Noite paulista

Bares de SP estão proibidos de cobrar consumação mínima

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22 de março de 2007, 15h01

Bares, casas noturnas e restaurantes de São Paulo estão proibidos de cobrar consumação mínima de seus clientes. A determinação é da juíza Maria Gabriella Spaolonzi Sacchi, da 13ª Vara da Fazenda Pública, que considerou a taxa abusiva. Para ela, a cobrança impõe ao cliente o pagamento prévio de produtos cujo preço ele ainda não conhece. Cabe recurso ao Tribunal de Justiça paulista.

A sentença foi dada em Ação Civil Pública, com pedido de liminar, proposta pelo Sindicato dos Bares, Restaurantes e Similares da Cidade de São Paulo (Sindrestaurantes) contra a Fundação Procon. A entidade sindical pretendia que a Justiça proibisse o Procon de fechar e autuar os estabelecimentos comerciais que praticam a consumação mínima.

O sindicato alega que, com base na Lei Estadual nº 11.886/05, o Procon está fechando diversas empresas comerciais. Sustenta que os fiscais do Estado estão violando garantias constitucionais como a do direito adquirido, da livre concorrência, da liberdade econômica e da ampla defesa.

Para a juíza, a livre concorrência não pode ser feita de maneira anti-social sob pena de o Estado se ver obrigado a intervir para coibir o abuso. “Impor ao consumidor, de antemão, quanto terá de gastar como condição de ingresso ao estabelecimento traduz-se em supremacia do poderio econômico do próprio fornecedor”, afirmou a juíza.

Leia a íntegra da sentença:

VISTOS. SINDICATO DOS BARES, RESTAURANTES E SIMILARES DA CIDADE DE SÃO PAULO – SINDRESTAURANTES/SP, qualificado e representado nos autos, ajuizou a presente Ação Civil Pública, com pedido de medida liminar, em face da FUNDAÇÃO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR DE SÃO PAULO – PROCON. Pretende obter a condenação do pólo passivo no dever de se abster de fechar ou autuar os estabelecimentos associados ao Sindicato, pela prática de consumação mínima, bem como para afastar a proibição da prática da oferta de drinques, flores, e outros produtos. Para tanto, a inicial direciona o enfoque de sua pretensão para a Lei Estadual nº 11.886/2005, que inibiu a prática da denominada “consumação mínima” pelos bares e restaurantes de São Paulo. Com arrimo nesta Lei, órgãos estaduais fecharam divesos estabelecimentos comerciais.

Após traçar considerações acerca da legitimidade ativa bem como da via processual eleita, a petição inicial confere especial ênfase ao fato de que a Lei nº 11.886/05 não permite a imposição de penalidades ante o posicionamento adotado pelo Sr. Governador. Mesmo assim, fiscais do PROCON providenciaram o fechamento de alguns estabelecimentos porque estavam cobrando a consumação mínima. A tese inicial sustenta que a Constituição Federal confere garantias aos estabelecimentos comerciais que estão sendo violadas pelos fiscais do PROCON. Mais precisamente, a questão atrelada ao Direito Adquirido, Função Social das Empresas, Livre Concorrência, Liberdade Econômica, Ampla Defesa, dentre outros. Nesta linha, legislação estadual não poderia violar disposição constitucional expressa.

E, da mesma forma, não pode versar sobre questão civil e comercial. Nesta trilha, a lei em questão é inconstitucional. O autor, ainda, afirma que a lei em análise expressa ilegal intervenção do Estado na atividade econômica. Quanto à questão da consumação mínima, propriamente dita, afirma o autor que sua proibição em nada favorece o consumidor considerando ser, apenas, um pequeno número de estabelecimentos que o pratica. Ademais, os fechamentos estão sendo realizados sem qualquer cautela quanto à obrigatoriedade ao respeito da ampla defesa e contraditório. Prossegue no sentido de que a Lei não apresenta qualquer razoabilidade e proporcionalidade.

Questiona a legalidade da proibição de os estabelecimentos oferecerem drinques a seus clientes ou mesmo qualquer brinde. O direito adquirido, por seu turno, viu-se afrontado pelo fato de que a lei entrou em vigor quando os estabelecimentos já mantinham em sua rotina os procedimentos tidos por irregulares. E essa alteração repentina poderá representar perigo à continuidade da vida econômica do próprio estabelecimento. A petição inicial veio acompanhada pelos documentos de folhas 22/53. A antecipação da tutela restou indeferida a folhas 59 e verso. Nos termos de folhas 62/65, o Ministério Público manifestou não possuir interesse em intervir no feito. Em defesa ofertada na modalidade de contestação (folhas 73/92), a ré suscitou a preliminar de ilegitimidade ativa por ausência de procuração específica para a defesa de interesses de terceiros. Refutou a adequação da via processual eleita.

Quanto ao mérito propriamente dito, o pólo passivo sustentou a legalidade da legislação rebatida pelo autor. Mais precisamente, com amparo no disposto pelo Código de Defesa do Consumidor que estabelece a proibição de práticas comerciais abusivas e lesivas. Afirmou, assim, que o consumidor só deve pagar por aquilo que efetivamente consumiu e não ficar atrelado ao valor da consumação mínima que lhe é imposto pelo estabelecimento. Apontou para o disposto pelo artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor bem como para o artigo 12 do Decreto nº 2.181/87 do Goerno Federal, além da Lei Estadual nº 11.886/05 que proíbem a cobrança da consumação mínima em bares, boates e casas noturnas. Negou a admissibilidade do uso da ação civil pública para questionar a constitucionalidade de determinado diploma legal. Houve réplica. É o relatório. DECIDO.


Cuida-se de ação civil pública promovida pelo Sindicato dos Bares e Restaurantes e Similares da Cidade de São Paulo – SindRestaurantes em face da Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor, por meio da qual objetiva-se compelir o pólo passivo a abster-se do cumprimento das penalidades estabelecidas pela Lei nº 11.886/2005 no que tange à prática da denominada cobrança da “consumação mínima” pelos seus associados. O processo comporta julgamento nos termos estabelecidos pelo artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil porquanto o cerne do litígio é de direito e os elementos necessários ao seu julgamento encontram-se carreados aos autos. Sem êxito as preliminares suscitadas. De plano, registro identificar a legitimidade ativa questionada pela defesa.

A própria Constituição Federal, no inciso XXI de seu artigo 5º, bem como no artigo 8º, III, estabelece a legitimidade de os Sindicatos atuarem em juízo, em defesa dos direitos individuais de seus associados e integrantes da categoria. Para esse sentido, inclusive, pronunciou-se Barbosa Moreira, na Revista de Processo 61/191. Por outro lado, por meio desta ação civil pública busca-se a inaplicabilidade da Lei nº 11.886/05 aos que integram o Sindicato autor, no que tange às penalidade impostas decorrentes da violação à norma estabelecida quanto à prática denominada “consumação mínima”.

Não consiste na mera declaração de inconstitucionalidade de determinada lei. O que significa dizer que a via processual eleita foi adequada aos fins colimados. As demais questões mesclam-se com o mérito e com ele serão analisadas. Sem êxito o pedido inicial. Opõe-se, o Sindicato autor, às penalidades que vêm sendo impostas por fiscais do PROCON, aos bares, restaurantes e similares da Cidade de São Paulo. E, no caso específico dos autos, aos estabelecimento ligados ao Sindicato autor.

Na concepção do legislador, impor ao consumidor a obrigação de pagar um valor a título de “consumação mínima”, valor este correspondente à aquisição de determinada quantidade de produtos e serviços, independentemente de seu efetivo consumo, caracteriza-se como medida abusiva. Nos termos bem expressos pela defesa a título de preço ao estabelecimento. No entanto, como resultado do clamor de inúmeras reclamações formalizadas por consumidores junto ao Procon, o mesmo Poder Público procurou inibir a imposição, ao consumidor, do pagamento de determinada quantia independentemente do seu consumo. E assim editou a Lei Paulista nº 11.886, de 1º de março de 2005. O diploma legal questionado na inicial em nada afronta o ordenamento jurídico vigente. Referido diploma legal encontra respaldo no disposto pelo artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal que assim prescreve: “O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor” Tal dispositivo constitucional foi elevado não apenas à condição de garantia ou direito individual e coletivo mas, igualmente, à condição de princípio da ordem econômica – como se extrai do artigo 170, inciso V, da mesma Lei Maior.

A promoção da defesa do consumidor adquiriu status constitucional. Mas essa regra é de eficácia limitada já que sua aplicabilidade ficou condicionada a uma lei ordinária que, no entanto, já foi promulgada – que é o Código de Defesa do Consumidor, estabelecido pela Lei 8.078/90. Cediço que toda a defesa do consumidor que vem sendo elevada, desde a Constituição Federal, à legislação infraconstitucional busca, em verdade, atender aos ditames da justiça social. Ou seja, assegurar a todos existência digna, equacionando as desigualdades. Neste cenário, ainda, a Constituição Federal consagrou diversas garantias e relevantes princípios norteadores da ordem econômica com olhos, inclusive, a limitar a própria interferência do Poder Público. Dentre eles, a Liberdade de Iniciativa Econômica, a Soberania Nacional Econômica, o Princípio da Propriedade Privada e o da Livre Concorrência.

E é dentro destes princípios que a tese inicial busca abrigo. No entanto, a defesa ao consumidor que a Lei nº 11.886/05 eonctra respaldo, inclusive, no Princípio da Função Social da Empresa e do Condicionamento à Livre Iniciativa. A esse respeito, pronunciou-se o Professor José Afonso da Silva em sua obra Comentário Contextual à Constituição, Malheiros Editores,2005, página 712/713: “Já estudamos a função social da propriedade, quando examinamos o conteúdo do disposto no artigo 5º, XXIII, segundo o qual “a propriedade atenderá a sua função social”. Isso aplicado à propriedade em geral, significa estender-se a todo e qualquer tipo de propriedade.

O artigo 170, inciso III, ao ter a função social da propriedade como um dos princípios da ordem econômica, reforça essa tese. Mas a principal importância disso está na sua compreensão como um dos instrumentos destinados à realização da existência digna de todos e da justiça social. Correlacionando essa compreensão com a valorização do trabalho humano (artigo 170, caput), a defesa do consumidor (artigo 170, inciso V), a defesa do meio ambiente (artigo 170, VI), a redução das desigualdades regionais e sociais (artigo 170, inciso VII) e a busca do pleno emprego (artigo 170, VIII), tem-se configurada sua direta implicação com a propriedade dos bens de produção, especialmente imputada à empresa, pela qual se realiza e efetiva o poder econômico, o poder de dominação empresarial.


Disso decorre que tanto vale falar de função social da propriedade dos bens de produção, como de função social da empresa, como de função social do poder econômico”. Fábio Konder Comparato, por sua vez, afirma que sua obra O Poder de Controle na Sociedade Anônima, página 419 (apud José Afonso da Silva, ob. Citada) que: “O poder econômico é uma função social, de serviço à coletividade”. E é essa a inteligência que esse mesmo Jurista confere ao princípio constante do artigo 160, III, da Constituição Federal revogada, igual ao disposto pelo artigo 170, inciso III, da Constituição Federal de 1988. Do que se conclui que a iniciativa privada está condicionada no Sistema da Constituição Econômica brasileira.

A esse respeito, ainda, pronuncia-se José Afonso da Sila, em obra citada,folhas 713: Se ela se implementa na atuação empresarial e esa se subordina ao princípio da função social, para realizar ao mesmo tempo o desenvolvimento nacional, assegurada a existência digna de todos, conforme os ditames da justiça social, bem se vê que a liberdadede iniciativa só se legitima quando voltada à efetiva consecução desses fundamentos, fins e valores da ordem econômica. Essas considerações são ainda importantes para a compreensão do PRINCÍPIO DA NECESSIDADE, que informa a participação do Estado na economia (artigo 173), pois a preferência da empresa privada cede sempre à atuação do Poder Público, quando não cumpre a função social que a Constituição lhe impõe” Do que se conclui que a livre concorrência e as demais consequências geradas pelo poderio econômico frente ao mercado de consumo não pode ser exercido de maneira anti-social, sob pena de o Estado intervir para coibir o abuso. Neste cenário, o Poder Público edita políticas públicas e cria mecanismos para sua implantação.

E é aqui que o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 39, incisos I e V, bem atua ao proibir ao fornecedor de produtos ou serviços que condicione o fornecimento de um produto ou de serviço ao de outro, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos. O fornecedor, assim, não pode condicionar a entrada de seu consumidor ao estabelecimento comercial ao pagamento de certa quantia mínima já voltada à aquisição de outro produto. Impor ao consumidor, de antemão, quanto terá que gastar como condição de ingresso ao estabelecimento traduz-se em supremacia do poderio econômico do próprio fornecedor.

Poder-se-ia argumentar no sentido de que, aos estabelecimentos, é dado elevar o preço de entrada sem oferecer ao consumidor qualquer “benefício” – este traduzido nos produtos que seria adquiridos e consumidos acaso mantida a prática da consumação mínima. No entanto, ao consumidor seria conferida a insegurança das informações não uniformes inerentes aos seus fornecedores em potencial (informações estas relacionadas à incógnita de saber quem pratica, ou não, a consumação mínima). E mais.

A mantença da consumação mínima significa impor, ao consumidor, o pagamento prévio por produtos cujo preço ainda lhe é desconhecido. Uma vez não identificada qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade nas autuações levadas a termo pelos fiscais do PROCON, importa registrar não competir ao Judiciário analisar os critérios da conveniência e oportunidade que ampararam a edição da lei em análise. Por fim, a leitura cautelosa da Lei nº 11.886/05 indica que a mesma não fixa qualquer penalidade como sanção. Quem o faz é o própio Código de Defesa do Consumidor.

A improcedência do pedido inicial lança por terra a possibilidade da prática da denominada “consumação mínima” – o que não se traduz na vedação da cobrança de preço a título de entrada. Feitas essas considerações e por tudo o mais qus dos autos, JULGO EXTINTO O PROCESSO, COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, para rejeitar o pedido deduzido pelo SINDICATO DOS BARES, RESTAURANTES E SIMILARES DA CIDADE DE SÃO PAULO – SINDRESTAURANTES em face da FUNDAÇÃO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDO – PROCON, nos termos do artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil. Incabível condenação em custas, despesas processuais e honorários advocatícios. Livre do reexame necessário. P.R.I. São Paulo, 14 de fevereiro de 2007 Mª GABRIELLA P. SPAOLONZI SACCHI Juíza de Direito

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