Procuradores na luta

MP paulista abre campanha contra o foro privilegiado

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28 de março de 2007, 0h02

Está aberta campanha oficiosa do Ministério Público de São Paulo contra a Proposta de Emenda à Constituição 358/05, que dá foro privilegiado a autoridades e ex-autoridades como o presidente da República, governadores, parlamentares e prefeitos.

Se vitoriosa, a campanha permitirá que o presidente da República seja afastado do cargo por qualquer juiz de primeira instância. E caso o presidente do Banco Central seja processado em milhares de varas, ele terá de responder em cada uma delas pelo delito que lhe for imputado.

O foro privilegiado é uma excrescência, que só contribui para a morosidade do Judiciário e impunidade dos infratores, diz documento assinado por promotores, procuradores, funcionários do MP, entidades e personalidades como o agora ministro Franklin Martins, o deputado José Eduardo Cardoso (PT-SP) e o filósofo Roberto Romano. No material de divulgação distribuído para jornalistas, em ato político travestido de workshop, nesta terça-feira (27/3), o MP-SP oferece treze explicações para que o foro privilegiado não seja aprovado.

O benefício do foro para atuais e ex-autoridades consta na PEC 358/05, aprovada no Senado Federal e que agora tramita na Câmara dos Deputados. Para o procurador-coordenador João Francisco Viegas, o foro especial vai provocar o aumento da corrupção. Ele afirma que os tribunais não possuem estrutura para investigar e julgar tais ações, que devem ficar sem respostas. Viegas usou dados de levantamento publicado pelo O Estado de S. Paulo, que apontou que o Supremo Tribunal Federal nunca condenou um parlamentar, para sustentar a sua teoria.

As opiniões de Viegas são conseqüência direta do que acontece dentro da procuradoria depois que o Ministério Público entrou em embate verbal na imprensa e nos bastidores com o Supremo Tribunal Federal e, mais especificamente, contra o ministro Gilmar Mendes. Toda questão tem como núcleo uma discussão em torno de processo que envolve o ex-ministro de Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg.

O Ministério Público defende que políticos e autoridades sejam julgados com base na Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92). A norma prevê que o processo de todos os acusados de improbidade siga o curso normal, desde a primeira instância. Com isso, a agenda do presidente da República vai ficar um pouco mais atribulada, já que ele poderá responder ações em comarcas em diversos estados do país. Viegas contesta esta opinião. Diz que processos contra a maior autoridade do país só poderão entrar no Distrito Federal. Há controvérsias.

Além de Viegas, os promotores Roberto Livianu e Silvio Marques participaram do ato e alertaram, em coro, para o risco que o país corre no caso de aprovação do foro privilegiado para políticos e autoridades: anulação de 14 mil processos por improbidade administrativa. Todo o trabalho de anos das procuradorias voltaria à estaca zero.

O verdadeiro motivo da preocupação do MP transparece quando se trata da produtividade dos promotores e procuradores. Livianu afirma que 90% das iniciativas do Ministério Público contra a corrupção em São Paulo se baseiam na Lei de Improbidade Administrativa. Se a PEC for aprovada, a maior parte dos integrantes do órgão não vai poder propor esse tipo de ação. Apenas os procuradores-gerais terão competência para propor ações contra parlamentares e autoridades. “Eles são escolhidos pelo executivo”, alerta Viegas para a possível influência política na propositura do processo. Os outros integrantes do MP ficariam na mão.

Mirando o Supremo

A questão de foro privilegiado para autoridade e ex-autoridades está na verdade nas mãos do Supremo Tribunal Federal. Depois de cinco anos a espera de uma decisão no caso do ex-ministro de Ciência e Tecnologia Ronaldo Sardenberg, o julgamento foi adiado mais uma vez. Antes do julgamento efetivo sobre a existência ou não do foro especial, os ministros terão de se debruçar numa questão preliminar. Sardenberg, autor da Reclamação em que se trava a discussão no Supremo, não é mais ministro de Estado. Portanto, o STF tem de definir se isso impede que a corte continue analisando o seu pedido de foro privilegiado.

A questão de ordem foi levantada pelo procurador-geral da República, Antônio Fernando Souza. Três ministros, Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski, votaram para que a Reclamação não fosse mais analisada, já que o autor não era mais ministro. Eros Grau — que não vota no mérito, pois substituiu o ministro Maurício Corrêa que já votou, mas vota na questão de ordem — pediu vista e se comprometeu a apresentar sua posição em 10 dias. Até esta terça-feira (27/3), a questão não voltou à análise do plenário.

Segundo o promotor João Francisco Viegas, que acompanhou a última sessão, o mérito da Reclamação não deve ser julgado, porque os ministros Cezar Peluso, Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence já sinalizaram que devem votar no sentido de atender à questão de ordem.

Sardenberg fora flagrado usando avião da Aeronáutica para visitar o arquipélago de Fernando de Noronha. Têm sido comum decisões mitigadas, como as que promovem o controle da constitucionalidade no tempo ou, ainda, a excepcionalização de circunstâncias, como se pratica no caso da Súmula 691 (sobre a supressão de instâncias em caso de flagrante ilegalidade). A questão de fundo, contudo, é o debate em torno do mau ou bom uso que se faz das ações por improbidade administrativa.

O ministro Gilmar Mendes, que já declarou publicamente a sua opinião sobre o exagero do MP na proposição de ações de improbidade administrativa, não foi citado nominalmente durante o encontro com a imprensa. No entanto, ficou explícito o incômodo dos promotores com as afirmações do ministro. Eles fizeram questão de deixar claro que não há influência política na propositura das ações de improbidade. Em julgamento da prefeita da Magé (RJ), no plenário do Supremo, Gilmar Mendes declarou que há um grupo de integrantes do MP que servem a interesses de partidos políticos.

Consideradas as investidas contra autoridades do governo federal, de 180 Ações de Improbidade Administrativa ajuizadas entre 1994 e 2007, cerca de 95% tiveram como alvo integrantes do primeiro ou segundo escalão do governo Fernando Henrique Cardoso. Os tucanos foram alvejados pelo Ministério Público Federal 92 vezes.

Já no campo petista, apenas quatro nomes tiveram a mesma desventura: Luiz Gushiken, José Dirceu, Rogério Buratti e Waldomiro Diniz. Na seara tucana, praticamente todo o ministério de FHC, o presidente, inclusive, foi alvo de pelo menos uma dessas ações. A União foi processada 21 vezes (veja quadro das ações de improbidade do MPF do DF).

Mesmo no decorrer do governo Lula, os tucanos foram acionados 25 vezes. A União foi enquadrada cinco vezes — algumas delas por fatos ocorridos no governo FHC.

Leia os 13 motivos para que o foro privilegiado não seja aceito, de acordo com o MP-SP

1- O foro privilegiado é uma excrescência que só existe no Brasil.

2- O foro privilegiado contribui para a morosidade e a impunidade.

3- O foro privilegiado é despido de praticidade e dissociado da realidade estrutural dos Tribunais.

4- O foro privilegiado provocará o congestionamento dos processos nos Tribunais.

5- A proximidade entre o Juiz de Direito e o fato favorece a descoberta da verdade e a justiça da decisão.

6- O julgamento em primeiro grau assegura aos menos um recurso para o condenado, minimizando a possibilidade de eventuais injustiças.

7- Diante da onda de escândalos que vêm assolando o país, é necessário maior rigor no tratamento de atos que lesionam o patrimônio público.

8- A adoção do foro privilegiado para beneficiar ocupantes e ex-ocupantes de cargo público de relevo é providência anti-democrática.

9- A adoção do foro privilegiado contraria tratados internacionais subscritos pelo Brasil, como a Convenção Interamericana Contra a Corrupção e a Conversão das Nações Unidas Contra a Corrupção, e significa a cristalização de uma tradição aristocrática em pleno Estado republicano.

10- Impunidade para quem desvia dinheiro público significa menos escolas, menos saúde, menos infra-estrutura viária, menos infra-estrutura elétrica, menos cultura, menos saneamento básico, impedindo, em última análise, o desenvolvimento do Brasil.

11- O foro privilegiado provocará concentração de poderes nas mãos do Procuradores-Gerais de Justiça dos Estados, o que poderá ser utilizado como instrumento de pressão contra as autoridades em benefício da impunidade.

12- São 5.560 ex-prefeitos a cada quatro anos para serem julgados por apenas 26 Tribunais Estaduais e 5 Tribunais Regionais Federais.

13- Só no Estado de São Paulo encontram-se em andamento mais de 2000 ações por improbidade administrativa praticada por autoridades políticas.

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