Fisco retroativo

É inadmissível aplicar lei posterior a fatos passados

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29 de março de 2007, 0h01

Visando a alterar a disciplina jurídica da proteção às informações bancárias, a Lei Complementar 105/01 e a Lei 10.174/01 autorizaram a quebra do sigilo de contas de depósitos e aplicações financeiras dos contribuintes mediante a simples existência de processo ou procedimento administrativo fiscal. Também concederam à Secretaria da Receita Federal o direito de utilizar informações da CPMF para instaurar procedimento administrativo que objetive verificar a existência de crédito tributário relativo a impostos e contribuições.

Tais preceitos, porém, contrariam o direito à inviolabilidade da vida privada e dos dados particulares, menosprezando que só ao Poder Judiciário compete examinar as situações em que — para garantir o cumprimento da lei — sejam necessárias atitudes que invadam a privacidade do contribuinte. O Judiciário é o único órgão do Estado autorizado a avaliar os valores constitucionais da privacidade dos dados e do interesse público, reconhecendo ou não a existência concreta de fatos que, momentaneamente, permitam afastar a aplicação desses preceitos constitucionais.

Além disso, tendo em vista o princípio da segurança jurídica, proporcionado pela irretroatividade da lei, não podemos admitir a adoção das leis para atingir fatos ocorridos antes da sua entrada em vigor. As prescrições em análise, concernentes à quebra do sigilo bancário, dizem respeito à produção probatória. Logo, não acarretam implicações de ordem meramente processual, mas interferem, decisivamente, na constituição das relações jurídicas, como é o caso da obrigação tributária.

Ora, para que possa haver exigência tributária, é necessário o perfeito enquadramento do fato à previsão normativa abstrata. É exatamente por meio das provas que se certifica a ocorrência do fato. Desse modo, a linguagem prescrita pelo direito não apenas relata que um evento ocorreu, mas atua na própria constituição do fato jurídico tributário. E já que o próprio sistema do Direito estabelece quais fatos são jurídicos e quais não são, é inadmissível pretender-se aplicar, com efeitos retroativos, norma que altera o modo pelo qual os fatos são considerados.

Se em determinado instante vigorava norma jurídica que resguardava o sigilo dos dados bancários, proibindo seu emprego para constituição de créditos tributários, os fatos praticados nessa época encontravam-se sob os efeitos de tal regramento. Legislação editada em momento posterior e que disponha de modo contrário altera, substancialmente, a disciplina das relações entre fisco e contribuinte. Não se trata de mera norma procedimental, mas de regra que interfere e modifica um direito do particular.

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