Empresa judicial

Aprenda com Henry Ford, a Justiça e a regra de três

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31 de março de 2007, 0h00

Henry Ford é admirado por muitas pessoas por ter, supostamente, inventado o motor a combustão interna. Não inventou. Mas, além do salário de US$ 5 por semana, enorme na época, e que permitiu que seus operários comprassem o próprio produto que fabricavam, o inteligente industrial americano inventou talvez coisa muito mais significativa, que permitiu que milhões em todo mundo tivessem acesso a um bem que, por suas características, antes de sua invenção, só era possível a um reduzidíssimo número de pessoas, integrantes da plutocracia de então.

O que Henry Ford fez de criativo — e que lhe rende até hoje homenagens mundo afora — foi inventar a linha de montagem, sistema que se espalhou pelos países produtores e de onde saem, por hora, milhares de automóveis no planeta, equipados com o motor a combustão interna, inventado por Otto.

Assim, para produzir X automóveis, de forma rápida e eficiente, coloca-se no mínimo Y operários, trabalhando Z horas por dia, em uma linha de montagem.

Aliás, não só automóveis: o conceito de uma esteira móvel, com operários postados, cada qual em um único lugar, e cada um montando uma determinada peça do mecanismo, saindo, ao final, o objeto totalmente montado e funcionando para ser distribuído ao consumidor final, é aplicado hoje em qualquer produto industrializado que guarnece nossas casas e empresas, desde um barbeador descartável até um avião a jato.

Tal conceito é aplicável não só à fabricação de produtos, mas mesmo ao andamento de uma organização, uma empresa agrícola ou um jornal: o repórter colhe a notícia, o redator a transforma em palavras, o diagramador a coloca em páginas e a rotativa imprime o noticiário, que é encaminhado ao distribuidor e finalmente chega às mãos do consumidor pelos postos de distribuição.

O funcionamento da Justiça é, também, calcado em tempos e momentos, e não difere de uma grande empresa. Na verdade, pelo menos não deveria diferir.

Mas, no Brasil, enquanto os empresários de pronto assimilaram o conceito de linha de montagem, que une rapidez, organização e eficiência, o legislador manteve-se distante e propenso a criações mirabolantes, alheio à realidade e omisso dos problemas do dia-a-dia da Justiça.

Assim é que, quando pensa em agilizar a prestação jurisdicional, a idéia recorrente é reunir em uma só audiência todos os atos que nela devem ocorrer. No procedimento sumário do artigo 277/278 do CPC, lá está a concentração de todos os atos processuais em uma única audiência, ou no máximo em duas; o mesmo se diga do artigo 33 da Lei 9.099/95, que criou os juizados especiais, já um grande avanço legal, mas não ainda o suficiente; no artigo 57 da Lei 11.343/06 (tóxicos); no projeto de Lei 4.203/01, com novo rito para o tribunal do júri, lá está, no artigo 411, a concentração de atos em uma só audiência, com contraditório antecipado (ouve-se o réu ao final).

Ora, pretender que em uma só audiência se resolva lide na qual possam ser arroladas três testemunhas para cada parte, mais depoimentos orais de, pelo menos, duas partes, mais “debates orais” e finalmente sentença (281, CPC) é desconhecer que hoje em dia no país a vara judicial que tem 4 mil processos tem pouquíssimos.

Faça-se a conta, por exemplo, em um processo de indenização em acidente de trânsito. Em média, são 15 minutos para cada testemunha entrar, sentar, ser qualificada, prestar depoimento respondendo às perguntas do juiz, das partes e, por vezes, do Ministério Público, tudo transcrito, porque mesmo depoimentos orais em caso de recurso, isto é, sempre, devem ser transcritos. Temos que 15 vezes oito (o número de testemunhas atualmente admitidas no sumário por aplicação analógica do artigo 34 da LJE é de três para cada parte, mais os depoimentos pessoais de pelo menos duas delas) somam 120 minutos, que divididos por 60 viram duas horas.

Duas horas inteirinhas para realizar só a prova oral, fora as tentativas de conciliação e a sentença. E isto com a agravante de que, se faltar uma testemunha do autor, não se poderá ouvir as do réu (artigo 452, III do CPC).

Temos então que, se tudo correr a contento, uma simples audiência de instrução em acidente de trânsito pelo rito sumaríssimo da LJE, normalmente, gasta pelo menos três horas para ser levada a cabo.

Ainda que se fizessem audiências durante oito horas diárias, apenas duas audiências e meia poderiam ser efetuadas. Cinco dias úteis por semana poderiam ser realizadas 12 e meia. Por mês, 50 audiências; por ano, na melhor das hipóteses, 500 audiências ou processos.

Leve-se em conta, por fim, a necessidade de o juiz despachar feitos, (em média de 80 diários, em comarca inicial) considerar pedidos intermediários, dirigir os demais procedimentos, atender a Justiça Eleitoral, resolver incidentes, administrar o fórum, atender partes e advogados, comer, dormir, respirar e se terá a nítida visão da flagrante impossibilidade pretendida pelo legislador!

Muito mais óbvio, prático, efetivo, é realizar várias audiências por dia, para promover os atos que podem ser efetuados sem prejuízo às partes, em autêntica linha de montagem que, ao final, resultará em uma sentença bem montada e sem os defeitos da pressa excessiva. Só assim se pode conduzir 4,4 mil processos de uma vara de entrância inicial, onde o magistrado é “pau para toda obra”, com um mínimo de eficiência.

E o que tem a ver a regra de três no título do artigo? É fácil: para obter-se uma determinada quantidade de produtos fabricados, é necessário número proporcional de trabalhadores. Assim, é só substituir as palavras “automóveis” e “operários” da fórmula do 3º parágrafo deste artigo por “processos” e “juízes”, para se obter solução para a aspiração da tão sonhada justiça rápida e eficiente.

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