Preparo recursal

Falta de pagamento de valor ínfimo não caracteriza deserção

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7 de novembro de 2007, 14h26

Seria possível decretar a deserção de recurso em razão do não pagamento de valor ínfimo referente ao preparo? O Código de Processo disciplina a matéria em seu artigo 511 da seguinte forma:

Artigo 511. No ato de interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção.

Parágrafo 1º. São dispensados de preparo os recursos interpostos pelo Ministério Público, pela União, pelos estados e municípios e respectivas autarquias, e pelos que gozam de isenção legal.

Parágrafo 2º. A insuficiência no valor do preparo implicará deserção, se o recorrente, intimado, não vier a supri-lo no prazo de cinco dias.

Com relação à necessidade de se intimar a parte para complementar o preparo, diante da disposição clara do parágrafo 2º, do artigo 511 do CPC (dada pela Lei 9.756/98) a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de ser necessária a intimação da recorrente para efetuar a complementação do preparo.

PROCESSUAL CIVIL — AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ARTIGO 557, CAPUT, DO CPC — RECURSO DE APELAÇÃO – PREPARO RECOLHIDO A MENOR — PENA DE DESERÇÃO AFASTADA — INTIMAÇÃO PARA COMPLEMENTAÇÃO — POSSIBILIDADE — PRECEDENTES.

(…) É cediço que a insuficiência do valor do preparo, por si só, não acarreta a deserção do recurso, sendo de rigor a concessão de prazo para a sua complementação, nos termos do que dispõe o artigo 511, parágrafo 2º, do CPC.

Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 953.864/DF, Rel. ministro Humberto Martins, 2ª Turma, julgado em 18 de setembro de 2007, DJ 27 de setembro de 2007 p. 253)

PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. INSUFICIÊNCIA DE PREPARO. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO DO RECORRENTE PARA SUPRIMENTO DO VALOR DAS CUSTAS. JUSTIÇA FEDERAL. LEI ESPECIAL. INTIMAÇÃO. NECESSIDADE. DESERÇÃO NÃO CONFIGURADA.

(…) É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que, constatada a insuficiência do preparo, deve o recorrente ser intimado para que proceda à devida complementação no prazo de cinco dias a contar de sua intimação, não sendo possível julgar deserto o recurso antes de efetuada a referida providência. Precedentes.

4. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no REsp 924.797/RS, relatora ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, julgado em 26 de junho de 2007, DJ 6 de agosto de 2007 p. 688)

O problema que se coloca é em relação ao não pagamento (ou pagamento a menor) do valor do preparo considerado ínfimo.

Um formalismo exacerbado tem se apresentado em casos isolados em que prevalece a deserção do recurso em razão da falta de recolhimento do preparo, independente de seu valor, por exemplo, no Agravo Regimental 824.114/SP, de relatoria do ministro João Otávio de Noronha, em que foi decretada a deserção porque a parte deixou de complementar R$1,12 (um real e doze centavos).

De igual forma, o julgado no Recurso Especial 191.314, da relatoria do ministro Carlos Alberto Menezes Direito, pois “tendo a parte sido efetivamente intimada do valor exato do preparo, como afirmado no Acórdão recorrido, o recolhimento a menor configura deserção” qualquer que seja o valor, mesmo que ínfimo.

Nestas situações, em que a parte foi intimada para complementar o preparo e não o fez, a sua falta caracteriza uma omissão injustificada que seria, para alguns magistrados, suficiente para decretar a deserção.

Contudo, entendo, com o devido respeito, que prepondera o direito ao duplo grau de jurisdição (art. 5º, LV, CF).

O magistrado deve ponderar que a falta de recolhimento de valor ínfimo não acarreta a sua deserção. E, nesse passo, compete a cada juiz a percepção do que seja ínfimo, sem expressão econômica, cuja falta de recolhimento não tem qualquer importância por demonstrar a clara e evidente intenção da parte em pagar o preparo, não o fazendo por mero equívoco (afinal, no caso ilustrativo acima, valor ínfimo de R$ 1,12 de preparo a menor não caracteriza motivo suficiente para decretar a perda do direito de ter a sua causa reexaminada pela Corte Superior. Nesse mesmo sentido, poderíamos citar inúmeros outros julgados REsp 217.518/SP; REsp 211.614, REsp 80.988, dentre outros vale destacar a seguinte ementa:

1. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ERRO MANIFESTO. EFEITO MODIFICATIVO. CABIMENTO. 2. PROCESSUAL CIVIL. PREPARO. INSIGNIFICÂNCIA. DESERÇÃO. RELEVAÇÃO. PRECEDENTES.

1. Excepcionalmente pode se conferir efeito modificativo aos embargos de declaração, desde que o erro seja manifestamente equivocado.

2. A quantia irrisória de R$ 1,00 (um real) do valor do preparo não é obstáculo que impede o prosseguimento do recurso de apelação.

3. Embargos providos para, alterar o resultado do julgado, e dar provimento ao Recurso Especial.

(EDcl no REsp 141.063/SP, relator ministro Edson Vidigal, 5ª Turma, julgado em 4.de agosto de 1998, DJ 8 de setembro de 1998)

Em outro dizer, mesmo que não tenha uma justificativa plausível, em se tratando de falta de recolhimento de valor ínfimo deve o Poder Judiciário conhecer o recurso em razão do pagamento do preparo. Não se trata de facultar a parte a recolher o preparo, mas de simplesmente relevar tal pagamento diante da grandiosidade do direito que se está atingindo (acesso à justiça e o direito ao reexame da causa).

Cabe destacar, para encerrar, as palavras do ministro Gilson Dipp: A ausência de preparo de recurso correspondente a valor insignificante, especialmente considerado o fim social da ação, não deve preponderar sobre a função pública desempenhada pela Jurisdição. REsp 89.151/SP).

Em conclusão: não deveria ser decretada a deserção do recurso, mesmo que a parte seja regularmente intimada para complementá-la e não o fez, se o valor do preparo ou complementação for ínfimo.

André Brawerman é procurador do Estado de SP, professor de Direito Constitucional da PUC/SP e FADISP.

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