Em liberdade

TJ de MT concede HC a acusado de corrupção ativa e tráfico

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28 de março de 2007, 17h23

Baseado no princípio da igualdade previsto na Constituição Federal, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso concedeu Habeas Corpus em favor de um acusado de corrupção ativa, tráfico ilícito de entorpecentes e associação para o tráfico. Ele foi preso na operação Overlord.

O acusado, Lauro André Dias Sandes, alegou constrangimento ilegal por causa do tempo em que estava preso. E pediu para acompanhar a instrução criminal em liberdade. O benefício já havia sido concedido a Anaíde Barros de Souza Santos – delegada de Polícia, Marco Antônio Chagas Ribeiro – advogado, João Batista Borges Júnior – advogado, Anderson Vieira da Silva – escrivão de Polícia, Márcio Zwing Herculano – agente da Polícia Civil, Lucélio Santos Bolognez – agente da Polícia Civil, Welly Fagner Lima Cavalcante – assessor do advogado Marco Antônio Chagas Ribeiro, também acusados durante a operação.

A concessão foi dada aos co-réus porque estavam presos por mais tempo que o previsto em lei, o que também veio a acontecer com Sandes. O relator do processo, desembargador Diocles de Figueiredo, lembrou que “o prazo é igual para todos, máxime quando se tem em relevo a liberdade do agente onde o princípio da igualdade estatuído no artigo 5º da Constituição Federal de que todos são iguais perante a lei garante-se a inviolabilidade à liberdade”.

Leia a íntegra da Ementa e do Voto:

PACIENTE(S):

LAURO ANDRÉ DIAS SANDES

IMPETRANTE(S):

DR. ADEIR ALEXSANDER FRÖDER

Número do Protocolo: 15694/2007

Data de Julgamento: 26-3-2007

EMENTA

CONSTITUCIONAL — PROCESSUAL PENAL — HABEAS CORPUS – CRIMES DE CORRUPÇÃO ATIVA, TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO – PEDIDO DE EXTENSÃO DA ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA AOS CO-RÉUS – INTELIGÊNCIA DO ART. 580 DO CPP – MESMA SITUAÇÃO FÁTICO-PROCESSUAL – PRINCÍPIO DO ‘UBI EADEN EST RATIO EADEM EST JUS DISPOSITIO’ (ONDE EXISTE A MESMA RAZÃO DEVE REGER A MESMA DISPOSIÇÃO LEGAL) – ORDEM CONCEDIDA – ART. 5° INC. LXXVIII DA CF.

Adota-se o princípio de igualdade de tratamento entre os co-réus, máxime se a causa anterior à concessão do writ consistiu ao exame de ato abusivo, diante do excesso de prazo para o recebimento, não recebimento ou rejeição da denúncia, afastado o caráter pessoal, conquanto o paciente se encontre na mesma situação fático-processual.

RELATÓRIO

EXMO. SR. DES. DIOCLES DE FIGUEIREDO

Egrégia Turma:

Cuida-se de ordem de habeas corpus, com expresso pedido de liminar, interposta pelo douto causídico Adeir Alexsander Fröder, em favor de LAURO ANDRÉ DIAS SANDES, sob a alegação de que o Paciente vem sofrendo constrangimento ilegal por parte do M.M. Juiz de Direito da 1ª Vara Criminal da Comarca de Rondonópolis-MT.

Esclarece o Impetrante que o Paciente teve sua prisão preventiva decretada no dia 05 de outubro de 2006 pelo i. Magistrado a quo, atendendo representação do nobre Delegado da Polícia Federal e com manifestação favorável do parquet estadual. Todavia, a prisão somente fora efetivada no dia subseqüente (06/10/2006), imputando ao segregado a suposta prática dos crimes previstos nos artigos 12 e 14, ambos da lei 6.368/76, c/c artigo 333, parágrafo único, do Código Penal.

Segue argumentando que fora ele denunciado por tais práticas delitivas juntamente com Anaíde Barros de Souza Santos (Delegada de Polícia), Marco Antônio Chagas Ribeiro (Advogado), João Batista Borges Junior (Advogado), Anderson Vieira da Silva (Escrivão de Polícia), Márcio Zwing Herculano (Agente da Polícia Civil), Lucélio Santos Bolognez (Agente da Polícia Civil), Welly Fagner Lima Cavalcante (Assessor do Advogado Marco Antônio Chagas Ribeiro), dentre outros, na operação denominada “Overlord”, “(…) no entanto, a todos os demais foi concedido o direito de responder em liberdade”, fls. 03-TJ (Grifei).

Dessarte, busca o insigne subscritor, nos termos do artigo 580 do Código de Processo Penal, em razão da identidade da situação fático-processual, a extensão do benefício concedido aos demais co-réus.

Ademais, rechaça a presença dos motivos autorizadores da prisão preventiva, pois “para se ver decretada a medida coativa, deve revelar-se no caso concreto uma das três finalidades expressas pela lei: A CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL, O ASSEGURAMENTO DA LEI PENAL ou A GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. Na espécie, sequer um de tais pressupostos se encontra evidenciado (…)”, sic, fls. 08-TJ.

Busca, portanto, a concessão da ordem para revogar a custódia preventiva, em caráter extensivo, com a conseqüente expedição de alvará de soltura.

Indeferida a liminar (fls. 82/83-TJ), requisitadas as informações, prestou-as a autoridade apontada como coatora, às fls. 88-TJ.

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do ínclito Procurador de Justiça, Dr. Siger Tutiya, opina pela DENEGAÇÃO da ordem.


É o relatório.

P A R E C E R (ORAL)

O SR. DR. SIGER TUTIYA

Ratifico o parecer escrito.

VOTO

EXMO. SR. DES. DIOCLES DE FIGUEIREDO (RELATOR)

Egrégia Turma:

Conforme relatado, a presente impetração objetiva alcançar o efeito extensivo ao Paciente LAURO ANDRÉ DIAS SANDES, do benefício da revogação da prisão preventiva concedida aos co-réus Anaíde Barros de Souza Santos, Marco Antônio Chagas Ribeiro, João Batista Borges Junior, Anderson Vieira da Silva, Márcio Zwing Herculano, Lucélio Santos Bolognez, Welly Fagner Lima Cavalcante, dentre outros.

De fato fora concedido aos co-réus citados na impetração o benefício de que em liberdade pudessem acompanhar os atos da instrução criminal, conquanto até a data das concessões liminares os então pacientes estavam presos por mais tempo que o previsto em lei, fato este que nos moldes do artigo 648, inciso II, do Código de Processo Penal, evidencia como constrangimento ilegal.

A tanto, louvei-me em certidão expedida pela escrivã do ofício do digno magistrado que jurisdiciona à 1ª Vara Criminal da Comarca de Rondonópolis-MT, essa decisão inclusive em data pretérita, fora de igual modo, proferida pela ilustre magistrada que me antecedeu; ratificando-as, ao depois.

Agora, em análise à pretensão deduzida pelo impetrante salta das informações prestadas pelo ilustre e culto magistrado indigitado coator a seguinte ponderação, datada de 08/03/2007 (fls. TJ/88), verbis:

“(…) verifica-se que o paciente encontra-se segregado cautelarmente desde 06/10/2006, e devido a pluralidade de denunciados, no total de quatorze (14), havia-se de atender as determinações constantes das normas previstas na Lei n° 11.343/06, dentre as quais a que determina a notificação de todos os acusados e de seus defensores se já com procuração nos autos para apresentarem as Defesas Preliminares, o que por certo implicou e esta a implicar delonga na instrução processual.

Determinei que a Sra. Escrivã certificasse se todas as defesas foram apresentadas ou se transcorrido o respectivo prazo sem manifestação da(s) parte(s) ré(s), após o que virão os autos conclusos para exarar decisão de recebimento, não recebimento ou rejeição da denúncia. (…)” (Grifei)

Note-se que há um ponto distinto que merece observação diante do direito temporal.

Afirma a digna autoridade indigitada coatora que o ora Paciente teve sua custódia decretada em 06/10/2006, e, em até, 08/03/2007, o recebimento ou não da denúncia pende de exame intrínsecos e/ou extrínsecos, segundo a norma prescrita no artigo 55 da lei 11.343/2006, conforme sua ponderação enfatizando que “virão os autos conclusos para exarar decisão de recebimento, não recebimento ou rejeição da denúnica.”

Ora, a norma estatuída no § 3º, do art. 55, da mencionada Norma extravagante, orienta que “se a resposta não for apresentada no prazo, o juiz nomeará defensor para oferecê-la em 10 (dez) dias, concedendo-lhe vista dos autos no ato da nomeação”, a informação neste ponto silencia.

Outro ponto, ainda, a respeito dos prazos processuais adotados pelo Magistrado sejam o da novel lei Antitóxicos, esta estabelece em seu art. 55 que “oferecida a denúncia, o juiz ordenará a notificação do acusado para oferecer defesa prévia, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias”.

Mesmo que assim não fosse, poder-se-ia adotar por analogia em bonan partem, beneficiando os demais indiciados, pela não demora no recebimento e/ou rejeição da denúncia; posto que, superada a defesa preliminar no prazo de dez (10) dias, deveria, o agente do Ministério Público requerer o arquivamento; requisitar diligências e/ou oferecer denúncia, deveria, quando muito poderia, adotar a providência prevista no art. 80 do CPP, máxime que, em ratificando as providências solicitadas pela autoridade policial, ou pelo Ministério Público, o princípio da absorção dos atos passa, então, a sê-lo como dele emanado, máxime que verificada a pluralidade de indiciados.

Reporto-me à EC nº 45, que acrescentou o inciso LXXVIII, ao art. 5º, da Carta Magna, dispondo que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. (Destaques meus)

Não pode, portanto, ficar aguardando em cárcere por lapso temporal tão extenso e desarrazoado.

Caberia ao Magistrado desmembrar o processo dando o normal andamento do feito, de modo que não fosse, no caso, o Paciente, injustamente prejudicado.

Nota-se, portanto, que o excesso de prazo para o recebimento da denúncia é injustificado, em que pese a complexidade do feito, porquanto não se pode conceber que esteja preso há tanto tempo sem que a denúncia sequer tenha sido recebida ou rejeitada.

A duração prolongada, abusiva e desarrazoada da prisão cautelar de alguém ofende, de modo frontal, o postulado da dignidade da pessoa humana, que representa – considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) – significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem de que é fiador o estado democrático consagrado pelo sistema de direito constitucional positivo.


O indiciado ou o réu, quando configurado excesso irrazoável na duração de sua prisão cautelar, não pode permanecer exposto a tal situação de evidente abusividade, ainda que se cuide de pessoa acusada de suposta prática de crime hediondo (Súmula 697/STF), sob pena de o instrumento processual da tutela cautelar penal transmudar-se, mediante subversão dos fins que o legitimam, em inaceitável (e inconstitucional) meio de antecipação executória da própria sanção penal.

Em que pese a ponderação do ilustre parecerista no sentido de que a “(…) a pretendida extensão do benefício de liberdade provisória concedido aos co-réus nos habeas corpus nºs 79.225/2006, 79.841/2006 e 79.841/2006, creio incabível no caso, não só ante a diversidade de situações fático-processuias entre o paciente e o co-réus, mas, também, por acreditar na necessidade de restabelecimento imediato da custódia cautelar de todos os envolvidos nos delitos em questão. (…)” (Sic, fls. 95/96-TJ), não faço desse fato, e no particular, ouvidos moucos, nem me torno insensível ou eqüidistante à natureza do delito e muito menos busco obliterar quaisquer ações investigatórias que procederam à instauração penal; tanto é certo que facultei ao douto e digno magistrado que preside o feito, se fato superveniente advier e a razão da custódia persistir, reeditá-la.

O fato que tanto a mim, quanto à ilustre, honrada e digna Magistrada que me antecedera na concessão de outros writs, que ora serve de parâmetro, circunscreveu-se na demora do recebimento ou rejeição da denúncia.

Minha livre convicção se amoldou ao preceito estatuído no inciso II, do art. 648, do Diploma Processual Penal, ao considerar como ilegal quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei.

A matéria é tão simplista que um breve relance ao art. 46, do Código de Processo Penal, que alça o prazo de 05 (cinco) dias para o oferecimento da denúncia, se o réu estiver preso é de 15 (quinze) dias, se estiver solto.

Basta rever não só por esse ângulo, que serviu de base para a concessão de revogação cautelar, em sede liminar, pela ilustre Magistrada que me antecedeu, como se se adotar o prazo da novel lei extravagante que trata da prevenção ao tráfico de entorpecente, esses prazos, inexoravelmente extrapolam o limite, mesmo levando-se em consideração a complexidade do fato.

O prazo é igual para todos, máxime quando se tem em relevo a liberdade do agente; onde o princípio da igualdade estatuído no art. 5º, da Constituição Federal de que todos são iguais perante a lei garante-se a inviolabilidade à liberdade, hodiernamente não mais se guarda sentido interpretativo de que “(…) exigência dirigida ao juiz legal e às autoridades administrativas no sentido de se assegurar formalmente uma igual aplicação da lei a todos os cidadãos”, como observou J. J. GOMES CANOTILHO (Constituição dirigente e vinculação do legislador. Coimbra, 1982, p. 381).

Adotados esses princípios axiológicos da igualdade é que se reconheceu a possibilidade de estender o benefício do art. 580, do Código de Processo Penal, quando dispõe e ordena que no concurso de agentes, no caso, isto é inquestionável, a decisão interposta por um dos réus – concessão da ordem de HC a dois réus, nesta, e outros dois na instância singela anteriormente em data de novembro de 2006 – pelo mesmo motivo, excesso de prazo no recebimento da denúncia, logo não se caracterizam em caráter pessoal; e não o foi, todos tiveram a custódia preventiva em exacerbado excesso de prazo, aproveitará a outros.

Aplica-se, a meu sentir, o aforismo latino ubi eadem est ratio eadem est jus dispositio (onde existe a mesma razão deve reger a mesma disposição legal).

São estes os motivos que me levam, permissa venia, a divergir do pronunciamento ministerial de que a ordem deva ser denegada.

Desse modo, constatado o flagrante excesso de prazo para o recebimento da denúncia, coerente com o decisum proferido no HC 92.041/2006 e apensos, com fulcro no artigo 580 do Código de Processo Penal, na espécie, a exclusividade penal não o excepciona da concessão.

Em dissonância com o pronunciamento ministerial, CONCEDO a presente ordem habeas corpus, se por outro motivo não estiver preso ao paciente LAURO ANDRÉ DIAS SANDES, ressalvando, porém, ao ilustre Juiz, indigitado coator, se razões supervenientes advierem, como dispõe o art. 316, parte final, do Código de Processo Penal, editar nova segregação provisória, assim como, prestar compromisso perante o juízo por onde tramita a ação, de comparecer a todos atos do processo.

É como voto.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do DES. DIOCLES DE FIGUEIREDO, por meio da Turma Julgadora, composta pelo DES. DIOCLES DE FIGUEIREDO (Relator), DES. JOSÉ LUIZ DE CARVALHO (1º Vogal) e DR. CIRIO MIOTTO (2º Vogal), proferiu a seguinte decisão: À UNANIMIDADE, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR, CONCEDEU-SE A ORDEM. TODAVIA, DO CONTRAMANDADO DEVERÃO CONSTAR AS DETERMINAÇÕES EXPLÍCITAS NA DECISÃO ORA PROFERIDA. CONTRÁRIO AO PARECER MINISTERIAL. EXPEÇA-SE CONTRAMANDADO DE PRISÃO.

Cuiabá, 26 de março de 2007.

DESEMBARGADOR DIOCLES DE FIGUEIREDO

PRESIDENTE DA TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL E RELATOR

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