Acordo forçado

Juíza é acusada de coagir procuradores para fechar acordos

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3 de novembro de 2007, 23h00

A juíza Cíntia de Menezes Brunetta, do Juizado Especial Federal de Maceió, é alvo de uma Reclamação Disciplinar proposta pela União dos Advogados Públicos Federais do Brasil (Unafe) no Conselho Nacional de Justiça. Ela é acusada de forçar procuradores do INSS a fechar acordos judiciais.

A Unafe afirma que Cíntia tem coagido e ameaçado os procuradores para que eles fechem acordos com os beneficiários do INSS. Segundo a entidade, ela ameaça os procuradores com condenações por litigância de má-fé. Ela também representa os profissionais no Tribunal de Contas da União, com o argumento de que a não celebração de acordos prejudica o erário, diz a Unafe.

A entidade sustenta que o alto índice de rejeição no TCU das representações feitas pela juíza comprova “a conduta abusiva e destituída de qualquer fundamento lógico-jurídico”. A Unafe relata uma ocasião em que Cíntia chegou a entregar cópia de uma sentença com multa por litigância de má-fé para um procurador. “É inegável que esse tipo de intimidação causa aos procuradores constrangimentos de toda ordem, além de desestimular a atividade profissional.” Segundo a Unafe, “as ameaças são corriqueiras”.

Procurada pela revista Consultor Jurídico, a juíza Cíntia Brunetta negou as acusações. Ela afirmou que nunca entrou com nenhuma representação contra qualquer pessoa no TCU, seja procurador ou servidor. “Tenho uma certidão do TCU provando isso.”

Segundo ela, a representação da Unafe traz várias informações inverídicas. Ela afirmou que deu mais 20 mil sentenças e em apenas 15 delas condenou a parte — o INSS — por litigância de má fé. “Não foi para forçar acordo, mas para punir a defesa apenas protelatória.” Ela ainda disse que nenhuma dessas 15 sentenças foi reformada pela Turma Recursal de Alagoas. Cíntia vai entregar a sua defesa ao CNJ na próxima semana.

Ainda na representação, a Unafe afirma que a possibilidade de fechar acordo com o patrimônio público existe, mas é limitada. “Não há como refutar que a possibilidade de celebração de conciliação contribui para a diminuição dos custos em relação ao valor pretendido inicialmente nas demandas, mas não se pode compelir à aceitação de acordos que não se amoldem aos limites impostos pelas regras ditadas pela Advocacia-Geral da União.” Os advogados públicos pedem que o CNJ instaure procedimento administrativo disciplinar contra a juíza e a puna.

Veja a representação

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO-CORREGEDOR DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

UNIÃO DOS ADVOGADOS PÚBLICOS FEDERAIS DO BRASIL, pessoa jurídica de direito privado, sem fins econômicos, associação civil de âmbito nacional, CNPJ 08.144.659/0001-23, destinada a defender, representar e promover os interesses profissionais e econômicos dos membros das carreiras da Advocacia Pública Federal, vem, à presença de Vossa Excelência, por seu advogado ao final assinado, COM BASE NO ARTIGO 103-B, §4º, III, da Constituição Federal e artigo 72 e seguintes do Regimento Interno do CNJ, apresentar a presente

RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR

em face de atos abusivos praticados pela magistrada CÍNTIA DE MENEZES BRUNETTA que integra o JUIZADO ESPECIAL FEDERAL DE MACEIÓ, ALAGOAS, pelos fatos e fundamentos a seguir:

DA LEGITIMIDADE

Primeiramente, ressalta-se que a requerente congrega Advogados Públicos Federais e na dicção do art. 6° de seu Estatuto são considerados como tais “os integrantes das carreiras da Advocacia-Geral da União e de seus órgãos vinculados – inclusive procuradores do Banco Central do Brasil e assistentes jurídicos – ativos ou inativos, que manifestem vontade de integrar a Associação”. Assim, a UNAFE possui em seus quadros associativos MEMBROS DAS CARREIRAS JURÍDICAS DA AGU: Advogados da União, Procuradores da Fazenda Nacional; Procuradores Federais; Procuradores do Banco Central do Brasil e Assistentes Jurídicos, todos Advogados Públicos Federais, nos termos da C.F/88 seção II “Da Advocacia Pública”.

Pelos atos constitutivos ora colacionados, demonstra-se cabalmente o preenchimento, por parte da associação Requerente dos requisitos constitucionais exigíveis para a propositura do presente procedimento na defesa dos interesses de seus associados. Assevera-se que estes, especialmente, os Procuradores Federais lotados na Procuradoria do INSS, que atuam junto aos Juizados Especiais Federais estão sofrendo as conseqüências diretas da conduta questionada.

DO CABIMENTO

O artigo 103-B, no inciso III do § 4º, da Constituição da República fixa como uma das competências do Conselho Nacional de Justiça:

III – receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;


Por sua vez, o Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça dispõe que:

Art. 31. Compete ao Ministro-Corregedor, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:

I – receber as reclamações e denúncias de qualquer interessado, relativas aos magistrados e aos serviços judiciários auxiliares, serventias, órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, determinando o arquivamento sumário das anônimas, das prescritas e daquelas que se apresentem manifestamente improcedentes ou despidas de elementos mínimos para a sua compreensão, de tudo dando ciência ao reclamante;

Portanto, a vista do que será tratado a seguir, perfeitamente cabível o presente instrumento, posto que se destina a ofertar denúncia contra membro do Poder Judiciário acerca de condutas abusivas e ilegais.

DOS FATOS

A representação ora apresentada se deve aos reiterados atos abusivos praticados pela Magistrada Reclamada que compõem o Juizado Especial Federal de Maceió/AL, com vistas à obtenção de acordos judiciais mediante coação e ameaças aos Procuradores Federais que se materializam com condenações por suposta litigância de má-fé.

Além disso, tem-se adotado como praxe representações ao Tribunal de Contas da União contra os Procuradores Federais que atuam pelo Instituto Nacional da Segurança Social que ali atuam, ao fundamento de que a não celebração de acordos estaria a causar prejuízos ao erário.

Prova de que se trata de conduta abusiva e destituída de qualquer fundamento lógico-jurídico é o alto índice de improcedências no julgamento das representações feitas ao TCU, arrefecendo a diminuição do número de acordos e da produção dos juízes, posto que, para fins de meta, acordo é computado como sentença de mérito. Convém esclarecer que não se insurge contra os possíveis erros de julgamento perpetrados pelo magistrado, mas contra a intimidação sob várias formas que vêm sendo utilizada contra os procuradores pela juíza do Juizado Especial Federal de Maceió/AL que, ávida pela majoração de estatísticas, esmera-se no emprego de meios nada convencionais com vistas à obtenção dos acordos.

Em certa ocasião, a juíza CÍNTIA DE MENEZES BRUNETTA, diante da negativa de um procurador, chegou a entregar cópia assinada de sentença judicial com a fixação da multa por litigância de má-fé, POSTERIORMENTE SUBSTITUÍDA (doc. anexo) por nova decisão com novos fundamentos de decidir, e comunicou, em audiência, perante advogados, servidores e partes ali presentes, que seria enviada representação ao Tribunal de Contas da União.

A alteração foi realizada, pois no dia posterior à realização dessa audiência, o Procurador Federal, em contato telefônico com a magistrada, para justificar a não feitura do acordo, informou que a certidão de nascimento utilizada como início de prova material da atividade rural teria sido emitida 2 (dois) anos após o óbito do falecido, consistindo este o único documento hábil a firmar a condição de segurado especial do instituidor da pensão.

Sabendo disso, a magistrada, após publicada a sentença em mesa, com entrega de cópia assinada ao Procurador, alterou sua decisão para adicionar fatos novos no intuito de reforçar os fundamentos, incluindo o seguinte trecho na sentença:

“(…) Além do mais, o INSS, administrativamente, concluiu favoravelmente à pretensão autoral, já que consta no processo concessório termo de homologação do trabalho rural do falecido de 1982 até 1992 (data de sua morte), a despeito da pretensa ausência de documentos, assinada por um servidor e rubricada pelo supervisor deste. (…)

É inegável que esse tipo de intimidação causa aos procuradores constrangimentos de toda ordem, além de desestimular a atividade profissional, na medida em que viola frontalmente direitos e garantias inerentes à liberdade do exercício do cargo, os expõe à situação vexatória diante dos demais profissionais e dos cidadãos médios e turba a dignidade da instituição. E o mais lastimável é que as ameaças são corriqueiras nos Juizados Especiais de Maceió, utilizadas também por estagiários e conciliadores.

Com a criação dos juizados especiais federais, autorizou-se a conciliação, transação ou mesmo a desistência pelos representantes judiciais das entidades públicas nas causas abrangidas pela competência desses órgãos, trazendo uma significativa mudança na leitura do princípio da indisponibilidade do patrimônio público, para permitir que o advogado público analise a conveniência ou não da proposta de acordo judicial.

Todavia, essa possibilidade é limitada, por exemplo, pela Portaria n.º 109, de 30 de janeiro de 2007, da Advocacia Geral da União que, em resumo, no art. 3º, permite acordos judiciais, desistência ou não interposição de recursos nas causas de competência do JEF quando:


I – houver erro administrativo reconhecido pela autoridade competente ou, quando verificável pela simples análise das provas e dos documentos que instruem a ação, pelo advogado ou procurador que atua no feito, mediante motivação adequada; e

II – inexistir controvérsia quanto ao fato e ao direito aplicado.

Por sua vez, conforme disposição contida no art. 28 da Lei Complementar n.º 73, de 10/2/1993, contrariar orientações normativas da Advocacia-Geral da União constitui vedação aos procuradores federais, in verbis:

Art. 28. Além das proibições decorrentes do exercício de cargo público, aos membros efetivos da Advocacia-Geral da União é vedado:

I – exercer advocacia fora das atribuições institucionais;

II – contrariar súmula, parecer normativo ou orientação técnica adotada pelo Advogado-Geral da União;

III – manifestar-se, por qualquer meio de divulgação, sobre assunto pertinente às suas funções, salvo ordem, ou autorização expressa do Advogado-Geral da União.

Não há como refutar que a possibilidade de celebração de conciliação contribui para a diminuição dos custos em relação ao valor pretendido inicialmente nas demandas, mas não se pode compelir à aceitação de acordos que não se amoldem aos limites impostos pelas regras ditadas pela Advocacia-Geral da União, os quais se mostram razoáveis e condizentes com os objetivos da seguridade social e não expõem o patrimônio constituído pelos contribuintes a risco de dilapidação gratuita, de forma a não comprometer ainda mais os direitos relativos à saúde, previdência e assistência social.

Ocorre que os Procuradores Federais da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS em Maceió/AL e prepostos do INSS têm sido compelidos a celebrar acordos judiciais em condições que ferem de morte os princípios da legalidade e da moralidade, insculpidos no caput do artigo 37 da Carta da República. Além disso, a prática reiterada de atos de intimidação pela magistrada e conciliadores e estagiários da Justiça Federal em audiência não respeita o trabalho técnico e intelectual desenvolvido nas ações judiciais devidamente analisadas e os motivos da recusa da proposta de conciliação, que se fiam, dentre outros objetivos, pela seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços.

Convém esclarecer que é completamente desnecessária a intimidação exercida pelos magistrados do Juizado Especial de Maceió/AL sobre os advogados públicos, eis que, conscientes da economia que proporcionam aos cofres públicos e a celeridade tão ansiada pelo jurisdicionado, realizam acordos sempre que presentes as hipóteses autorizadas pela AGU.

DO PEDIDO

Ante todo o exposto, requer a apuração dos fatos acima narrados, instaurando-se o competente procedimento administrativo disciplinar para aplicação das penalidades cabíveis.

Para demonstração do alegado, requer a produção de todos os meios de prova em direito admitidos.

Nesses Termos,

Pede Deferimento.

Brasília, 1 de novembro de 2007.

Maurício Verdejo G. Júnior

OAB/DF 22.019

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