Fala o Gaeco

Entrevista: Roberto Porto, promotor de justiça em São Paulo

Autor

22 de março de 2007, 16h30

À frente do Gaeco, grupo de elite do Ministério Público de São Paulo, há nove anos, o promotor Roberto Porto está lançando livro Crime Organizado e Sistema Prisional, pela editora Atlas. Apesar de ser fruto de tese de mestrado, o livro traz costuradas à teoria as vivências que Porto acumulou nesse período, sobretudo liderando o combate a facções criminosas como o PCC.

Seguidor das idéias do filósofo francês Michel Foucault, Porto crê que o Estado mais puna do que recupere. Mesmo assim, defende a ampliação indefinida daquele um ano hoje adotado como prazo máximo para que os presos perigosos fiquem trancados no Regime Disciplinar Diferenciado, o RDD.

Porto é taxativo em alguns pontos polêmicos: o PCC ainda domina 90% das cadeias do país. E para que o sistema prisional chegue a bom termo, necessitaria de 130 presídios. Como cada um custa US$ 10 milhões, diz Porto, melhoras nesse ponto vão levar muitos anos. Confira

Roberto Porto recebeu a revista ConJur em seu gabinete para falar sobre o livro que escreveu:

O que o levou a escrever: teoria ou prática?

A prática. O livro é o resultado de nove anos de Gaeco e de contato com muitos criminosos. Ele veio de investigações feitas não somente sobre o PCC, mas de facções criminosas em geral sobretudo voltadas para o sistema prisional. Tentei aproveitar essa pesquisa que nós realizamos aqui no dia-a-dia. Embora o livro seja resultado de uma dissertação de mestrado, ele tem como base a prática.

Seu livro mostra que o estado tradicionalmente reprime mas não recupera. Por que esse foco?

O livro é baseado nos ensinamentos de Michel Foucault, eu gosto de deixar isso bem claro. Ele é o grande pensador do século nesse assunto. Reprimir e apenas reprimir é algo que se muda só a médio e longo prazo. Não vejo alterações no sistema prisional, nesse sentido, a curto prazo.

O Regime Disciplinar Diferenciado não faz isso?

Ele em si não recupera. Ele é parte de um processo de recuperação porque para se recuperar primeiro precisa-se romper o vínculo com o mundo do crime. E esse isolamento, hoje, só é viável no RDD. Você não pode pensar que está isolando preso ao deixá-lo em contato com líderes de grupos e de facções criminosas. Esse isolamento é fundamental no processo de ressocialização. Mas as outras medidas, que inexistem no sistema prisional de hoje, é que ajudariam essa total recuperação. Tais medidas são: técnica penitenciária eficaz, mais e melhor preparo dos agentes penitenciários, que deveriam funcionar como educadores. E o que o Estado vem fazendo? Há um levantamento mostrando que quase nenhum estado brasileiro exige teste psicológico ou exame psicotécnico no concurso público para agente penitenciário. E essa pessoa que deveria funcionar como um educador vai para o sistema sem nenhuma condição para isso. O Estado, quando corta o cabelo do preso, quando troca o nome dele por um número,quando tira a roupa dele e coloca um uniforme com uma cor diferenciada, o que ele faz? Ele quebra a personalidade do sujeito, quebra a sua individualidade, para que ele, com isso, fique propício a receber técnicas de ressocialização, que deveriam ser aplicadas por parte do agente penitenciário. isto não acontece.

E o resultado?

O Estado, ao quebrar a personalidade desses indivíduos, fazendo aquilo que Wolfman denominava de “processo de pasteurização do indivíduo”, ele está propiciando que o preso seja cooptado pelas facções criminosas, em vez de receber do Estado uma técnica de ressocialização.

Como está o PCC hoje?

É um engano achar que pelo fato de o PCC estar hoje quieto e isolado ele está controlado e que o problema está resolvido. O PCC hoje controla mais de 90% do sistema prisional de São Paulo e grande parte dos presídios do Brasil. O que acontece é que hoje o Estado, sobretudo o de São Paulo, vem desenvolvendo um trabalho satisfatório no sentido de isolar o PCC e restabelecer a autoridade do Estado. Há muito pouco tempo havia líderes presos do PCC, batendo em agentes penitenciários dentro dos presídios. Isso não acontece mais. Hoje esses líderes estão efetivamente isolados. A liderança do PCC tem tido suas cotas bloqueadas e monitoradas. A repressão aumentou. Mas achar que problema está resolvido é uma ilusão.

O que falta de instrumento legal para o promotor melhorar seu trabalho?

Muita coisa. A começar com o problema do celular. Estamos, na legislação, numa fase de alteração, para transformar no Brasil o uso de celular em presídio numa falta grave, o que no meu entender é uma ação extremamente tímida, que não vai alterar nada. Isso deveria ser considerado crime grave, como acontece nos Estados Unidos. Se um preso ou agente penitenciário fosse encontrado com celular dentro de um presídio deveria ser severamente punido pelo promotor de Justiça. Isso não acontece. Se é considerado falta grave, quando muito esse crime leva o preso para o Regime Disciplinar Diferenciado. Isso é tímido e de pouco efeito. Também deveríamos acabar com o prazo máximo de internação no Regime Disciplinar Diferenciado. Na Itália e nos EUA, por exemplo, não há esse limite. Os presos cumprem pena em regimes muito mais severos do que o RDD brasileiro, sem qualquer limite máximo de cumprimento dessa pena. Essa limitação de um ano prejudica em muito o nosso trabalho.

O cirurgião plástico Hosmany Ramos quer que o STF reconheça seu trabalho de escritor atrás das grades como passível de desconto na pena. Isso não acontece. Mas se costurasse bolas, teria o desconto…

É algo novo discutir isso. Precisaria haver um incentivo maior para que as empresas investissem no sistema prisional. Deveria ser feita análise de demanda de mercado: quem costura bola na cadeia, quando cumpre a sua pena e sai, não vai sair por aí buscando emprego de costurador de bola. Esse tipo de trabalho em nada acrescenta. Precisaria ser feito um estudo de mercado sobre isso.

Nos EUA o promotor negocia as delações. Réu que conta tudo leva desconto na denúncia. Como o senhor vê isso?

Seria de grande valia, assim levaríamos a julgamento só aquilo que interessa. Nos hoje atolamos o judiciário com questões que poderiam ser resolvidas, como acontece nos EUA, com acordos. Fazer acordo não significa deixar de punir. Não temos esse instrumento. A delação premiada, que é o que mais se aproxima disso e existe no Brasil, é muito criticada. Muitos dizem que ela ensina que trair traz benefícios, e que assim não seria algo bom do ponto de vista ético. Acho isso um absurdo, a delação premiada é aplicada com sucesso no mundo inteiro. Mas aqui no Brasil ela é criticada, nós somos criticados quando a usamos, isso porque o Brasil está sempre na contramão da história, mas mesmo assim ela é algo muito inferior do que é feito nos EUA.

O que deveríamos fazer para contornar o caos carcerário?

Seria necessário construir 130 estabelecimentos penais para resolver o problema da superpopulação. Um presídio no Brasil custa, em média, cerca de US$ 10 milhões. É inviável então construir os 130. Não esperem melhoras a curto prazo, nesse sentido.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!