Fora tecnologia

Juízes e defensores são contra a videoconferência como regra

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1 de novembro de 2007, 23h00

Juízes e defensores públicos decidiram engrossar o coro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária na luta contra a videoconferência como regra nos interrogatórios judiciais. A Associação Juízes para a Democracia (AJD) e a Associação dos Defensores Público do Rio de Janeiro também enviaram ofício ao Ministério da Justiça para pedir o veto do projeto de lei que prevê a regra.

De autoria do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), a proposta foi aprovada pelo Congresso Nacional e está agora sob análise do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As entidades pretendem que o ministro da Justiça Tarso Genro (PT-RS) se sensibilize e leve a recomendação de veto a Lula.

Os juízes, em suas argumentações, dizem que a videoconferência fere diversos princípios constitucionais como: devido processo legal, contraditório e a ampla defesa. Fere também o princípio da autodefesa, que segundo Dora Martins, presidente do Conselho Executivo da AJD, pressupõe o direito de presença e de audiência.

“É necessário modernizar a Justiça com o uso de meios tecnológicos para agilizar a prestação jurisdicional, mas não é cabível que, em nome da modernidade, haja supressão de direitos fundamentais”, defende Dora.

De acordo com o ofício, os tratados internacionais ratificados pelo Brasil não contém a possibilidade de videoconferência e, quando a contemplam, são de aplicação excepcional, como nas convenções de Palermo e Mérida.

Denis de Oliveira Praça, presidente da entidade de defensores públicos, ressalta que o sistema impossibilitará que o juiz tenha sua impressão pessoal da situação, “que tantas vezes tem sido determinante para a realização da Justiça”.

A principal preocupação da classe é em relação a sua atuação. “Onde ficariam os defensores públicos quando da realização da videoconferência? No estabelecimento prisional, ao lado do acusado e impossibilitado de exercer a necessária fiscalização do ato processual? Ou na sede do juízo, ao lado dos demais sujeitos processuais e impossibilitado de obter de pronto as informações indispensáveis ao exercício do contraditório e da ampla defesa, que somente o acusado pode transmitir?”

No Supremo

Em agosto deste ano, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu, por unanimidade, que o interrogatório por videoconferência viola os princípios constitucionais do devido processo legal e ampla defesa. “Quando se impede o regular exercício da autodefesa, por obra da adoção de procedimento sequer previsto em lei, tem-se agravada restrição à defesa penal”, afirmou o ministro Cezar Peluso, relator.

Em outra decisão, tomada este ano, a ministra Ellen Gracie entendeu que interrogar um réu por meio de videoconferência não ofende suas garantias constitucionais. Ela negou liminar para Marcos José de Souza, que pedia a anulação do interrogatório feito por esse sistema.

Justificativa

Três dias depois do primeiro ataque em massa do PCC em São Paulo, em que ao menos 14 pessoas foram assassinadas (entre elas, policiais), o senador Tasso Jereissati apresentou o projeto de lei. Segundo ele, os ataques a instituições públicas e privadas se deram justamente no percurso do transporte de presos para interrogatórios.

A versão do parlamentar para os fatos não coincide com a versão mais divulgada na ocasião — a de que a onda de violência começou horas após a transferência de líderes do grupo para uma unidade em Presidente Venceslau (620 km a oeste de São Paulo) e para a sede do Deic (Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado), da Polícia Civil, em Santana (zona norte de São Paulo).

Para o senador, “a disposição atual do CPP esconde manifesto risco contra a vida de nossos magistrados”. Ressalta ainda os gastos do Estado com o transporte dos presos. Em São Paulo, de acordo com Jereissati, cada escolta custa R$ 2,5 mil. “Com o sistema de videoconferência, estar-se-ia economizando algo em torno de R$ 17,5 milhões por semana, se considerarmos um preso por escolta.”

Leia o ofício da Associação Juízes para a Democracia

São Paulo, 31 de Outubro de 2007

Excelentíssimo Senhor Presidente,

Ref.: Projeto de Lei nº 7.227-B, de 2006

A Associação Juízes para a Democracia, entidade de âmbito nacional, sem fins lucrativos ou corporativos, que tem dentre os seus objetivos estatutários o respeito absoluto e incondicional aos valores jurídicos próprios do Estado Democrático de Direito, a promoção da conscientização crescente da função judicante como proteção efetiva dos direitos do Homem, individual e coletivamente considerado, com a concepção da Justiça considerada como autêntico serviço público, que deve responder ao princípio da transparência e permitir ao cidadão o controle de seu funcionamento vem à presença de Vossa Excelência, requerer o veto do projeto de lei 7227-b, de 2006, mantendo-se a atual redação do Código de Processo Penal, que já permite a realização de atos processuais em sala anexa às unidades penais, para casos excepcionais.

A Associação Juizes para a Democracia, junto com a AASP (Associação dos Advogados de São Paulo), o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, a OAB/SP, o IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), a APESP (Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo), o Sindiproesp (Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo) e o IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa) manifestaram-se, conjuntamente, em 2002, sobre o tema do uso de meios tecnológicos para realização de audiências e apresentaram reflexões sobre os graves problemas e as conseqüências danosas da videoconferência para o sistema de Justiça Penal, cuja íntegra encontra-se na publicação do jornal da primeira entidade, de número 29.

O Órgão Federal incumbido de propor as diretrizes de política criminal quanto à prevenção do delito e administração da justiça criminal, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, repudiou o projeto, em setembro de 2002, conforme resolução de número 05, o que foi reiterado no mês em curso, com recomendação de veto integral ao referido Projeto de Lei.

Recentemente a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, de forma unânime, decidiu pela inconstitucionalidade da realização de audiência através de videoconferência.

O sistema da videoconferência aplicado como regra geral em qualquer processo, fere princípios constitucionais, como o do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, que inclui a autodefesa, o qual pressupõe o direito de presença e de audiência. É necessário modernizar a justiça com o uso de meios tecnológicos para agilizar a prestação jurisdicional, mas não é cabível que, em nome da modernidade, haja supressão de direitos fundamentais.

Os tratados internacionais ratificados pelo Brasil determinam a apresentação do preso, em prazo razoável, diante do juiz para ser ouvido, com as devidas garantias. Não se trata de presença ficta, mas real. Os tratados de ordem regional dos quais o Brasil é signatário, não contemplam a possibilidade de videoconferência, e as hipóteses permissivas de videoconferência, no sistema global, são de aplicação excepcional, como se vê nas convenções de Palermo e de Mérida; a primeira referente ao crime organizado transnacional, e a segunda, à corrupção, notadamente de funcionários com cargos no Legislativo, no Executivo ou no Judiciário, e sempre cercadas de garantias, observando-se o caráter de aplicação restritíssima.

Certos da sensibilidade de Vossa Excelência no trato dos temas que envolvem a questão de segurança pública como direito fundamental e, na certeza que o projeto fere os objetivos do “Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania” aguardamos, respeitosamente, o veto ao projeto de lei 7227-b para que os processos criminais tenham o seu regular andamento. Lembrando, por fim, que essa regularidade processual não se faria possível com o regramento estabelecido no projeto em referência, pois fatalmente, teríamos processos anulados, réus que estivessem presos teriam que ser soltos, prazos prescricionais seriam afetados, e, principalmente, direitos fundamentais seriam vulnerados, o que só pode vir a gerar maior insegurança a todo e qualquer cidadão brasileiro.

É premente que se evite danos maiores ao sistema de justiça e segurança.

São estas as razões para nos dirigirmos a Vossa Excelência e apresentarmos este pleito, aproveitando a oportunidade para reiterar protestos de elevada estima e distinta consideração.

Dora Martins

Presidente do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia

Excelentíssimo Senhor

Luiz Inácio Lula da Silva

Presidente da República Federativa do Brasil

Leia o ofício da Associação dos Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro, 01 de novembro de 2007.

Ofício nº0482/2007

ADPERJ

Excelentíssimo Senhor Ministro da Justiça,

Temos a honra de nos dirigir a Vossa Excelência para cumprimentá-lo e manifestar preocupação com Projeto Lei 132/2006, que tem como escopo de realizar atos processuais mediante a utilização do sistema de videoconferência.

Vale ressaltar que os mais respeitados autores do Direito Processual Penal colocam-se contra a adoção do mecanismo, expondo relevantes argumentos de ordem constitucional para sustentar a posição defendida, conforme não se cansa de noticiar o boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim). Não bastasse, diversas entidades dedicadas à defesa dos Direitos Humanos criticam duramente a intenção de utilização da videoconferência na realização de atos processuais.

Ademais, questão de especial interesse institucional para os Defensores Públicos merece ponderação. Onde ficariam os Defensores Públicos quando da realização da videoconferência? No estabelecimento prisional, ao lado do acusado e impossibilitado de exercer a necessária fiscalização do ato processual? Ou na sede do Juízo, ao lado dos demais sujeitos processuais e impossibilitado de obter de pronto as informações indispensáveis ao exercício do contraditório e da ampla defesa, que somente o acusado pode transmitir?

Frise-se, ainda, que a adoção do sistema impossibilitará que o próprio Magistrado extraia do ato processual sua impressão pessoal, que tantas vezes tem sido determinante para a realização da Justiça.

Sabemos que diversos atos processuais estão diariamente sendo adiados por conta da carência estrutural do Estado, que muitas vezes não dispõe de recursos materiais para realizar o indispensável transporte dos cidadãos detidos. Todavia, a solução do problema não pode ser encontrada suprimindo-se direitos processuais conquistados após séculos de caminhada histórica da humanidade. O ordenamento jurídico já contém dispositivo que faria desaparecer o problema, eis que permite a ida dos sujeitos processuais (todos) ao estabelecimento prisional em que se encontra o acusado para a realização do ato processual (art. 185, parágrafo 1.º do CPP).

Assim, a Associação dos Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro (ADPERJ) se coloca à disposição de Vossa Excelência para debater o tema.

Os Defensores Públicos fluminenses estão certos de que a questão será objeto de muita reflexão por parte de Vossa Excelência, que não medirá esforços para manter intactos os direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros.

No ensejo, renovo protestos de elevada estima e distinta consideração.

Atenciosamente,

Denis de Oliveira Praça

Presidente

Excelentíssimo Senhor

Doutor Tarso Genro

Digníssimo Ministro da Justiça

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