Benefício complicado

A celeuma do INSS e a concessão de auxílios por doença

Autor

  • Luiz Salvador

    é presidente da ALAL diretor do Departamento de Saúde do Trabalhador da JUTRA assessor jurídico de entidades de trabalhadores membro integrante do corpo técnico do Diap do corpo de jurados do Tribunal Internacional de Liberdade Sindical (México) da Comissão Nacional de Relações internacionais do Conselho Federal da OAB e da comissão de juristas responsável pela elaboração de propostas de aprimoramento e modernização da legislação trabalhista instituídas pelas Portarias-MJ 840 1.787 2.522/08 e 3105/09.

22 de março de 2007, 0h01

Há uma distância enorme entre o direito assegurado em lei e as ferramentas utilizadas pelo INSS a denegar o direito ao benefício auxílio-doença acidentário a qualquer segurado acidentado e ou que haja desenvolvido doença ocupacional:

“A imprensa nacional tem divulgado que o percentual de benefícios por incapacidade negados pela perícia do INSS encontra-se, atualmente, num patamar de 20% a 30%. Nessa faixa encontram-se os segurados que estão requerendo o benefício por incapacidade, os que já se encontravam afastados e os que, após alta médica, têm de retornar ao trabalho mesmo com laudos, exames, receitas e atestados demonstrando que ainda permanecerem seqüelas incapacitantes” ( Auxílio-doença — Há um abismo entre o que diz a lei e o que o INSS faz )

O direito ao benefício acidentário (B-91) assegurado em lei a todo segurado com incapacitação laboral tem sido, portanto, denegado, com abuso de poder, fraudes, conivências, como temos denunciado reiteradamente em nossos artigos.

Também o movimento popular, social e sindical, diante do conhecimento das fraudes nas perícias médicas, realizou seminário onde foi aprovada a proposição pela constituição de uma CPI contra os médicos e peritos para término desses abusos e fraudes, sendo que o movimento que encampa essa luta é o Movida Brasil, com o acompanhamento do senador Paim, denunciou em Brasília os abusos, omissões, práticas das subnotificações acidentárias e conivências de servidores do INSS.

Dispõe a Lei 8.213/91 sobre os benefícios ao trabalhador infortunado:

a) Artigo 86: “O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem seqüelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia”. (Redação dada pela Lei 9.528, de 10.12.97).

b) Artigo 62: “O segurado em gozo de auxílio-doença, insusceptível de recuperação para sua atividade habitual, deverá submeter-se a processo de reabilitação profissional para o exercício de outra atividade. Não cessará o benefício até que seja dado como habilitado para o desempenho de nova atividade que lhe garanta a subsistência ou, quando considerado não-recuperável, for aposentado por invalidez”.

c) Artigo 63: “O segurado empregado em gozo de auxílio-doença será considerado pela empresa como licenciado”.

O TST, analisando o dispositivo transcrito, já decidiu:

“Estando suspenso o contrato de trabalho, em virtude de o empregado haver sido acometido de doença profissional, com percepção de auxílio-doença, opera-se igualmente a suspensão do fluxo do prazo prescricional”, concluiu o relator”. (RR-424/2001-069-09-00.5) (Fonte: TST)

Apesar do direito assegurado em lei, na prática não é o que vem acontecendo com os trabalhadores segurados, como vimos denunciando em nossos artigos, em que o benefício quando eventualmente concedido pelo INSS não é o de lei, o acidentário, mas apenas o auxílio-doença comum (B-31), aumentando o propalado déficit, que tal benefício não tem fonte de custeio, diferente do B-91, que tem caixa próprio financiado pelo SAT, com desconto mensal incidente sobre a folha de pagamento das empresas.

Reconhecendo o governo a prática de mercado das repudiadas subnotificações acidentárias, encaminhou ao Congresso a MP 316 que se converteu na Lei 11.330/06 e que entrou em vigor no dia 26 de dezembro de 2006. Do exame do disposto na lei em comento, dá-se com uma mão e se retira o direito prometido pela adoção do NTEP (Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário) com outro, senão vejamos.

O artigo 1º da novíssima Lei 11.330/06, em seu artigo 1º, dá nova redação a alguns dispositivos da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991 (benefícios), passando a vigorar com as seguintes alterações, acrescentando-se os artigos. 21-A e 41-A e dando-se nova redação ao artigo 22:

Artigo 21-A. “A perícia médica do INSS considerará caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças — CID, em conformidade com o que dispuser o regulamento.

§ 1º A perícia médica do INSS deixará de aplicar o disposto neste artigo quando demonstrada a inexistência do nexo de que trata o caput deste artigo.

§ 2º A empresa poderá requerer a não aplicação do nexo técnico epidemiológico, de cuja decisão caberá recurso com efeito suspensivo, da empresa ou do segurado, ao Conselho de Recursos da Previdência Social”.

Tendo-se em vista que o artigo 21-A da Lei 8.213/91, acrescentado pela Lei 1.330/06, atribui à perícia médica o poder de decisão sobre o A perícia médica continua o “deus poderoso” a decidir sobre o reconhecimento ou não da incapacitação e respectivo nexo causal, por razão de transparência e segurança do próprio segurado, entendemos que deva a perícia médica inclusive entregar ao segurado não só a conclusão pericial, como sua respectiva justificação da conclusão pericial.

As ferramentas implementadas pelo INSS, há décadas, no nosso entendimento seguem a lógica de beneficiar os interesses da iniciativa privada, uma vez que beneficiam os abusos, fraudes e sub-notificações. Indignados com tal situação, conversamos com alguns peritos do INSS, que foram unânimes em nos afirmar: um benefício, uma vez cadastrado como B 31 (auxílio doença) dificilmente será revertido a B 91 (auxílio doença por acidente de trabalho). Por sua vez, quando um trabalhador chega com uma CAT em uma Agência da Previdência (APS) para agendamento de perícia médica, como constatamos diariamente, o administrativo cadastra aquele pleito de benefício como B 31, uma vez que não foi a empresa que abriu o CAT.

E já temos relatos de muitos casos que, por ser a CAT de cadastramento mais difícil no sistema, até quando este documento é aberto pela empresa, o INSS está registrando-o como B-31. Por conseguinte, na perícia médica, o próprio software (que se chama Sabi), não permite a transformação diretamente de um B-31 para B-91, muito embora, por relatos, os peritos cliquem nas opções confirmando que se trata de doença do trabalho, e o resultado final (conclusão da perícia) continuará sendo de doença não relacionada ao trabalho.

Desta forma, conclui-se que, no que toca ao auxílio-doença comum (B-31), o próprio sistema não permite que o reconhecimento em nova perícia de nexo causal acidentário pelo agravamento ainda presente possa ser convertido de auxílio-doença comum em acidentário, salvo procedimento extremamente complexo e dificultado ou decisão judicial, o que em nosso entender caracteriza abuso de poder, merecendo atuação imediata da Procuradoria do Trabalho e do Ministério Público da União, instaurar inquérito civil público, para instrumentalizar a necessária e moralizante Ação Civil Pública de lei.

Por outro lado, não há ainda também a regulamentação necessária ao cumprimento dos objetivos perseguidos pelo NTEP, assegurando-se efetividade na concessão do benefício auxílio-doença acidentário (B-91), mesmo sem a emissão da CAT, já que permitido o efeito suspensivo do benefício, colocando o trabalhador de volta à situação de abusos, fraudes e conivências, que levaram à aprovação da Lei 11.330/06, como reconhece a exposição de motivos, quando da edição da MP 316.

É consabido que, para a concessão do benefício auxílio-doença acidentário (B-91), são necessários o preenchimento de dois quesitos obrigatórios:

— a existência da incapacidade e o estabelecimento do nexo causal, seja por critérios epidemiológicos (NTEP);

— quando não se tratar de NTEP (caso, por exemplo, ainda de doença profissional, tal como a desenvolvida em condições excepcionais de trabalho e ou mesmo de outras doenças que não sejam significativas do ponto de vista epidemiológico, mas que estão relacionadas ao trabalho, como é o exemplo das Pair, transtornos da voz relacionados ao trabalho em algumas categorias profissionais, etc), todas catalogadas no novo decreto-regulamentador, de número 6.042, de 12 de fevereiro de 2007.

Assim, defendemos que o governo deva imediatamente:

— cumprir com seu dever de legislar em favor da cidadania, não se curvando aos interesses espúrios do capital em pretender que a responsabilidade pelos infortúnios seja de responsabilidade apenas do INSS, emitindo norma que vincule o perito ao NTEP para a concessão e ou não dos pedidos de concessão de benefícios auxílio-doença acidentário (B-91).

— proceder a modificações adequadas no sistema eletrônico do INSS de concessão de benefícios, permitindo as possibilidades concretas de conversão de um benefício auxílio-doença comum em acidentário (B-91), acaso a nova perícia venha a reconhecer a permanência das seqüelas e agravames e o respectivo nexo causal, sem emissão da CAT, situação ainda mantida no sistema que não foi alterado, mantendo-se a mesma sistemática do modelo esgotado e alterado pelo NTEP em atendimento ao interesse escuso do capital e ao arrepio da lei.

Apesar da entrada em vigor da Lei 11.330/06 que instituiu o NTEP (Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário) que autoriza o INSS poder conceder o benefício acidentário mesmo na ausência da emissão da CAT, esta continua sendo uma obrigação principal do empregador, posto que não revogado o artigo 22 da Lei 8.213/91, que assim dispõe:

“A empresa deverá comunicar o acidente do trabalho à Previdência Social até o 1º (primeiro) dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato, à autoridade competente, sob pena de multa variável entre o limite mínimo e o limite máximo do salário-de-contribuição, sucessivamente aumentada nas reincidências, aplicada e cobrada pela Previdência Social”.

Examinando-se, portanto, a legislação infortunística adotada pelo Brasil, conclui-se que o empregador não é, portanto, credor, mas devedor de saúde física e mental, devendo responder pelos prejuízos então ocasionados ao infortunado pelo seu descumprimento às medidas de segurança e proteção à saúde do trabalhador e pela extensão do dano, dentre os quais a indenização por dano material e moral, incluindo o estético e a pensão vitalícia, disciplinada pelo artigo 950 do Código Civil, que dispõe:

“Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu”.

Conclusão

O governo deve cumprir com seu dever de legislar em favor da cidadania, não se curvando aos interesses espúrios do capital em pretender que a responsabilidade pelos infortúnios seja de responsabilidade apenas do INSS, emitindo norma que vincule o perito ao NTEP para a concessão e ou não dos pedidos de concessão de benefícios auxílio-doença acidentário (B-91).

Também deve readequar o sistema eletrônico, permitindo que um benefício auxílio-doença comum possa ser convertido no benefício acidentário (B-91), acaso a nova perícia venha a reconhecer o agravame ainda presente e o respectivo nexo causal, o que atualmente não é permitido, atendendo-se ao interesse privado, ao arrepio da lei.

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