Dever constitucional

Ministro manda Estado cuidar de saúde de preso doente

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27 de março de 2007, 14h15

O Ministério Público e a Defensoria Pública do estado de São Paulo, bem como as secretarias estaduais de Administração Penitenciária e da Justiça devem arcar com suas responsabilidades para atenuar o sofrimento de um preso doente de câncer e portador do vírus HIV. A orientação é do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, indignado com o caso de um preso moribundo, que até hoje não foi transferido para tratamento “por falta de escolta”.

A manifestação do ministro deu-se no âmbito do julgamento do pedido de Habeas Corpus ajuizado por João Batista Toledo, em causa própria. Por não ser da competência do STF examinar a matéria, o ministro não teve o que decidir. Mas, por razões humanitárias, solicitou informações às autoridades responsáveis. Os dados que lhe foram fornecidos são estarrecedores: o estado de saúde do detento chegou a tal ponto que nenhum outro preso suporta ficar na mesma cela que ele, tal o fedor de suas feridas.

O ministro não conheceu do pedido por considerou que o autor da ação não indicou a autoridade coatora, além de não existir nos autos elementos para reconhecer a competência do STF para analisar a causa.

Contudo, o pedido revelou a precariedade do estado de saúde do preso e de sua situação, “em aparente (e gravíssima) violação à norma constitucional que determina, ao estado e a seus agentes, o respeito efetivo à integridade física da pessoa sujeita à custódia do Poder Público” — artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal. O ministro enviou ofício às autoridades competentes no caso determinando que seja proporcionado o devido trtamento ao preso.

Toledo está preso no presídio de Itirapina, no Interior de São Paulo, cumprindo pena por tráfico de drogas. Devido a seu gravíssimo estado de saúde, pediu remoção para o Centro Oncológico de Jaú (SP), onde poderia ter um tratamento mais adequado. A transferência porém não foi feita sob alegação das autoridades de o Estado não ter meio de transporte adequado para levá-lo do presídio para o hospital.

O ministro ficou sensibilizado com o “caso grave e doloroso como jamais vira”. Para Celso de Mello, a negativa do Estado em atender ao pedido do preso equivaleria a uma condenação à morte. Considerou também o descaso das autoridades um “ato degradante contra a Constituição”. Mesmo tendo sido condenado por tráfico de drogas, o preso não perde o direito à dignidade.

“Em virtude da extrema gravidade de seu estado de saúde, está sendo submetido a tratamento médico, cuja eficácia, no entanto, parece não se revelar satisfatória, consideradas as razões administrativas (sempre elas!!!) invocadas pelas autoridades penitenciárias, como a (recorrente) falta de escolta policial-militar, resultando na falta de atendimento a que o detento tem direito”, disse o ministro.

Celso de Mello lembrou que a Lei de Execução Penal, nos artigos 10, 11, inciso II, 14, 40 e 41, inciso VII, garante ao detento que o Estado dê tratamento médico-hospitalar.

O ministro determinou a adoção de providências ao procurador-geral de Justiça (Ministério Público de SP) e à Defensoria Pública para “minorar, ao menos, o sofrimento por que passa o paciente em questão, considerada a gravíssima patologia que o aflige”. Indicou ainda, os secretários de estado da Justiça e da Administração Penitenciária do estado de São Paulo como destinatários da mesma solicitação.

Na semana passada, num caso semelhante, o Supemo determinou que se o estado de São Paulo não tinha condições de transferir um preso para um instituto penal agrícola, como era de seu direito pela progressão da pena, deveria soltá-lo.

HC 90.176

Leia a decisão e o ofício do ministro

HABEAS CORPUS 90.176-0 SÃO PAULO

RELATOR : MIN. CELSO DE MELLO

PACIENTE(S) : JOÃO BATISTA TOLEDO

IMPETRANTE(S) : JOÃO BATISTA TOLEDO

DECISÃO: Em consulta aos registros processuais constantes da página oficial que o E. Superior Tribunal de Justiça mantém na “Internet”, constatei que nada há, naquela Alta Corte, em tema de procedimentos penais, em nome do ora paciente.

Observo, de outro lado, que o ora impetrante não indicou qual seria, no presente caso, a autoridade supostamente coatora, tecendo considerações, no entanto, a respeito da precariedade de seu estado de saúde e da situação prisional a que se acha submetido, em aparente (e gravíssima) violação à norma constitucional que determina, ao Estado e a seus agentes, o respeito efetivo à integridade física da pessoa sujeita à custódia do Poder Público (CF, art. 5º, XLIX).

Verifico, ainda, consideradas as informações recebidas por esta Suprema Corte, que os elementos existentes nos autos não autorizam que se reconheça configurada, na espécie, a competência originária do Supremo Tribunal Federal.

Sendo taxativas as hipóteses previstas no art. 102, I, alíneas “d” e “i” , da Constituição da República, pertinentes à impetrabilidade originária do “writ” constitucional perante o Supremo Tribunal Federal, não conheço da presente ação de “habeas corpus”.

Remetam-se estes autos ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2. Cumpre registrar, de outro lado, que João Batista Toledo, o ora paciente, encontra-se preso na Penitenciária “Des. João Batista de Arruda Sampaio” – Itirapina II. As informações produzidas nestes autos demonstram que o paciente em questão, em virtude da extrema gravidade de seu estado de saúde, está sendo submetido a tratamento médico (fls. 31), cuja eficácia, no entanto, parece não se revelar satisfatória, consideradas as razões administrativas (sempre elas!!!) invocadas pelas autoridades penitenciárias, como a (recorrente) falta de escolta policial-militar, o que culmina por frustrar o atendimento a que tem direito, em tempo útil, referido paciente.

Registro tal observação, porque se mostra dramática a situação a que hoje se vê reduzido esse detento, o qual – precisamente porque submetido à custódia do Estado – tem direito a que se lhe dispense efetivo e inadiável tratamento médico-hospitalar (LEP, arts. 10, 11, inciso II, 14, 40 e 41, inciso VII).

Desse modo, e sem prejuízo do encaminhamento dos presentes autos ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, determino que se oficie aos Excelentíssimos Senhor Procurador-Geral de Justiça e Senhora Defensora Pública-Geral do Estado de São Paulo, para que adotem providências destinadas a minorar, ao menos, o sofrimento por que passa o paciente em questão, considerada a gravíssima patologia que o aflige.

Os ofícios em referência deverão ser instruídos com cópia da presente decisão e das peças processuais que se acham a fls. 02/07, 15, 17 e 30/42.

3. Transmita-se igual solicitação, observado o que consta do item n. 2 desta decisão, aos eminentes Senhores Secretários de Estado da Justiça e da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo.

Publique-se.

Brasília, 23 de março de 2007.

Ministro CELSO DE MELLO

Relator

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HABEAS CORPUS Nº 90.176

PACTE.(S): JOÃO BATISTA TOLEDO

IMPTE.(S): JOÃO BATISTA TOLEDO

Senhora Defensora Pública-Geral,

Solicito os bons ofícios de Vossa Excelência no sentido de adotar providências destinadas a minorar o sofrimento por que passa o paciente em questão, considerada a gravíssima patologia — HIV, lesão maligna de grande extensão e profundidade, com complicações infecciosas – que o aflige.

Como bem sabe Vossa Excelência, assiste, a qualquer condenado, o direito a que se lhe dispense efetivo tratamento médico-hospitalar (LEP, arts. 10, 11, inciso II, 14, 40 e 41, inciso VII), notadamente em casos, como o de que ora se cuida, em que o sentenciado — sujeito à imediata custódia do Estado — “apresenta prognóstico muito reservado, podendo levá-lo a óbito, por complicações infecciosas”.

Acompanham este ofício cópias de fls. 02/07, 15, 17 e 30/42, bem assim da decisão por mim proferida, extraídas do processo de “habeas corpus” acima mencionado.

Apresento a Vossa Excelência o testemunho de apreço e consideração.

Ministro CELSO DE MELLO

Relator

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