Atos anti-sindicais

Convenção 98 da OIT não é respeitada por sindicatos no Brasil

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2 de novembro de 2007, 23h00

O presente artigo pretende comentar recente e importante decisão da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que objetiva combater a prática de atos anti-sindicais em um de seus países-membro. Trata-se de recentes recomendações feitas ao Brasil tendo em vista a demissão de dirigentes sindicais e que conduzem a alguns breves apontamentos sobre a necessidade de o Brasil coibir a prática de ato anti-sindical.

Desde a sua criação pelo Tratado de Versalhes em 1919, passando pela Declaração da Filadélfia em 1944, e da sua conversão em organismo especializado da Organização das Nações Unidas (ONU), pelo acordo assinado em 30 de maio de 1946, que disciplinou as relações jurídicas entre as duas entidades, a OIT exerce um papel importante na universalização das normas do trabalho, zelando pela observância de um patamar mínimo e decente na relação entre capital e trabalho.

Dentre os princípios e as normas internacionais do trabalho, encontram-se dois direitos fundamentais sociais que merecem especial atenção da OIT. Trata-se da liberdade sindical, inscrita na sua Convenção 87, aprovada na 31ª Sessão da Conferencia Internacional do Trabalho, em 1948, e a proteção à organização sindical, prevista na Convenção 98, aprovada na 32ª Sessão da Conferencia Internacional do Trabalho, em 1949.

A literatura jurídica assinala que as regras da Convenção 87 destinam-se às relações entre as entidades sindicais e o Estado na medida em que afasta toda e qualquer possibilidade de ingerência e controle das atividades sindicais. Já a Convenção 98, de seu turno, fixa normas que protegem os trabalhadores e suas organizações sindicais da intervenção patronal, inclusive no que concerne à punição pelo afazer sindical cotidiano: participação nas atividades sindicais. O Brasil ratificou apenas a Convenção 98 (aprovada pelo Decreto Legislativo 49, de 27.8.1952, e publicada pelo Decreto 42.288, de 19.9.1957).

A matéria é de tamanha importância que ambas as convenções integram a Declaração dos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho da OIT, aprovada em 1998[1], e possuem um sistema de controle peculiar, exercido pelo Comitê de Liberdade Sindical. Trata-se de um órgão que foi criado em novembro de 1951, de composição tripartite, com nove membros, e igual numero de suplentes, indicados pelo Conselho de Administração da OIT — três representantes por grupo (governos, empregadores e trabalhadores) e um presidente (independente); detém competência para apreciar queixas sobre liberdade sindical e suas decisões são tomadas por consenso.

O Conselho de Administração da OIT, em sua 299ª Reunião, realizada em junho de 2007, aprovou as recomendações feitas pelo Comitê de Liberdade Sindical em face da representação aviada pelo Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes) pela prática de atos anti-sindicais por alguns estabelecimentos particulares de ensino superior. As determinações ao governo brasileiro integram o 346º Informe do Comitê de Liberdade Sindical e recomendam a adoção de “medidas necessárias para modificar a legislação, a fim de permitir aos trabalhadores a criação de organizações sindicais ao nível de empresa, se assim o desejarem”[2], assim como o “Comitê pede ao governo que tome medidas para que se realize sem demora uma investigação para determinar os motivos e os fatos concretos que provocaram as demissões dos dirigentes sindicais em questão e se for constatado que os mesmos se produziram pelo exercício de atividades sindicais legítimas, tendo em conta o contexto nacional e as circunstâncias específicas deste caso, tome medidas para que sejam reintegrados em seus postos de trabalho”[3].

A primeira recomendação destina-se à aprovação da Convenção 87 e a conseqüente instituição da pluralidade sindical. Especificamente sobre a prática de atos anti-sindicais — conteúdo da segunda recomendação —, fica patente o desconforto e o constrangimento do Brasil pelo fato de até hoje, na segunda metade da primeira década do Século XXI, não dispor de mecanismos concretos e eficazes para coibir práticas que remontam ao início da Revolução Industrial do final do Século XVIII!

Veja-se, a propósito, a seguinte passagem: “no que diz respeito às alegações segundo as quais na legislação nacional não se reconhece a figura de atos anti-sindicais em prejuízo de filiados, não havendo, por conseguinte, nenhum mecanismo de proteção para evitar a discriminação dos trabalhadores por sua filiação a uma organização, o Comitê pede ao governo que tome medidas para que se modifique a legislação para pô-la em conformidade com os princípios da liberdade sindical e que o mantenha informado da evolução legislativa das propostas de reforma sindical a que se refere o governo que inclui esta questão”[4].

É de ressaltar-se que o próprio texto da Convenção 98 — que é norma jurídica vigente no Brasil com status de lei ordinária — assegura aos trabalhadores dos Estados signatários a proteção contra “atos de discriminação com relação ao seu emprego”, especialmente aqueles tendentes “a causar a demissão de um trabalhador ou prejudicá-lo de outra maneira por sua filiação a um sindicato” (art. 1º, § 2º, “b”). Portanto, existe norma jurídica que prevê a prática de atos anti-sindicais. O Brasil permite que, em seu território, haja descumprimento de uma Convenção que espontaneamente foi incorporada ao seu ordenamento jurídico ainda na década de 50 do Século passado.

Apesar de a liberdade sindical haver sido consagrada por todas as organizações internacionais as quais o Brasil integra (Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, art. XIII, parágrafo 4; Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem da Organização dos Estados Americanos, de 1948, art. XXII; os Pactos Internacionais sobre Direitos Civis e Políticos e dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966; a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, art. 16), a realidade das relações sindicais brasileiras apontam para uma sistemática violação desse princípio e direito fundamental, o que leva ao constrangimento de ser “condenado” na OIT.

E mesmo tendo o Brasil ratificado a Convenção 98, esses princípios e normas que alicerçam o Direito do Trabalho continuam a ser desrespeitados em nosso país. Ur ge, por via de conseqüência, que adentremos pela porta da frente no cenário internacional com a aprovação de outras normas que inibam e combatam a prática de atos anti-sindicais e que os empregadores tenham consciência que a Convenção 98 da OIT está plenamente em vigor.


[1] A referida declaração objetiva proporcionar o caminhar paralelo entre o progresso social e o progresso econômico e o desenvolvimento, segundo se extrai de seus considerandos (disponível em: <http://www.oit.org.br/info/download/declarac_port.pdf> acesso em 28 junho de 2007). Trata-se de um instrumento promocional em que os princípios fundamentais consagrados na Constituição da OIT são reafirmados. A Declaração compromete os Estados Membros a respeitar e a promover os princípios e direitos compreendidos em quatro categorias, que disciplinam os seguintes assuntos: a liberdade de associação e a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; a eliminação do trabalho forçado ou obrigatório; a abolição do trabalho infantil; e a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação.

[2] Disponível em < http://www.ilo.org/public/spanish/standards/relm/gb/docs/gb299/pdf/gb-4-1.pdf>, p. 86, acesso em 7 agosto de 2007.

[3] Disponível em <http://www.ilo.org/public/spanish/standards/relm/gb/docs/gb299/pdf/gb-4-1.pdf> p. 87, acesso em 7 agosto de 2007.

[4] Disponível em < http://www.ilo.org/public/spanish/standards/relm/gb/docs/gb299/pdf/gb-4-1.pdf> p. 87, acesso em 7 agosto de 2007.

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