Apagão Aéreo

CCJ aprova recurso do PT contra criação da CPI do Apagão

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20 de março de 2007, 18h30

A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou, por 39 votos contra 29, o recurso do PT contra a instalação da CPI do Apagão Aéreo. A votação seguiu o relatório do deputado Colbert Martins (PMDB-BA).

O relatório de Martins teve como base jurídica argumentos apresentados pelo deputado e ex-juiz federal Flávio Dino (PCdoB/MA).

O Partido dos Trabalhadores alegou que o requerimento da CPI do Apagão Aéreo teria de ser suspenso por não haver fato determinado para sua criação. O relatório de Martins segue agora para votação no plenário da Câmara. O governo tem maioria no Plenário.

Os problemas essenciais apontados por Dino foram: ausência de fato determinado indicado no requerimento de instalação da CPI e a não existência de prazo nem de número de integrantes indicado para funcionamento da CPI.

Dino citou um estudo do ministro Celso de Mello, quando era promotor em 1983, para embasar sua tese. “Constitui verdadeiro abuso instaurar-se inquérito legislativo com o fito de investigar fatos genericamente enunciados, vagos ou indefinidos. O objeto da comissão de inquérito há de ser preciso”. Celso de Mello é quem irá analisar o requerimento se ele voltar ao Supremo Tribunal Federal.

Ao analisar os fatos determinados presentes no requerimento (seis ao todo), Dino se perguntou: “afinal, o que pretendem investigar os autores do requerimento?”. “Assim, em face dos defeitos apontados, é necessária a devolução do requerimento aos autores para que eles corrijam os vícios acima indicados, para tanto: a) delimitando claramente os fatos a serem apurados; b) indicando a composição numérica pretendida”, concluiu o deputado.

Leia voto do deputado

COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE CIDADANIA

RECURSO Nº 14 DE 2007

VOTO EM SEPARADO

1. Quanto ao cabimento do presente recurso

Dispõe o artigo 95 do Regimento Interno da Câmara que: “Considera-se questão de ordem toda dúvida sobre a interpretação deste Regimento, na sua prática exclusiva ou relacionada com a Constituição Federal”.

Já no § 8º do mesmo dispositivo está escrito que: “O Deputado, em qualquer caso, poderá recorrer da decisão da Presidência para o Plenário, sem efeito suspensivo, ouvindo-se a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, que terá o prazo máximo de três sessões para se pronunciar. Publicado o parecer da Comissão, o recurso será submetido na sessão seguinte ao Plenário”.

Assim, se o Presidente da Câmara, interpretando o Regimento Interno, considera presentes os requisitos necessários à criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, acerca de tal decisão pode ser suscitada questão de ordem. Esta, uma vez dirimida, pode ser reexaminada pelo Plenário, nos termos regimentais.

Argumenta-se, contra a existência desta via recursal, que ela equivaleria a submeter a criação de uma CPI à vontade da maioria, ignorando a sua essência de instrumento de exercício do direito das minorias parlamentares. Contudo, a conseqüência de tal raciocínio é absurda, isto é, havendo convergência de entendimentos entre o Presidente da Câmara e um terço dos parlamentares, aos demais deputados nada restaria a fazer, que não assistir à instalação da pretendida CPI. Vale dizer, em nome da proteção ao direito das minorias abrir-se-ia caminho para abusos, sem qualquer controle por parte da instância máxima do Parlamento. Esta concepção choca-se contra o artigo 5º, inciso LV, da Constituição: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. A aplicação deste preceito constitucional é imperativa, pois estamos diante de uma lide: um terço dos deputados tem uma pretensão (criar uma CPI), por considerar que estão caracterizados os requisitos regimentais para tanto; outros oferecem resistência contra essa pretensão – por entenderem que não estão presentes os citados requisitos. Há um “juiz natural” para dirimir a questão: o Presidente da Câmara. Este decidiu, logo o prejudicado tem o direito constitucional a obter um reexame, manejando o recurso estabelecido normativamente.

Outra linha de argumentação contra o conhecimento do recurso embasa-se no princípio da especialidade. Tal ponto de vista deriva do artigo 35, § 2º, do Regimento Interno: “Recebido o requerimento, o Presidente o mandará a publicação, desde que satisfeitos os requisitos regimentais; caso contrário, devolvê-lo-á ao Autor, cabendo desta decisão recurso para o Plenário, no prazo de cinco sessões, ouvida a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania”. Assim, como este dispositivo cuida somente da hipótese de indeferimento, pelo Presidente da Câmara, da criação da CPI, a hipótese oposta estaria automaticamente excluída. Novamente tal interpretação confronta-se com a Constituição, na medida em que é ínsita à noção de devido processo legal o princípio da “paridade de armas”. Ou seja, qualquer que seja o conteúdo do equívoco cometido pelo Presidente da Câmara, tal decisão não pode ser irrecorrível ou recorrível somente para uma das partes em litígio.


Mesmo que se cuidasse de debater o princípio da especialidade, este não geraria a inadmissão do recurso. Com efeito, estamos diante de uma situação que demanda a aplicação do que Bobbio denomina norma geral inclusiva: “…a característica da norma geral inclusiva é a de regular os casos não-compreendidos na norma particular, mas semelhantes a eles, de maneira idêntica. (Teoria do Ordenamento Jurídico, p. 136). Em reforço à incidência da “norma geral inclusiva”, lembramos o artigo 6º da Lei nº 1.579/52 o qual dispõe que as normas do processo penal são aplicáveis aos Inquéritos Parlamentares. Já o artigo 3º do Código de Processo Penal diz que a lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito. O uso destas técnicas conduz à admissão do recurso,

como já frisado.

Não existe razão para que se considere a hipótese de existência exclusiva de recurso “secundum eventum litis”. Este existe, é verdade, no artigo 35 do Regimento da Câmara, todavia sem elidir o recurso genericamente cabível nos termos do artigo 95 do mesmo diploma. Há ritos e prazos diferentes, somente isso, o que explica serem enfocados em partes distintas do Regimento.

Um aspecto merece realce: caso houvesse recurso somente em caso de indeferimento da criação da CPI, a interpretação sobre o Regimento, neste caso, ficaria ao alvedrio de um terço dos parlamentares e do Presidente da Câmara, o que violaria o princípio da colegialidade, próprio dos Tribunais e das Casas Parlamentares. Neste passo, pertinente lembrar o que dispõe, de modo acertado, o artigo 7º, inciso IV, do Regimento Interno do STF, ao estabelecer ser de competência do seu Plenário: “resolver as dúvidas que forem submetidas pelo Presidente ou pelos Ministros sobre a ordem do serviço ou a interpretação e a execução do Regimento”.

A admissão do recurso regimental, neste caso, não frustra o direito das minorias em ver criada uma CPI. Com efeito, o recurso regimental jamais poderá versar sobre a conveniência ou oportunidade da instauração do Inquérito Parlamentar, e sim somente quanto aos requisitos de legalidade, definidos à luz da interpretação do Regimento. O juízo discricionário sobre a instauração da CPI pertence a somente um terço dos parlamentares, sem que a maioria possa substituir este juízo por outro, opondo a sua vontade à da minoria. Contudo, quando da prática do ato vinculado de criação, de competência do Presidente da Câmara, é cabível o controle da validade da sua atuação, cotejando-se aquele com os requisitos estabelecidos normativamente. Cuida-se, desta maneira, de situação similar ao controle jurisdicional sobre os atos administrativos discricionários: não há incursão quanto ao mérito, mas há plena sindicabilidade no tocante aos requisitos de validade do ato praticado.

O Senado já enfrentou situação similar, ocasião em que a sua Comissão de Constituição e Justiça proferiu o Parecer nº 131, de 1996, do qual destacamos o seguinte trecho:

“Assim, o Regimento determina que ao Presidente compete impugnar proposições e anti-regimentais. Para levar a efeito essa atribuição regimental, necessariamente, Sua Excelência deverá verificar se as proposições inconstitucionais e anti-regimentais. Para levar a efeito essa atribuição regimental, necessariamente, Sua Excelência, deverá verificar se as proposições que lhe são dirigidas, são ou não constitucionais e regimentais. Não pode, data venia, acolhê-las liminarmente sem qualquer exame, em flagrante violação ao disposto no art. 48, item 11 do Regimento Interno.

A propósito, ressalte-se que o poder atribuído ao Presidente desta Casa pelo dispositivo em tela não é mera faculdade, que ele cumpre ou deixa de cumprir ao seu alvedrio, mas um poder-dever.

A propósito, na lição de Hely Lopes Meirelles, os poderes atribuídos às autoridades públicas são suscetíveis de renúncia pelo seu titular. Tal atitude importaria em fazer liberalidades com o direito alheio. (Cf . Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros Editores, 1993).

Não é diferente a doutrina sobre o tema do juízo de admissibilidade em outros ramos do Direito pátrio. Prevê este que quando uma petição inicial inobserva certos pressupostos de fundo e de forma, deve ser declarada inepta, ou seja deve ser rejeitada liminarmente, não produzindo efeito algum. A esse respeito, Antonio Cláudio da Costa Machado leciona que o indeferimento da petição inicial inepta é um dever do magistrado, e não uma faculdade. (cf. Código de Processo Civil Interpretado, ed. Saraiva, 1993, p. 242)

.

Tal como em sede de Direito Civil, também em Direito Penal impõe-se o juízo de admissibilidade. Veja-se o art. 43 do Código de Processo Penal que determina a rejeição da denúncia ou da queixa quando o fato narrado não constituir crime, quando já estiver extinta a punibilidade pela prescrição ou outra causa ou for manifesta a ilegitimidade da parte ou falta condição exigida pela lei.

Constatado, pois, que cabe juízo de admissibilidade de requerimento de criação de comissão parlamentar de inquérito, cabe a questão: quais os pressupostos de inadmissibilidade de CPI?

A resposta a esta questão está consignada no art. 58, § 3º, da Constituição Federal e no art. 145, §1º do RISF: fato determinado, número de membros da comissão, prazo de duração da comissão e limite das despesas a serem realizadas”.


Finalmente, deve ser acentuado que a admissão do recurso presta-se a que se viabilize um adequado balanceamento de valores em conflito: de um lado, os direitos fundamentais das minorias parlamentares; de outro, direitos de igual estatura, titularizados pelos demais parlamentares e pelos potenciais destinatários das atividades da CPI. Estes, que serão investigados por uma Comissão com poderes tão largos quanto os exercidos pelas autoridades judiciais, têm direito a um devido processo – que só é possível se o seu ato inaugural for livre de vícios.

2. Quanto ao mérito do recurso

O eminente Presidente da Câmara equivocou-se na interpretação do Regimento, no tocante à presença dos requisitos para a criação da CPI em foco, como veremos.

A) Sobre a inexistência de fatos determinados

O requerimento da criação da CPI diz, inicialmente, que ela se destina a “investigar as causas, conseqüências e responsáveis pela crise do sistema de tráfego aéreo brasileiro, chamada de “apagão aéreo”, desencadeada após o acidente aéreo ocorrido no dia 29 de setembro de 2006, envolvendo um Boeing 737-800, da Gol (vôo 1907) e um jato Legacy, da América ExcelAire, com mais de uma centena de vítimas”. Mais adiante, no item 3, é elucidado o que se considera objeto da investigação: “A crise inclui, além dos aspectos ligados à segurança do tráfego aéreo, outros ligados à infra-estrutura aeroportuária, àqueles ligados aos consumidores e companhias aéreas (atrasos de vôos, overbooking, cancelamentos de vôos, entre outros), além de casos estranhos como panes que paralisaram vários aeroportos importantes por horas.”

O artigo 35, § 1º, do Regimento Interno assim conceitua “fato determinado”: “ Considera-se fato determinado o acontecimento de relevante interesse para a vida pública e a ordem constitucional, legal, econômica e social do País, que estiver devidamente caracterizado no requerimento de constituição da Comissão”.

Dentre muitas lições doutrinárias existentes sobre o tema, merecem destaque as palavras de Pontes de Miranda:

“ A determinação do fato foi exigida pela Constituição de 1946, art. 53, como pela Constituição de 1934, art. 36.

(d) Determinado o fato, a pergunta ( e todo inquérito contém pergunta implícita ou explícita) pode ser:

a) No plano da existência: se houve o fato ou se não houve.

b) No plano da legalidade; e.g., se o fato compõe determinada figura penal ou ato ilícito civil (ou administrativo).

c) No plano da topografia: onde se deu o fato.

d) No plano do tempo: quando se deu o fato.

e) No plano da quantitatividade; e. g., se houve redução do fato, ou a quanto sobe o prejuízo.

Não se pode abrir inquérito, com base no art. 37, sobre crises, in abstracto”. (Comentários à Constituição de 1967, V. 3 p. 50).

Em estudo clássico sobre o assunto, publicado em 1983, o então Promotor José Celso de Mello Filho, hoje ilustrando o STF, ressaltava que: “Constitui verdadeiro abuso instaurar-se inquérito legislativo com o fito de investigar fatos genericamente enunciados, vagos ou indefinidos. O objeto da comissão de inquérito há de ser preciso”. (Justitia, São Paulo, 45[121]:155-160, abr./jun. 1983)

Mais recentemente, o ilustre jurista Fábio Konder Comparato, reconhecido como combatente das causas democráticas, lecionou:

“No tocante ao segundo requisito de conteúdo para a criação de comissões parlamentares de inquérito, qual seja, a precisa determinação da matéria a ser investigada, não é difícil perceber que se trata de exigência diretamente ligada à natureza coercitiva dos poderes de investigação de que desfrutam tais comissões.

Com efeito, enorme seria o risco de abuso de poder parlamentar se uma comissão dessa natureza fosse criada para investigar fatos abstratos, ou situações de

contornos indefinidos

.

O Legislativo estaria dando a si próprio plenos poderes para inquirir quaisquer pessoas sob pena de condução coercitiva ou de prisão, ou para requisitar quaisquer documentos ou fazer exames e vistorias onde bem entendesse, conforme os interesses pessoais ou partidários dos parlamentares. Os agentes políticos, funcionários públicos, empresas ou cidadãos, sujeitos a tais constrangimentos, não teriam nenhum dado ou parâmetro objetivo, sobre que se fundar, para uma recusa de cumprir ordens emanadas da comissão. A periclitação das liberdades fundamentais seria irrecusável” ( Revista Trimestral de Direito Público nº 5, Malheiros Editores, p. 70-71)

Tendo como premissa maior tais assertivas, vejamos os “fatos determinados” enunciados no requerimento em tela:

1. O grave acidente aéreo ocorrido no dia 29 de setembro de 2006;

2. Aspectos ligados à segurança do tráfego aéreo;

3. Outros [aspectos] ligados à infra-estrutura aeroportuária;

4. Aqueles [aspectos] ligados aos consumidores;

5. Aqueles [aspectos] ligados às companhias aéreas:

5.1. atrasos de vôos

5.2. overbookings

5.3. cancelamentos de vôos

5.4. “entre outros”

6

6. Casos estranhos (sic) como panes que paralisaram vários aeroportos importantes por horas.


À vista deste rol, e dos ensinamentos doutrinários lançados, como não identificar o vício de ausência de indicação do fato determinado ? Afinal, o que pretendem investigar os autores do requerimento ? Nem mesmo de uma delimitação básica de quem serão os investigados cuidou adequadamente o requerimento. Poderiam ser:

1. controladores de vôo;

2. servidores militares;

3. pilotos e demais tripulantes;

4. consumidores;

5. agências de viagem;

6. companhias aéreas, nacionais e estrangeiras;

7. diretores da INFRAERO;

8. diretores da ANAC;

9. empresas privadas que executam obras em aeroportos;

10. empresas que prestam serviços em aeroportos;

11.fornecedores de radares;

12. empresas de informática;

13. fabricantes de aviões;

14. “entre outros”.

Ou seja, estar-se-ia diante de uma autêntica Comissão Geral de Investigação (CGI), sem fundamento constitucional e incompatível com o Estado Democrático de Direito.

B) Sobre a não indicação da composição da Comissão

O requerimento também não atendeu ao disposto no artigo 35, § 5º, do Regimento da Câmara. Não se trata de uma formalidade menor, uma vez que a composição numérica influencia diretamente na proporcionalidade partidária prevista no artigo 58, § 1º, da Constituição. Menos será possível o alcance da desejada proporcionalidade entre todos os partidos, quanto menor for o número de membros da Comissão. Daí porque a composição numérica deve estar indicada no requerimento pelos seus autores, a fim de permitir que os parlamentares adiram sabedores de qual será a representatividade da pretendida CPI.

3. As conseqüências dos vícios indicados

As CPIs têm poderes próprios das autoridades judiciais, o que implica a observância de um regime de garantias similar ao estatuído em favor dos partícipes de um processo judicial. Assim não fosse, o Legislativo, ao exercer uma função que lhe é atípica (investigar), teria mais poderes do que o ramo do Estado primariamente encarregado de executar tal função, quebrando a unidade da Constituição. Poderes, garantias e ônus andam de mãos dadas em uma ordem constitucional democrática.

Assim, em face dos defeitos apontados, é necessária a devolução do requerimento aos autores para que eles corrijam os vícios acima indicados, para tanto:

a) delimitando claramente os fatos a serem apurados;

b) indicando a composição numérica pretendida;

Há a possibilidade de correção do requerimento, desde que com ela concordem os seus subscritores. Com efeito, dispõe o artigo 6º da Lei nº 1.579/52, que as normas do processo penal são aplicáveis aos Inquéritos Parlamentares. Já o artigo 3º do Código de Processo Penal diz que a lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito. Neste passo, considero que deve ser dada aos subscritores a possibilidade de emenda do requerimento, por aplicação analógica do artigo 284 do CPC, seguindo-se novo juízo de admissibilidade pelo Exmo. Presidente da Câmara.

É como voto.

Sala da Comissão, de março de 2007.

Deputado FLÁVIO DINO

PCdoB/MA

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