Sentença executada

Dispensa de multa na execução é estímulo a recurso protelatório

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1 de novembro de 2007, 14h41

Tem suscitado dúvidas a interpretação do artigo 475-J do Código de Processo Civil, acrescentado pela Lei 11.232/2005, a respeito da iniciativa da execução, do termo inicial do prazo de quinze dias para o pagamento e do cabimento da multa na execução provisória.

A resposta a tais indagações não pode ser obtida através da simples interpretação gramatical daquele dispositivo legal, considerado de maneira isolada.

É necessário lançar mão da interpretação sistemática, isto é, a descoberta da mens legis deve ser pesquisada em conexão com as demais normas do estatuto processual civil e do sistema jurídico em geral.

Da iniciativa da execução

Sustentamos o entendimento de que a execução de sentença condenatória, quer definitiva, quer provisória, é de iniciativa do credor, que deve requerer o cumprimento da sentença e instruir o pedido com a memória discriminada e atualizada do débito, na forma do artigo 475-B c.c. o artigo 475-J do CPC.

Nesse ponto, o cumprimento da sentença da sentença guarda simetria com a execução de título extrajudicial, na qual cumpre ao credor requerer a execução e instruir o pedido com o demonstrativo atualizado do débito, quando se tratar de execução por quantia certa, nos termos do artigo 614, II, do CPC.

No sentido, é o entendimento do professor Paulo Henrique dos Santos Lucon:

“O requerimento feito pelo exeqüente é elemento essencial para a instauração da fase executiva. Dele deve sempre constar a memória de cálculo com a multa relativa aos 10% (dez por cento) do valor do crédito, cujo intento é de, precipuamente, estimular o adimplemento espontâneo da obrigação. O cálculo atualizando o valor do débito até aquele momento é elemento indispensável ao requerimento, sob pena de indeferimento, se evidentemente a hipótese não se enquadrar naquelas situações em que o juiz pode (I) determinar o envio dos autos ao contador (p. ex., hipossuficiência do exeqüente, beneficiário de assistência judiciária, erro material constatável de plano) ou (II) exigir do devedor ou de terceiros elementos indispensáveis para a elaboração do cálculo.”

(Artigo “Multa de 10% (dez por cento) na Lei nº 11.232/05”, Panóptica, ano 1, nº 07, mar-abr/2007, extraído do site Panoptica.org).

Termo inicial do prazo de quinze dias do artigo 475-J

Faz-se necessária a intimação pessoal do devedor, por carta ou por mandado, nos termos dos artigos. 238 e 239 do estatuto processual civil. Somente a intimação do advogado é feita por publicação na imprensa oficial, consoante o artigo 236 do mesmo diploma legal.

O advogado é indispensável à administração da justiça, segundo o artigo 133 da Constituição Federal. Somente o advogado tem capacidade postulatória para a prática de atos processuais em nome da parte que representa, conforme os artigos. 36 e 38 do CPC.


Embora efetuado em processo, o pagamento é um ato de direito material, regulado pelo artigo 304 e seguintes do Código Civil. É ato jurídico stricto sensu, cujo efeito é a extinção da obrigação imposta na sentença condenatória.

Como ato jurídico de direito material, o pagamento só pode ser exigido da parte, a ser intimada pessoalmente. Não pode ser cobrado do advogado, intimado pela imprensa oficial, por não se tratar de ato processual que dependa de capacidade postulatória.

Os professores Luiz Wambier, Teresa Wambier e José Miguel Medina comungam do mesmo entendimento, a saber:

“A intimação para o cumprimento da sentença deve se dar na pessoa do devedor, e não deve ser feita através de seu advogado.

(…)

Segundo pensamos, é necessário distinguir os atos processuais que exigem capacidade postulatória dos atos materiais de cumprimento da obrigação.

(…)

O cumprimento da obrigação não é ato cuja realização dependa de advogado, mas é ato da parte. Ou seja, o ato de cumprimento ou descumprimento do dever jurídico é algo que somente será exigido da parte, e não de seu advogado, salvo se houver exceção expressa a respeito, o que inexiste no art. 475-J, caput, do CPC.”

(Artigo “Sobre a necessidade de intimação pessoal do réu para o cumprimento da sentença, no caso do art. 475-J do CPC – inserido pela Lei 11.232/2005”, Panóptica, ano 1, nº 01, extraído do site Panoptica.org).

Em casos semelhantes, como na execução de despejo, o prazo para a desocupação do imóvel é contado da intimação pessoal da parte (Lei 8.245 de 18.10.91, artigo 65, caput).

Também na execução do crédito hipotecário vinculado ao Sistema Financeiro da Habitação, o prazo para a desocupação do imóvel conta-se da intimação pessoal do executado (Lei 5.741 de 01.12.71, artigo 4º, § 2º).

De igual modo, para o cumprimento da sentença proferida em ações fundadas no artigo 461 do CPC, a jurisprudência tem entendido pela necessidade de intimação pessoal da parte, conforme julgado proferido pelo Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. FGTS. EXECUÇÃO DE SENTENÇA POR OBRIGAÇÃO DE FAZER. FGTS. ART. 461 DO CPC. DESNECESSIDADE DE CITAÇÃO DO DEVEDOR. SENTENÇA DE CARÁTER MANDAMENTAL.

1. Os artigos 461 e 632 do CPC, trouxeram à lume no ordenamento processual, de forma expressa, as sentenças auto-executáveis e mandamentais nas condenações de fazer e não fazer, de sorte que não há necessidade de citação do executado na exigibilidade judicial dessas pretensões.


2. Isto por que é cediço na doutrina que: "(…) com o advento do art. 461 do CPC tornou-se inútil o procedimento traçado para essas obrigações (de fazer e de não-fazer), uma vez que a condenação nessas prestações passou a ser considerada auto-executável, quando oriundas de sentença, isto é, realizável na própria relação de cognição donde proveio o comando condenatório.

Em conseqüência de nenhuma valia o recurso ao processo executivo desconcentrado nas hipóteses em que a parte pode promover simpliciter et de plano a satisfação do julgado. Nesse sentido é que a reforma de 2002 fez inserir uma nova redação ao art. 644 ao dispor: "a sentença relativa a obrigação de fazer ou não fazer cumpre-se de acordo com o art. 461, observando-se, subsidiariamente, o disposto neste Capítulo" (NR).

Ressalta evidente que o procedimento nestas espécies de obrigações varia conforme o fazer comporte prestação fungível, isto é, realizável por terceiro que não o devedor, ou infungível, em que somente o executado pode cumpri-las, inadmitindo meios de sub-rogação. (Luiz Fux. in: Curso de Direito Processual Civil, 2ª Edição, Editora Forense, p. 1373, 1374. Grifos nossos).

(…)

Com o art. 461, não se exige mais a citação do executado na execução de sentença civil condenatória que imponha o cumprimento de obrigação de fazer e não fazer. Tal circunstância afasta a aplicação do art. 632, que faz referência expressa à citação, já que a execução se processa sem intervalo (fase executiva, sem a citação do executado e sem a possibilidade de oposição de embargos do executado).

Não havendo nova citação, nesses casos, não se forma um processo de execução de título judicial fundado em sentença civil condenatória de obrigação de fazer e não fazer." (Paulo Henrique dos Santos Lucon. in: Código de Processo Civil Interpretado, 1ª Edição, Editora Atlas, p. 1870/1871. Grifos nossos).

3. In casu, a execução lato sensu se realiza sem intervalo, tendo em vista a força mandamental da sentença que condenou a CEF à obrigação de atualizar as contas vinculadas ao FGTS com os índices de correção monetária.

4. Nada obstante, o cumprimento da sentença pressupõe ordem para fazer, o que arrasta a necessidade de comunicação in faciem, insubstituível pela publicação no diário oficial. É que na forma dos artigos 234 e 238 do CPC, as intimações são pessoais quanto ao destinatário, podendo à semelhança do art. 11 da lei do writ, operar-se pelo correio; tanto mais pela própria citação que consubstancia o contraditório, admite esta modalidade que a receptiva de vontade.

5. Deveras, as conseqüências cíveis e penais do descumprimento das decisões mandamentais exigem segurança na comunicação da mesma, tornando imperiosa a necessidade de intimação pessoal.

6. Recurso especial parcialmente provido para determinar a intimação pessoal da Caixa na forma análoga do art. 11, da lei 1533.

(STJ, REsp 692.386/PB, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, julgado em 11.10.2005, DJ 24.10.2005, p. 193).

Ressalte-se que o prazo de quinze dias estabelecido no artigo 475-J começa a fluir da juntada aos autos do comprovante da intimação do devedor, seja por mandado, correio, carta precatória, rogatória ou de ordem, a teor do artigo 241 do Código de Processo Civil.


Natureza da multa

A multa legal de dez por cento tem caráter moratório, podendo ser exigida junto com a obrigação principal, a teor do artigo 411 do Código Civil.

A multa tem duas funções: a) intimidativa, no sentido de convencer o devedor a solver o débito; b) indenizatória, no sentido de reparar o dano causado ao credor pelo retardamento na entrega da prestação.

Do cabimento da multa na execução provisória

Para a incidência da multa moratória, basta que o devedor, intimado, não efetue o pagamento do débito, no prazo de quinze dias. Por conseguinte, são condições objetivas da incidência da multa a exigibilidade do crédito, a intimação do devedor e a demora na realização do pagamento, condições essas que podem reunir-se na execução provisória.

Com efeito, a execução provisória da sentença é feita, no que couber, do mesmo modo que a definitiva, nos termos do artigo 475-O do CPC. O risco de promovê-la é do credor, obrigado à reparação de danos, se a sentença vier a ser reformada, dependendo o levantamento de depósito em dinheiro de caução arbitrada pelo juiz (art. 475-O, I e III).

No mesmo sentido tem se pronunciado a doutrina, como se verifica do ensinamento do professor Paulo Henrique dos Santos Lucon, a saber:

“Uma questão que certamente surgirá é a seguinte: a multa de 10% (dez por cento) incide em execução provisória ou apenas em execução definitiva do título judicial (ou seja, somente após o trânsito em julgado)?

Algumas premissas e conceitos devem ser considerados:

A execução provisória integra a chamada tutela jurisdicional diferenciada, pois nada mais é que “a antecipação da eficácia executiva ou da atuação da sentença ou de outros provimentos judiciais, de acordo com o momento e o grau de maturidade que a lei considera como sendo normal.”

Incentivar a tutela jurisdicional diferenciada faz parte de uma diretiva maior, político-legislativa, de combater os males da duração excessiva do processo. A celeridade vem se sobrepondo sobre a segurança jurídica;

A exigibilidade da obrigação constante do título, na execução provisória, é ditada pela lei, que todos devem presumidamente conhecer.

Em relação aos atos executivos, não há diferença entre execução provisória e definitiva, já que ambas têm por escopo propiciar a satisfação. A execução provisória brasileira não é mais uma irmã gêmea do arresto, apenas antecipando certos atos executivos; seu objetivo é a satisfação do exeqüente;


A execução provisória corre por conta e risco do exeqüente e a responsabilidade pelos atos executivos praticados é objetiva;

Portanto, a multa de 10% (dez por cento) é exigível em execução provisória ou definitiva.

Isso porque, no momento em que a obrigação líquida e certa se tornar exigível, em execução provisória ou definitiva, deseja o legislador que o executado espontaneamente a cumpra. Esse sonho certamente não se realizará, dadas as peculiaridades do sistema processual, permeado por recursos, e da cultura de inadimplência brasileira.”

(Artigo “Multa de 10% (dez por cento) na Lei nº 11.232/05”, Panóptica, ano 1, nº 07, mar-abr/2007, extraído do site Panoptica.org)

Temos ainda a lição de Athos Gusmão Carneiro:

“O prazo transcorre a partir do momento em que a decisão jurisdicional reúne eficácia suficiente para autorizar a execução do julgado, mesmo quando a hipótese comportar apenas a execução provisória”.

(in Cumprimento da Sentença Civil, Editora Forense, 2007, p. 53).

Tal entendimento tem se firmado também na jurisprudência predominante do Tribunal de Justiça de São Paulo, a saber:

SENTENÇA – Cumprimento – Aplicação da multa de 10% estabelecida no artigo 475-J do Código de Processo Civil em execução provisória – Possibilidade – Sentença proferida no processo civil de pagar quantia é título executivo judicial – Artigo 475-N, I, do Código de Processo Civil – Decisão na fase de liquidação – Interposição de recurso desprovido de efeito suspensivo não afasta as características do título, apenas trazendo reflexos em seu cumprimento – Necessidade de que a execução seja iniciada pelo credor, por sua conta e responsabilidade – Executado que deverá efetuar o depósito do valor da condenação no prazo de 15 dias a contar da intimação para não sofrer a incidência da referida multa – Natureza coercitiva – Levantamento da quantia depositada dependerá da caução idônea ou de decisão fundamentada que a dispense – Aplicação do artigo 475-O, incisos e parágrafos – Decisão mantida – Recurso improvido (TJSP – Agravo de Instrumento n. 504.768-4/3-00 – São Paulo – 5ª Câmara de Direito Privado – Relator: Oscarlino Moeller – 23.05.07 – V.U. – Voto n. 16516).

SENTENÇA – Cumprimento – Aplicação da multa de 10% estabelecida no artigo 475-J do CPC em execução provisória – Possibilidade – Segundo as novas regras para o cumprimento da sentença líquida ou liquidada, não há distinção no procedimento da execução provisória ou definitiva – Recurso não provido. (TJSP – Agravo de instrumento n. 516.722-4/7-00 – Sorocaba – 7ª Câmara de Direito Privado – Relator: Luiz Antonio Costa – 22.08.07 – V.U. – Voto n. 07/1.219).

Conclusões

A interpretação sistemática dos dispositivos legais mencionados leva às seguintes conclusões: a) o cumprimento da sentença dá-se por iniciativa do credor, seja a execução definitiva ou provisória; b) o prazo de quinze dias para o pagamento conta-se da juntada aos autos do comprovante da intimação pessoal do devedor; c) a multa moratória é compatível com a execução provisória, tendo em vista a natureza e a finalidade de ambos os institutos.

Dispensar a multa moratória na execução provisória é um estímulo à interposição de recursos protelatórios, com o propósito de evitar a sua incidência e postergar o cumprimento da obrigação. É frustrar o propósito da reforma processual, de conferir efetividade à sentença condenatória.

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