Prejuízo a cotistas

Alteração de sociedade deve ser registrada na Junta Comercial

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20 de março de 2007, 10h44

A mudança de sócio sem o devido registro na Junta Comercial pode ser prejudicial a todos os cotistas, caso a alteração seja usada para lesar terceiros. O entendimento é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que reconheceu recurso do Banco Bradesco contra sócios da empresa Vieira Dois Derivados de Madeiras Indústrias e Comércio.

A empresa tinha como único sócio-gerente Ronaldo Vieira Novaes. Entre agosto de 1992 e maio de 1993, mais de trinta transações bancárias em nome da empresa foram feitas pelo sócio Lemin Vieira Lemos, embora a procuração que lhe fora outorgada exigisse a presença de ambos para que as operações pudessem ser realizadas.

Depois de uma alteração contratual que admitiu Lemin como sócio e com nova procuração, o banco executou vários negócios com ele, que fez empréstimos por meio de contratos de capital de giro e movimentou a conta corrente na qual eram creditados os valores. Ronaldo Novaes assinou os contratos e comprovou como autêntica a comunhão com os interesses. Ele compareceu, inclusive, como devedor solidário e avalista.

Começou aí um conflito gerado entre a primeira e a segunda procuração outorgada a Lemin Vieira. A declaração anterior lhe conferia poderes para agir especialmente perante instituições bancárias somente em conjunto com o sócio-gerente, Ronaldo Novaes. A primeira alteração contratual, feita após outorgada a procuração, admitia-o como membro da sociedade com a gerência exercida por todos os sócios, em conjunto ou individualmente.

Os cotistas não concordaram em pagar o débito e alegaram que o banco não poderia ter aprovado os empréstimos. Diante da sentença, o banco apresentou embargos de declaração. Pretendia o reconhecimento de que a alteração contratual tornou os poderes da primeira procuração implicitamente revogados. O juiz entendeu que a alteração contratual era válida, uma vez que foi assinada por Ronaldo Novaes, sócio-gerente da empresa. No entanto, observou que Lemin possuía uma procuração que lhe dava poderes para atuar como gerente apenas se assinasse em conjunto com ele. Por isso, não poderia ter aprovado as mais de trinta operações sem a assinatura de Ronaldo.

Em segunda instância, concluiu-se que o banco agiu de forma descuidada, por mau funcionamento dos seus serviços e trouxe evidente prejuízo à empresa. Para o tribunal, o Bradesco se equivocou ao considerar um aditivo contratual sem nenhuma validade quanto à lei especial que rege as sociedades comerciais. O banco recorreu ao STJ.

Argumentou que as ações executadas foram legais pelo fato de ter sido feita a alteração contratual na empresa, que admitiu Lemin como sócio, para atuar conjunta ou individualmente em nome e segundo os interesses da sociedade. De posse de tais documentos, o gerente da agência permitiu que, além do sócio- gerente, também o sócio Lemin Vieira realizasse todos os negócios com o banco.

O relator, ministro Ari Pargendler entendeu que a alteração contratual não legitima as atitudes de Lemin junto ao banco, nem autoriza que ele possa receber empréstimos sem consulta aos demais sócios ou que pratique atos unilateralmente em nome da empresa.

O ministro recomendou que a sociedade responda pelos atos de seu “aparente” sócio, condição de que Lemin Vieira só pôde apoderar-se com o consentimento do gerente-sócio, Ronaldo Vieira. A empresa foi condenada a pagar as custas e honorários do advogado de 15% do valor da causa, corrigidos monetariamente.

Leia a decisão:

RECURSO ESPECIAL Nº 419.405 – ES (2002⁄0028693-3)

RELATÓRIO

EXMO. SR. MINISTRO ARI PARGENDLER (Relator):

Nos autos de ação de depósito proposta por Vieira Dois Derivados de Madeiras Indústria e Comércio Ltda. contra o Banco Bradesco S⁄A (fls. 02⁄10), o MM. Juiz de Direito Dr. Robson Luiz Albanez julgou improcedente o pedido, destacando-se na sentença os seguintes trechos:

“O ponto controvertido do feito reside no fato de se o Sr. Lemin Vieira Lemos agiu perante o banco réu na qualidade de sócio-gerente da autora ou somente de procurador com poderes gerais de gerência sempre em conjunto com o Sr. Ronaldo Vieira Novaes.

…………………………………………………

A matéria, entretanto, foi deslindada na audiência de instrução e julgamento, de fls. 94⁄96, onde foi tomado o depoimento pessoal do sócio-gerente Ronaldo Vieira Novaes.

Às fl. 94, no corpo do Termo de Audiência devemos transcrever trecho que soluciona a questão de ser, ou não, sócio da autora o Sr. Lemin, senão vejamos:

‘… os Drs. Procuradores das partes, de comum acordo, estabeleceram que será tomado o depoimento pessoal do representante legal do autor que se acha presente, ficando dispensado o depoimento pessoal do outro representante legal da autora, Sr. Lemin Vieira Lemos…’

Já no depoimento pessoal do representante legal da autora, Sr. Ronaldo Vieira Novaes, presente às fls. 96, expressamente afirma que:


‘… tem conhecimento do contrato de fls. 55⁄57, inclusive afirma que a assinatura nele contida é de sua lavra…’

O contrato de fls. 55⁄57 dos autos é, exatamente, a alteração contratual da firma Vieira Dois Derivados de Madeiras – Indústria e Comércio Ltda., onde o Sr. Lemin entra na sociedade na qualidade de sócio com poderes de gerência.

Ora, não me resta qualquer dúvida de que a alteração contratual foi formalizada através de instrumento particular presente às fls. 55⁄57 e entregue no banco réu para os procedimentos administrativos normais e que, posteriormente, não foi registrada no órgão pertinente. Só que da modificação dos sócios não foi cientificado o banco.

…………………………………………………

Quem agiu de forma temerária foi exatamente a autora que forneceu dados incorretos e inverídicos ao ‘réu’ quanto ao essentialia negotii, ocasionando no erro por parte da instituição financeira” (o sublinhado é do texto original, fls. 155⁄157).

O tribunal a quo, Relator o Desembargador Carlos Simões Fonseca, reformou a sentença (fls. 193⁄198).

Lê-se no julgado:

“De forma que, em caso de contradição entre a situação de fato, real, e a não comprovação do registro, prevalece o efeito da exigência deste, ou seja, não tendo eficácia erga omnes o aditivo de alteração contratual da sociedade comercial não registrado no órgão competente, como é o caso dos autos, tal não legitima as atitudes do censurado sócio junto ao banco apelado, e nem autoriza a que este pudesse conceder-lhes empréstimos sem consulta aos demais sócios da apelante, ou aceitar que praticasse atos, unilateralmente, em nome da empresa que, a rigor, não representava isoladamente, movimentando a conta-corrente desta e efetuando saques em seu favor, considerando que, nesse caso, estava ainda prevalecendo, perante o banco apelado, o instrumento público de mandato originário que não fora expressamente revogado.

Forçoso é reconhecer, ante tais argumentos, que o banco apelado agiu descuidadamente, por mau funcionamento dos seus serviços, dando causa a que os fatos tivessem o desfecho como o narrado nos autos, com evidentes prejuízos para a autora” (fls. 197⁄198).

Banco Bradesco S⁄A opôs embargos de declaração, reclamando pronunciamento “quanto à confissão do representante legal da autora, principal matéria abordada pela r. sentença de primeiro grau e pelas contra-razões de apelação” (fl. 200).

Os embargos de declaração foram rejeitados, mas, não obstante isso, o tema foi enfrentado nestes termos:

“… o representante legal apenas afirmou à fl. 96 ser dele a assinatura aposta na 1ª alteração do contrato social de fls. 55⁄57 e que ele ‘tinha poderes para gerenciar, já que era sócio-gerente da referida empresa que, entretanto, o Sr. Lemin Vieira Lemos possuía uma procuração que lhe dava poderes para atuar como gerente, assinando em conjunto com o depoente, fato este que não foi observado com o devido cuidado pelo embargante.

Assim, equivocou-se o embargante ao considerar um aditivo contratual sem nenhuma validade quanto à lei especial que rege as sociedades comerciais, ou seja, as regras contidas no Código Comercial. Pela mesma razão, não cabe perquirir nesta ação, em específico, que seja observada a aplicação do art. 20, § 2º, e art. 1.366, ambos do Código Civil” (fls. 208⁄209).

Daí o presente recurso especial, interposto pelo Banco Bradesco S⁄A com base no art. 105, inc. III, letra a, da Constituição Federal, por violação dos arts. 20, § 2º, e 1.366 do Código Civil de 1916, bem como do art. 348 do Código de Processo Civil (fls. 211⁄217).

RECURSO ESPECIAL Nº 419.405 – ES (2002⁄0028693-3)

VOTO

EXMO. SR. MINISTRO ARI PARGENDLER (Relator):

Os temas emergentes dos arts. 20, § 2º, e 1.366 do Código Civil de 1916 foram prequestionados explicitamente (fl. 209) e, salvo melhor juízo, mal dimensionados pelo tribunal a quo.

A alteração social sem o respectivo arquivamento na Junta Comercial pode ser oposta aos quotistas da sociedade se ela é usada para lesar terceiros.

Aqui isso ocorreu, adredemente preparado ou não.

Num primeiro momento, desde que acolitado pelo sócio-gerente de Vieira Dois Derivados de Madeiras Indústria e Comércio Ltda., Lemin Vieira Lemos estava autorizado por procuração a representar os interesses da aludida sociedade perante o Banco Bradesco S⁄A, in verbis:

“Depreende-se dos autos que a apelante, através do seu sócio-gerente Ronaldo Vieira Novaes, outorgou à procuração de fls. 14⁄15 ao Sr. Lemin Vieira Lemos, amplos e gerais poderes de administração, assinando em conjunto com o mencionado sócio-gerente outorgante, para praticar todos os atos que ali estão pormenorizadamente descritos…” (fl. 194).

Num segundo momento, mediante a alteração contratual de fls. 56⁄57, que investiu Lemin Vieira Lemos na condição de sócio-gerente, este passou a representar aquela sociedade isoladamente, in verbis:


“A empresa apelante exercitou vários negócios com o apelado, contraindo empréstimos através de contratos de capital de giro, mantendo conta-corrente na qual eram creditados os valores, conforme os contratos celebrados.

Para que isso se formalizasse, segundo o que está escrito na própria contestação à fl. 47 que, além do sócio Ronaldo Vieira Novaes, também compareceu, assinando, o sócio Lemin Vieira Lemos, numa comprovação autêntica de comunhão com os interesses da sociedade, eis que compareceu, inclusive, como devedor solidário e avalista, também respondendo, pessoalmente, com seus bens particulares.

Justifica o banco apelado a legalidade de suas atitudes, pelo fato de ter sido feita alteração contratual na empresa apelante, que o admitiu como sócio, para atuar conjunta ou individualmente em nome e nos interesses da sociedade, nos termos da cláusula segunda do instrumento de alteração contratual cuja cópia encontra-se às fls. 55⁄57 e, de posse de tais documentos, o gerente da agência permitiu que, além do sócio Ronaldo Vieira Novaes, também o sócio Lemin Vieira Lemos realizasse todos os negócios com o banco, movimentando a conta-corrente da empresa, em conjunto ou individualmente.

Assim, tem-se o confronto entre a anterior procuração outorgada ao Sr. Lemin Vieira Novaes [sic, o correto seria Lemos], para agir especialmente perante instituições bancárias somente em conjunto com o sócio-gerente Ronaldo Vieira Novaes, e a cláusula segunda do instrumento da primeira alteração contratual feita após outorgada a procuração ao referido procurador, admitindo-o como membro da sociedade, com a gerência sendo exercida por todos os sócios, em conjunto ou individualmente, para se concluir se, com isso, os poderes daquela procuração ficaram implicitamente revogados.

A ação tem por fundamento diversas transações bancárias efetuadas unilateralmente pelo Sr. Lemin Vieira Lemos junto ao banco apelado, em nome da apelante, embora a procuração que lhe fora outorgada pelo único sócio-gerente, Sr. Ronaldo Vieira Novaes, exigisse a presente em conjunto de ambos, para que isso ocorresse” (fls. 194⁄195).

Admitindo a existência da alteração social enquanto documento particular, o tribunal a quo enfrentou assim a questão:

“De forma que, em caso de contradição entre a situação de fato, real, e a não comprovação do registro, prevalece o efeito da exigência deste, ou seja, não tendo eficácia erga omnes o aditivo de alteração contratual da sociedade comercial não registrado no órgão competente, como é o caso dos autos, tal não legitima as atitudes do censurado sócio junto ao banco apelado, e nem autoriza a que este pudesse conceder-lhes empréstimos sem consulta aos demais sócios da apelante, ou aceitar que praticasse atos, unilateralmente, em nome da empresa que, a rigor, não representava isoladamente, movimentando a conta-corrente desta e efetuando saques em seu favor, considerando que, nesse caso, estava ainda prevalecendo, perante o banco apelado, o instrumento público de mandato originário [que] não fora expressamente revogado” (fl. 197).

Data venia, em relação a terceiros, “a situação de fato, real” (fl. 197) prevalece sobre a falta do arquivamento da alteração social, nos termos do art. 1.366 do Código Civil de 1916:

“Art. 1.366 – Nas questões entre os sócios, a sociedade só se provará por escrito; mas os estranhos poderão prová-la de qualquer modo.”

Trata-se de corolário do princípio estabelecido no art. 20, § 2º, do mesmo Código, segundo o qual as sociedades de fato não podem acionar terceiros, “mas estes poderão responsabilizá-las por todos os seus atos”.

Fosse um episódio isolado, até seria o caso de temperar a aplicação das aludidas normas legais.

Mas o acórdão se refere “a diversas transações bancárias” (fl. 195), um quase eufemismo para indicar as mais de trinta operações bancárias arroladas na peça que instruiu a petição inicial, realizadas entre 05 de agosto de 1992 e 18 de maio de 1993 (fl. 25).

Tudo, salvo melhor juízo, a recomendar que a sociedade responda pelos atos de seu “aparente” sócio, condição que Lemin Vieira Lemos só pôde arrogar-se com o concurso de Ronaldo Vieira Novaes, sócio-gerente de Vieira Dois Derivados de Madeiras Indústria e Comércio Ltda., que assinou a respectiva alteração social e permitiu que uma de suas cópias circulasse, enganando terceiros.

Voto, por isso, no sentido de conhecer do recurso especial para julgar improcedente a ação de depósito, condenando Vieira Dois Derivados de Madeiras Indústria e Comércio Ltda. ao pagamento das custas e honorários de advogado à base de 15% do valor da causa, corrigido monetariamente.

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