaldo Cunha Lima de ser julgado, no caso em espécie, pelo juízo natural do Tribunal do Júri da Comarca de João Pessoa – PB, sobre a norma de competência que garante prerrogativa de foro aos membros do congresso nacional.

P. deferimento.

Brasília, 12 de setembro de 2007.

Notas de Rodapé

1- BACHOF, Otto. Normas Constitucionais Inconstitucionais? Tradução e Nota Prévia de José Manuel Cardoso da Costa – Coimbra, Almedina, 1994. (Reimpressão).

ALVES, José Carlos Moreira – A Inconstitucionalidade de normas constitucionais originarias: sua impossibilidade em nosso sistema constitucional – Revista dos Estudantes de Direito da UnB – pp. 54/55; ADIN’s 815/DF, DJ 10.05.96 e 997/RS, DJ 30.08.96.

Cumpre ressalvar a diferença entre a Inconstitucionalidade de normas do mesmo texto constitucional originário e entre estas e as normas do direito natural ou suprapositivo, conforme destaca o Min. Moreira Alves no seu voto nas ADIN’s citadas.

2- ADINMC 492, Rel. Min. Carlos Velloso; Requerente: Procurador-Geral da República e Requeridos Congresso Nacional e Presidente da República. Excerto da opinião do Min. Moreira Alves em discussão com os Ministros Carlos Velloso e Marco Aurélio.

3- Art. 5º (…)

XXXVII – não haverá juízo ou tribunal de exceção;)

LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;

4- “Art. 60. (…)

§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

IV – os direitos e garantias fundamentais.

5- HC 34071, Rel.: Min. Edgard Costa, julgado em 11/05/56; RECR 72988, Rel. Thompson Flores, julgado 09/12/7; RECR 71713, Rel.: Min.: Amaral Santos.

6- MELLO FILHO, José Celso de In Constituição Federal Anotada/Saraiva, 1984. pp. 345/346.

7- Comentários à Constituição Brasileira, Vol.: I (art. 1º a 43), 1990, Ed. Saraiva.

8- Constituição de 1988 e Processo Ed. Saraiva 1989, pp. 30/31.

9- “Art. 5º Todos são iguais perante a lei…

(…)

LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;

LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV – as litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”

10- Comentários à Constituição de 1967, Tomo V, pp. 254.

11- Thomas Jefferson, Escritos Políticos. Os Pensadores – 1979 – pp. 31/32.

12- A Democracia na América. Ed. Martins Fontes – São Paulo/1998. Referências bibliográficas conforme original.

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