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Igreja Universal é condenada por agredir pastor verbalmente

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20 de março de 2007, 0h01

A Igreja Universal do Reino de Deus foi condenada a pagar uma indenização de R$ 50 mil por danos morais ao ex-pastor Jenilton Melo dos Santos. A decisão é da juíza Ana Paula Pellegrina Lockmann, da 2ª Vara do Trabalho de Piracicaba, que ainda condenou a igreja a restituir R$ 1 mil por gastos advocatícios.

Em uma reunião da igreja em São Paulo, o bispo Romualdo Panceiro agrediu verbalmente o ex-pastor por não ter atingido a meta financeira. Diante de outros colegas e de sua esposa, Santos foi chamando de “burro, perturbado, vagabundo, preguiçoso, canalha, endemoniado, almofadinha, derrotado e acomodado”. Alguns dias depois, ele foi dispensado do quadro de funcionários da igreja.

A Universal se defendeu dizendo que a meta do pastor não é financeira. Ele precisa é ganhar almas. Além disso, neste tipo de reunião não se discute o faturamento das igrejas. Nelas são feitas orações e discussões sobre casamento ou jejum.

A juíza não aceitou as alegações da igreja que se empenhou em descaracterizar uma das testemunhas escolhidas por Santos, por ela ser também um ex-pastor da igreja.

Para Ana Paula, o fato de o empregador ser uma instituição sem fins lucrativos não tira dela as obrigações quanto ao respeito que deve aos funcionários. “Abstração feita à questão relativa aos fins da entidade recorrente – se econômicos ou religiosos -, é certo que pessoa alguma, no exercício de seu poder hierárquico, está autorizada a ofender a outrem, sendo imperativo o respeito mútuo nas relações humanas”, argumentou a juíza.

“Com efeito, o poder de direção e fiscalização do empregador não o autoriza a avançar por sobre a honra e a imagem das pessoas, causando-lhes constrangimentos e vulnerando a dignidade humana”, completou Ana Paula.

Leia decisão

ACÓRDÃO Nº:

PROCESSO TRT 15ª REGIÃO Nº: 01745-2005-051-15-00-0

RECURSO ORDINÁRIO

RECORRENTE: IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS

RECORRIDO: JENILTON MELO DOS SANTOS

ORIGEM: 2ª VARA DO TRABALHO DE PIRACICABA

EMENTA

DANOS MORAIS. REUNIÃO DE PASTORES. OFENSAS PESSOAIS. CONFIGURAÇÃO. Restando comprovado nos autos que, durante uma reunião, o reclamante foi vítima de diversos epítetos ofensivos à sua pessoa, como “preguiçoso”, “endemoniado”, “perturbado”, “malandro”, tem-se por evidenciada a ofensa à sua honra e imagem pessoal, máxime considerando-se que os fatos ocorreram diante de centenas de pastores, e, inclusive, de sua esposa.

Abstração feita à questão relativa aos fins da entidade recorrente – se econômicos ou religiosos -, é certo que pessoa alguma, no exercício de seu poder hierárquico, está autorizada a ofender a outrem, sendo imperativo o respeito mútuo nas relações humanas.

Com efeito, o poder de direção e fiscalização do empregador não o autoriza a avançar por sobre a honra e a imagem das pessoas, causando-lhes constrangimentos e vulnerando a dignidade humana.

Destarte, a indenização por danos morais é medida de rigor, como forma de compensação pela dor e sofrimento íntimos causados ao reclamante.

Adoto o relatório da r. decisão de fls. 89/95, que julgou procedente a reclamação trabalhista, acerca da qual recorre ordinariamente a reclamada, com as razões de fls. 100/124.

Aduz, em síntese, que a prova oral coligida nos autos foi valorada de forma “estritamente parcial”, afirmando que a testemunha do Recorrido desligou-se da Recorrente, de forma que o mesmo passa a ser inimigo capital da entidade Recorrente, ao passo que o fato de existir ou de ser a testemunha Adriano, freqüentador da entidade Recorrente, não o torna interessado de que a Recorrente venha a ter êxito no processo, pelo contrário, ele apenas depôs de fatos que ele presenciou, não falando nada além, nada aquém do que participou; que o depoimento da testemunha da Recorrente é baseado na verdade, digno de toda a confiança, uma vez que estava sob compromisso, tendo a MM. Juíza a quo preferido julgar a entidade Recorrente como se a mesma tivesse um fim econômico e não religioso; que em nenhuma oportunidade demonstrou o Recorrido, ter sido “esculachado” da maneira declinada na inicial, antes de sua saída da entidade Recorrente, e nada alegou a respeito na reclamatória anterior; que a condenação imposta no julgado “banaliza” o instituto do dano moral, pois ficou claramente demonstrado, especialmente pela existência de Reclamação Trabalhista anterior e movida pelo mesmo Recorrido, de que as acusações a Recorrente, são inverídicas, pois, se fossem traumáticas, jamais o Recorrido deixaria de comentá-las; que o valor arbitrado na origem, no importe de R$50.000,00, a título de danos morais, mostra-se desproposital a média que tem sido arbitrado nos Tribunais, não se mostrando justo, nem moral, tampouco em consonância com a jurisprudência pátria, uma vez que o que se pretende com a indenização é reparar o dano e não enriquecer o Recorrido à custa da Recorrente; que são indevidos os honorários advocatícios à parte que não estiver assistida por sindicato, como na hipótese dos autos. Aduz, por fim, que impõe-se a dedução do Imposto de Renda das verbas deferidas ao autor, sob pena de “crime de sonegação fiscal”.


Depósito recursal e custas processuais comprovados às fls. 125/9.

Representação processual às fls. 36.

Contra-razões às fls. 133/4.

É o relatório.

V O T O

Conhece-se do apelo, uma vez que estão preenchidos os pressupostos legais de admissibilidade.

1 – DOS DANOS MORAIS

O reclamante aduziu, na inicial, que a reclamada, através de seu preposto, mais precisamente o bispo ROMUALDO, chamou-o de burro, perturbado, vagabundo, preguiçoso, canalha, endemoniado, almofadinha, derrotado, acomodado. Estas palavras foram ditas em uma reunião na cidade de São Paulo/SP., alguns dias antes da reclamada dispensar o reclamante de seu quadro de funcionários (fls. 03, item 5).

Em razão disso, postulou o pagamento de indenização a título de danos morais, no importe de R$200.000,00 (fls. 08).

Por ocasião da audiência de instrução, a testemunha Roberto Mosa Januário, arrolada pelo autor, declarou que foi pastor por 19 anos até outubro/2005; que o depoente presenciou a agressão verbal sofrida pelo reclamante em uma reunião em São Paulo; que a agressão foi feita pelo Bispo Romualdo Panceiro e se deu por cobrança de metas; que na ocasião o nome dos pastores que não tinham atingido as metas era chamado, estes ficavam em pé e o Bispo chamava-os de preguiçosos, endemoniados, perturbados, malandros; que isso era presenciado por centenas de pastores; que a reclamada trabalha com metas em dinheiro, e a igreja estipula um valor que deve ser angariado por seus pastores; que a esposa do reclamante e do depoente estavam presentes na reunião; que as ofertas são voluntárias, porém os pastores induzem os fiéis a doarem determinado valor (fls. 32).

A testemunha da reclamada, por sua vez, declarou que freqüenta a igreja há nove anos; que participou de reuniões em que o reclamante esteve presente; que sempre participava de reuniões onde estavam presentes os pastores; que nunca viu o reclamante sendo ofendido pelo Pastor Romualdo; que a meta do pastor é ganhar almas; que nas reuniões não se discutia o faturamento das igrejas; que nas reuniões são feitas orações, discussões sobre casamento, jejum, ou seja, parte espiritual; que parte financeira e administrativa não é discutida nessa reunião (fls. 32).

A recorrente sustenta que a prova oral teria sido analisada de forma “estritamente parcial”, afirmando que não poderia ter sido acolhido o depoimento da testemunha do autor, porque desligou-se da Recorrente, de forma que o mesmo passa a ser inimigo capital da entidade Recorrente, ao passo que o depoimento de sua testemunha seria baseado na verdade, digno de toda a confiança, uma vez que estava sob compromisso, e apenas depôs de fatos que ele presenciou, não falando nada além, nada aquém do que participou.

Razão não lhe assiste, porém.

Ab initio, observa-se que ambas as testemunhas ouvidas prestaram o compromisso legal, não prosperando, portanto, a argumentação nesse sentido, devendo-se ressaltar que, muito embora a testemunha do autor tenha sido contraditada, porque seria “amigo íntimo” deste, a contradita não restou comprovada nos autos, tendo sido a mesma formalmente compromissada.

Feita a observação, é certo que também não prospera a alegada “suspeição” desse depoimento, ao fundamento de que a testemunha desligou-se da Recorrente, de forma que o mesmo passa a ser inimigo capital da entidade Recorrente, na medida em que nada foi aduzido a respeito, por ocasião da audiência.

De outra parte, absolutamente equivocada a assertiva de que a testemunha da recorrente apenas depôs de fatos que ele presenciou, não falando nada além, nada aquém do que participou. Basta uma simples leitura do aludido depoimento para se observar que não se trata de testemunha presencial dos fatos, sendo certo que a mesma não fez qualquer referência específica à reunião realizada em São Paulo, na qual o reclamante afirmou que teria sido vítima de ofensas pelo pastor Romualdo.

Com efeito, a mesma limitou-se a declarar que participou de reuniões em que o reclamante esteve presente, ou seja, reuniões diversas, e que nunca presenciou o reclamante sendo ofendido pelo Pastor Romualdo (fls. 32).

A testemunha do autor, de sua parte, fez referência expressa à reunião feita na Capital, afirmando que presenciou a agressão verbal sofrida pelo reclamante, feita pelo Bispo Romualdo Panceiro, e que consistiu em chamar os pastores que não atingiram as metas de “preguiçosos, endemoniados, perturbados, malandros”, ou seja, essa testemunha sim é quem presenciou os fatos, e não a testemunha da recorrente.

Feitas essas considerações, temos que agiu com acerto o MM. Juízo a quo, ao desconsiderar o depoimento da testemunha da reclamada, acolhendo aquele prestado pela testemunha do autor, muito embora a questão em relevo não seja o fato de a mesma ser ou não freqüentadora da igreja, mas sim de não se tratar de testemunha presencial dos fatos, pelo que se depreende dos termos de seu depoimento.


De outra parte, observa-se que o fato de o reclamante haver declarado, em seu depoimento pessoal, na reclamatória anteriormente ajuizada, que apenas foi dispensado pelo bispo Romualdo que não lhe deu qualquer razão para essa dispensa (fls. 16), não descaracteriza e tampouco afasta a pretensão deduzida nestes autos.

Como bem observou o MM. Juízo a quo, não se discutem neste feito os motivos da dispensa do autor e tampouco discriminação sofrida durante seu ministério, mas apenas os fatos ditos ocorridos em reunião pouco antes de sua saída da reclamada (fls. 91, 2º parágrafo, grifo nosso).

É certo que restou bem comprovado nos autos que, na aludida reunião, o reclamante foi vítima de diversos epítetos ofensivos à sua pessoa, tendo sido chamado de “preguiçoso, endemoniado, perturbado, malandro”, restando evidente a repercussão de tais ofensas em sua honra e imagem pessoal, máxime tendo sido proferidas diante de “centenas de pastores”, e, inclusive, de sua esposa, conforme consta do depoimento da testemunha Roberto.

Abstração feita à questão relativa aos fins da entidade recorrente – se econômicos ou religiosos -, a qual não está em discussão neste feito, é certo que pessoa alguma, no exercício de seu poder hierárquico, está autorizada a ofender a outrem, sendo imperativo o respeito mútuo nas relações humanas, máxime em se tratando de uma instituição religiosa, como a reclamada alega ser.

Com efeito, o poder de direção e fiscalização do empregador não o autoriza a avançar por sobre a honra e a imagem das pessoas, causando-lhes constrangimentos e vulnerando a dignidade humana.

Destarte, a indenização por danos morais é medida de rigor, como forma de compensação pela dor e sofrimento íntimos causados ao reclamante, tal como restou decidido na origem (fls. 90/92).

De outra parte, no que concerne ao valor, observa-se que uma das questões de maior complexidade nessa matéria é justamente a fixação do pretium doloris. Quando se trata de dano patrimonial, é de fácil aferição o valor de reposição do bem atingido. Todavia, no dano moral, a correspondência entre a ofensa e o dano é bem mais difícil, requerendo ponderação e bom-senso do julgador, a fim de que não se cometam excessos, como nos Estados Unidos, onde existe uma quantidade infindável de aventuras judiciais, por meio dos chamados punitive damages, fruto de estarrecedoras decisões dos pretórios americanos.

In casu, contudo, não se verifica qualquer excesso no valor arbitrado pelo MM. Juízo a quo, no importe de R$50.000,00, tendo o mesmo levando em conta “a necessidade de, com aquela quantia, satisfazer a dor do trabalhador e dissuadir de igual e novo atentado o autor da ofensa”, como bem dilucidado por Beatriz Della Giustina, em artigo inserto na Revista “Trabalho & Doutrina”, nº 10, Saraiva, p. 11. Ou, nas palavras de Carlos Alberto Bittar, “de bom alvitre analisar-se, primeiro, a) a repercussão na esfera de lesado, depois, b) o potencial econômico-social da lesante e c) as circunstâncias do caso, para finalmente se definir o valor da indenização, alcançando-se, assim, os resultados próprios: compensação a um e sancionamento a outro” (in “Revista do Advogado”, nº 44, p. 27).

Oportuno ressaltar-se que a ofensa moral, em sede trabalhista, praticada pelo empregador, há de ser considerada mais grave do que se cometida em outras situações, ou, pelo menos, em algumas outras situações, pois traduz abuso reprovável diante da inferioridade econômica do trabalhador e da possibilidade do desemprego, podendo mesmo, em determinados casos, resvalar para ato de desumanidade, o que, por seu turno, deve ser também considerado para a fixação do quantum indenizatório.

Acresça-se que o evento ofensivo jamais pode ser entendido como um simples fato, até porque, se o ofendido fosse o representante da reclamada, não aceitaria jamais tal tratamento por parte do autor, sendo que, à evidência, o comportamento da recorrente ultrapassou os limites da urbanidade e da razoabilidade para traduzir verdadeira agressão ao ser humano.

Assim, temos que a indenização imposta na origem foi fixada conforme as circunstâncias fáticas e as condições econômicas das partes, e há de se constituir em fator de desestímulo à pratica adotada pela ré.

Nega-se provimento, portanto, ao apelo da reclamada.

Outrossim, considerando-se a gravidade dos fatos noticiados nestes autos, determina-se a expedição de ofício ao Procurador Geral da Justiça para as providências que o mesmo entender cabíveis, o qual deverá ser instruído com cópias das principais peças processuais.

2 – DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

O reclamante não se encontra assistido pelo Sindicato de sua categoria.

Desse modo, não estão preenchidos os requisitos do artigo 14 da Lei nº 5.584/70, que regulamenta a matéria, no âmbito desta Justiça Especializada, razão pela qual tem-se por indevido o pagamento de honorários advocatícios.

A propósito da matéria, temos que o C. Supremo Tribunal Federal editou a Súmula nº 633, confirmando que a condenação em honorários advocatícios, nos processos trabalhistas, somente é cabível nas hipóteses previstas na lei supracitada.

Veja-se:

É incabível a condenação em verba honorária nos recursos extraordinários interpostos em processo trabalhista, exceto nas hipóteses previstas na Lei 5.584/70.

Acolhe-se, pois, o apelo da reclamada, no particular, para excluir do decreto condenatório o pagamento da verba em questão.

3 – DO IMPOSTO DE RENDA

Limitando-se a condenação ao pagamento de verba de natureza indenizatória, efetivamente não há incidência de contribuições previdenciárias e fiscais, tal como consta da r. decisão a quo (fls. 95), sendo absolutamente descabida – para não dizer ofensiva -, a alegação posta no apelo no sentido de que a sentença “incentiva a prática do crime de sonegação fiscal” (fls. 123, 2º parágrafo).

A par de nada acrescentar aos seus interesses, é certo que a expressão apenas confirma a característica da reclamada no sentido de agir de forma injuriosa, desbordando dos limites de urbanidade que devem nortear as relações sociais e, por óbvio, também as jurídicas.

Diante do exposto, decide-se conhecer do recurso ordinário interposto pela reclamada, e, no mérito, dar provimento parcial ao mesmo para excluir do decreto condenatório o pagamento de honorários advocatícios, nos termos da fundamentação supra.

Outrossim, determina-se a expedição de ofício ao Procurador Geral da Justiça para as providências que o mesmo entender cabíveis, o qual deverá ser instruído com cópias das principais peças processuais.

Rearbitra-se o montante condenatório em R$50.000,00 e as custas processuais em R$1.000,00, a cargo da reclamada, para fins recursais.

ANA PAULA PELLEGRINA LOCKMANN

Juíza Relatora

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