Conversa fiada

Imprensa não consegue auxiliar o cidadão na Democracia

Autor

  • Erik F. Gramstrup

    é juiz federal titular da 6ª Vara de Execuções Fiscais da Justiça Federal de São Paulo e presidente da Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul (Ajufesp).

30 de março de 2007, 0h00

Nos últimos dias, nossa burocrática imprensa tem noticiado a suposta história de como o Poder Executivo Federal “bloqueou” ou “cortou” cerca de 25% do orçamento dos Poderes Legislativo, Judiciário e Ministério Público da União. De um modo geral, as matérias dão destaque ao ineditismo do fato e o relacionam com a Lei de Responsabilidade Fiscal, que teria autorizado o Executivo a fazer tais “bloqueios” ou “cortes”, quando a receita fosse inferior à inicialmente estimada no orçamento.

O leitor deve estar-se perguntando por que teria eu iniciado o artigo brindando nossos laboriosos jornalistas com a pecha de burocratas. Explico desde já: em mais este episódio, como se tem tornado enfadonhamente comum, eles limitam-se a copiar narrativas que não entendem, sem o menor espírito crítico e, para dizer a verdade, sequer sabendo reproduzi-las corretamente.

Ao ler as matérias – eu ainda me dou ao luxo de ler jornais, apesar da imensa quantidade de bobagens, exageros, fuxicos e erros que contêm – percebi que a ênfase estava no fato de que os Poderes e o Ministério Público da União teriam sofrido um “corte” inaudito na execução de seus orçamentos, por ato do Poder Executivo, com fundamento, como já disse, na Lei de Responsabilidade Fiscal (Alguns jornais acrescentaram que essa lei é de 2000! Que grande novidade!). Achei logo tudo isso muito estranho, porque essa faculdade de bloquear (no jargão, contingenciar) as despesas de outros Poderes havia sido suspensa pelo Supremo Tribunal Federal. Quando abri os jornais – sim, paciente leitor, eu ainda perco tempo com isso – senti um frio na espinha: será que o Executivo estaria, pura e simplesmente, desobedecendo a liminar concedida pelo STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.238?

Nessa ação, o Supremo deferiu medida cautelar para suspender a eficácia do artigo 9º, par 3º. da LRF. E o que diz esse artigo 9º, par 3º? Justamente o assunto que nos ocupa – literalmente, “no caso de os Poderes Legislativo e Judiciário e o Ministério Público não promoverem a limitação no prazo estabelecido no caput, é o Poder Executivo autorizado a limitar os valores financeiros segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias.”

Só que esse parágrafo está com sua eficácia sustada e, portanto, as reportagens me apavoraram – estaria o Executivo criando uma crise institucional sem precedentes, sabotando de modo ilegal a execução do orçamento dos outros Poderes e, de quebra, do MP? É o que os jornais permitiriam concluir (embora não se tenham preocupado com esse “pequeno” detalhe), caso o leitor conhecesse um pouco o assunto. Mas não se tratava, felizmente, de nada disso.

Descobri, afinal de contas e apesar de nossos jornais, que a manobra “chavista” (foi essa a associação que me ocorreu), na realidade, jamais aconteceu. O Executivo não havia “bloqueado” coisíssima nenhuma, até porque não tem essa atribuição, enquanto o artigo 9º, par 3º, da LRF, permanecer suspenso. Ele simplesmente (mais exatamente, o Ministério do Planejamento) encaminhou à Comissão Mista de Orçamento do Congresso, aos demais Poderes e ao MPU um relatório. A saber, o relatório de avaliação fiscal do primeiro bimestre.

A parcela verdadeira das matérias publicadas pela grande imprensa começava aí. Esse relatório, em resumo, aponta que a reestimativa de receita (para menos) indica a necessidade de os Três Poderes e o Ministério Público limitarem suas despesas (de novo no jargão, “limitarem os empenhos”). A maldade da história está no fato de que a receita (reestimada) menor, admite o próprio texto, decorre de certas medidas do plano de aceleração do crescimento, o PAC.

Que ironia. O Estado quer investir, bancar o empresário e, como conseqüência, suas atividades próprias e essenciais (legislação, justiça etc) têm de parar. Não questionar isso também faz parte da ausência de espírito crítico de que estou me queixando (os jornais apenas mencionaram que os “bloqueados” estavam enrascados).

Só que esse caos não foi provocado por “bloqueio”, nem “corte”, nenhum, pelo menos da espécie noticiada pelos jornalistas-burocratas que, na maior parte das vezes, copiaram de forma precipitada uma nota técnica divulgada pelo website do Ministério do Planejamento. Se tivessem lido a chamada para essa nota técnica com mais atenção, teriam percebido – caso se dessem ao trabalho de ser verdadeiros profissionais da informação – que o Executivo estava “propondo” aos demais Poderes (e ao MPU) o corte (porque são estes que terão de fazê-lo, mas não por ordem de outro Poder).

Em resumo: não aconteceu nenhum “bloqueio” promovido pelo Poder Executivo. O que houve foi uma comunicação de certos fatos, para que o Legislativo, o Judiciário e o Ministério Público façam seus ajustes, “por ato próprio”, como manda a lei (artigo 9º da Lei de Responsabilidade Fiscal; artigo 77, par 3º da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2007). O problema é que nossa imprensa mal sabe copiar; e, portanto, não consegue auxiliar o cidadão de uma Democracia no exercício de uma liberdade bem informada e consciente. Tornarei a este assunto em outras ocasiões.

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    é juiz federal titular da 6ª Vara de Execuções Fiscais da Justiça Federal de São Paulo e presidente da Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul (Ajufesp).

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