Direito natural

Fuga não justifica prisão preventiva, reafirma Marco Aurélio

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1 de novembro de 2007, 12h12

O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, defendeu novamente nesta quarta-feira (31/10) a fuga como um direito natural do homem, afirmando que aquele que se sente alvo de um ato ilegal tem o direito de resistir. “A fuga é um direito natural do homem e este tem o direito de não se submeter às condições subumanas de nossos estabelecimentos penitenciários, de nossas delegacias”, afirmou o ministro em julgamento no STF que confirmou a prisão preventiva do ex-banqueiro Salvatore Cacciola.

Vencido em suas convicções e formação humanística — o veredicto foi confirmado por nove votos a um — o ministro argumentou que o ex-banqueiro não tinha condenação transitada em julgado (definitiva) e que o fato de ter fugido do país não justifica a manutenção da prisão preventiva. Cacciola fugiu do Brasil em 2000, depois de beneficiado por um Habeas Corpus concedido pelo próprio ministro. Depois de sete anos foragido, ele foi preso no Principado de Mônaco no dia 15 de setembro deste ano.

“Não basta a fuga para ter-se a prisão como necessária, prisão preventiva que é sempre excepcional. Há de se aguardar, portanto, a formação da culpa, para depois se imaginar aí o cumprimento da pena, sendo enclausurado o condenado”, afirmou o ministro, em sentido contrário dos colegas. Os nove votos que mantiveram a prisão do ex-banqueiro entenderam que a manutenção da prisão é necessária para garantir a aplicação da legislação penal brasileira e manter a ordem pública.

Cacciola foi condenado em 2005, a 13 anos de prisão, por desvio de dinheiro público e gestão fraudulenta. Ele é acusado de ter se beneficiado de informações sigilosas sobre a desvalorização do real em relação ao dólar, em 1999, quando era dono do Banco Marka. Segundo a acusação, o golpe gerou um prejuízo de US$ 1,5 bilhão aos cofres públicos.

Marco Aurélio continua convencido do acerto de sua decisão em 2000. Ele defendeu novamente, como naquela ocasião, a necessidade de se aguardar a formação da culpa depois do acusado ter exercido, em toda a plenitude, o direito de defesa. Segundo o ministro, a prova material da existência dos crimes descritos na denúncia e indícios suficientes da autoria não são capazes de, por si sós, levarem à “extravagante prisão preventiva”, sob pena de executar pena ainda não imposta. “Continuo convencido do acerto dessa decisão e, se proclamo que a fuga por si só não conduz à preventiva, devo reafirmar a ótica”, disse.

A imprensa costumeiramente, também condena antecipadamente, na opinião do ministro. A imprensa tem acusado sem apurar, lembra o ministro, citando artigo de autoria do conselheiro Joaquim Falcão, do Conselho Nacional de Justiça, publicado recentemente no jornal O Globo.

“Ser o que não se é, é errado. Imprensa não é justiça. Esta relação é um remendo. Um desvio institucional. Jornal não é fórum. Repórter não é juiz. Nem editor é desembargador. E quando, por acaso, acreditam ser, transformam a dignidade da informação na arrogância da autoridade que não têm. Não raramente, hoje, alguns jornais, ao divulgarem a denúncia alheia, acusam sem apurar. Processam sem ouvir. Colocam o réu, sem defesa, na prisão da opinião pública. Enfim, condenam sem julgar”, citou o ministro.

O ministro lembrou que foi mal interpretado quando defendeu o direito de fuga conversando com jornalistas sobre a prisão de Cacciola na Place du Casino, região nobre de Monte Carlo, em Mônaco. Marco Aurélio fez questão de ressaltar a diferença entre o direito posto e o direito natural e evitar novas interpretações avessas. “É difícil realmente para o leigo compreender o que é direito posto e o que é direito natural. Mas, para aqueles que são letrados, a compreensão salta aos olhos. Direito posto está em uma norma aprovada pelo Legislativo, enquanto o direito natural é inerente a uma vida civilizada, ao próprio ser humano”.

Marco Aurélio mostrou mais uma vez que, depois de 17 anos como integrante da mais alta Corte de Justiça do país, não perde a característica de questionar o senso comum. “Para mim pouco importa se a bandeira é popular ou não. Enquanto juiz, investido dessa missão sublime, a missão de julgar, atuarei sempre de acordo com a minha ciência, presente o Direito, e, acima de tudo, de acordo com a minha formação humanística”, concluiu o ministro.

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