Atuação política

Há risco de o ativismo do Supremo contaminar outras cortes

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5 de novembro de 2007, 15h05

Editorial publicado na Folha de S. Paulo desta segunda-feira, 5 de novembro

No espaço de poucas semanas, o Supremo Tribunal Federal ganhou manchetes ao tomar decisões polêmicas que implicaram a criação de regras não-explícitas na legislação. A primeira foi o estabelecimento da fidelidade partidária. Agora a corte impôs limites às greves de servidores públicos. Outras decisões do mesmo tipo podem estar a caminho.

Esse novo ativismo judiciário contrasta com a história da corte. Até recentemente, quando se deparava com a ausência de norma jurídica, o STF limitava-se a declarar a omissão do Legislativo, sem definir regras.

Embora grupos conservadores torçam o nariz, essa não é uma tarefa estranha ao Judiciário. Interpretar já é em alguma medida reescrever a lei. No mais, a jurisprudência constitui em todos os sistemas judiciais do Ocidente fonte legítima de inovação.

No caso específico do ordenamento jurídico brasileiro, o inciso LXXI do artigo 5º da Constituição estabelece: “Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”.

Tal mecanismo, importado do direito anglo-saxão, que permite a magistrados criar normas provisórias quando o Legislativo deixa de fazê-lo, chegou a ser apontado como uma das grandes novidades da Carta de 88. Na prática, porém, muito por timidez das cortes superiores, o mandado de injunção vinha sendo utilizado com parcimônia.

Mas a decisão do Supremo sobre a greve de servidores ocorreu no curso de um pedido de injunção. Tramitam no STF 53 dessas ações. Em breve deverão ser julgados o aviso prévio superior a 30 dias e a aposentadoria especial de servidores, para os quais faltam normas legais.

A nova atitude da corte tem origem política. Além de ter passado por grande renovação — nos últimos cinco anos, o presidente Lula indicou 7 dos 11 ministros—, consolidou-se na sociedade a percepção de que o Legislativo se furta à sua responsabilidade de produzir leis. De fato. Passados 19 anos da promulgação da Carta, que exige a regulamentação do direito de greve de servidores, o Congresso não o fez.

Como a sociedade não pode funcionar sem determinadas normas, o vácuo legal começa a ser preenchido pelo Supremo — o que é em princípio positivo. A concorrência tende a pôr o Legislativo para trabalhar.

Daí não segue que as decisões das cortes serão sempre consonantes com os anseios da população — o Judiciário não é um Poder eleito. Há até mesmo o risco de o ativismo do STF contaminar outras cortes e produzir monstrengos como a decisão da Justiça Eleitoral fluminense de vetar candidatos vagamente acusados de “crimes graves” no pleito do ano que vem.

Diga-se, a propósito, que o excesso de declarações públicas sobre todo e qualquer assunto por parte de alguns magistrados não contribui para que se crie o clima adequado a uma Justiça mais ativa. Se a corte máxima está falando com mais ímpeto nos autos, deveria redobrar o cuidado e portar-se com maior continência fora deles.

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