Atraso permitido

Alvará de soltura dado sexta-feira pode ser cumprido segunda

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20 de março de 2007, 15h18

Se um preso consegue alvará de soltura numa sexta-feira, ele pode ser solto na segunda-feira. Isso não significa que a ordem foi descumprida. Pelo menos foi o que entendeu a juíza substituta Camila Sani Pereira Quinzani, na época na 3ª Vara da Fazenda Pública. Ela livrou o Estado de São Paulo de indenizar um ex-preso pelo atraso de três dias para se cumprir um alvará de soltura.

Carmine Bracale Filho sentiu na carne que o Estado não tinha a mesma pressa dele. Condenado, cumpriu pena privativa de liberdade na Penitenciária de Irapuru, na região de Taubaté, em São Paulo. Conseguiu na Justiça a substituição da pena mais dura por uma restritiva de direitos. O Judiciário expediu alvará de soltura com data de 15 de julho de 2005. No entanto, a ordem só foi cumprida às 9h51 de 18 de julho. Carmine ficou bravo, revoltado, porque teve que amargar mais três dias preso, longe da família.

Entendeu que tinha direito de reclamar. Ele pensou que, em pleno século XXI, a Administração Pública tinha que ser mais rápida no cumprimento de uma decisão judicial. Resolveu bater novamente às portas da Justiça para fazer valer seu direito. Pediu indenização por danos morais. Achou que deveria receber 300 salários mínimos como recompensa pelo sofrimento daqueles três dias intermináveis que passou a mais na Penitenciária.

Seu raciocínio foi o de que houve omissão por parte do Estado, representado no caso pela Secretaria da Administração Penitenciária, que não teria cumprido de modo adequado a ordem do Judiciário. Ou seja, para Carmine, no mínimo, a Administração Pública teria que ser responsabilizada pela falta do serviço ou pelo serviço mal feito, inadequado e tardio.

“Nós pagamos impostos, cumprimos nosso dever de cidadão e temos o direito que o Estado preste serviço de forma adequada como manda a lei”, afirmou a advogada Maria de Lourdes Amaral, que defende Carmine.

O Estado contestou os argumentos de Carmine. Sustentou que ele estava enganado, que não houve dano moral porque o alvará de soltura foi apresentado numa sexta-feira e o réu solto três dias depois. Para os advogados que defendem o governo, mesmo com a demora, o Poder Público agiu dentro do estrito cumprimento do dever legal.

A Justiça não pensou como o ex-preso. Raciocinou como o Estado. A juíza Camila Sani Pereira Quinzani reconheceu que a ordem judicial não foi cumprida de imediato, mas justificou que o processamento de um alvará muitas vezes impossibilita o cumprimento rápido da ordem.

“É preciso verificar a procedência do alvará, a autenticidade da assinatura do juiz, se há outro processo com mandado de prisão, fazer a triagem dos presos, enfim, diligenciar para que a ordem seja cumprida corretamente, o que por si só já torna praticamente impossível seu cumprimento imediato”, justificou a juíza.

Ela afirmou, ainda, que a ordem para soltar o preso foi expedida numa sexta-feira e que foi cumprida logo na manhã da segunda-feira. Para a juíza, esse fato levaria a conclusão de que não houve negligência no cumprimento da decisão e não se pode falar de ilegalidade da parte da autoridade que cumpriu a ordem de soltura. A juíza considerou “razoável” o prazo de três dias entre a decisão e a soltura do preso.

“O que não seria razoável é uma demora injustificada no cumprimento da ordem, transcorrendo um grande período de tempo até a soltura do preso, pois nenhum cidadão pode ser penalizado pela ineficiência estatal, devendo o Estado diligenciar para o cumprimento em prazo razoável das ordens emanadas do Poder Judiciário”, completou a juíza.

A sentença é de 11 de outubro do ano passado. À defesa de Carmine só restou recorrer ao Tribunal de Justiça paulista. O recurso foi recebido pela 3ª Vara da Fazenda Pública, que mandou o processo subir para a segunda instância. Também por causa da burocracia os autos ainda não chegaram ao destino.

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