Consultor Jurídico

Brasil precisa de revolução moral, diz Lino Machado

19 de março de 2007, 0h00

Por Irineu Tamanini

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Defensor durante o regime militar de mais de quatrocentos presos políticos, inclusive do engenheiro e deputado Rubens Paiva e do líder estudantil Onestino Guimarães, assassinado em 1973 aos 26 anos – o decano dos advogados que atuam na Justiça Militar no Brasil, Lino Machado Filho esteve na última sexta-feira (16/3) em Brasília para prestigiar a posse do novo presidente do Superior Tribunal Militar (STM), brigadeiro Henrique Marini.

Aos 85 anos, ainda advogando após mais de 60 anos de carreira, Lino Machado afirmou que o Brasil precisa urgentemente de uma revolução. “Precisamos de uma revolução de pensamento, de verdade e não essa fancaria de revolução. Precisamos de uma revolução de ordem moral, de ordem intelectual, revolução nas faculdades de Direito que, a meu ver, não estão formando e sim fabricando profissionais”.

Pai de um dos maiores advogados criminalistas no Rio de Janeiro, o atual conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Nélio Machado, Lino Machado não tem dúvidas em afirmar que é preciso dinamizar a Justiça no Brasil. “Há processos que dormitam em cima dos armários durante muito tempo. E Rui Barbosa já dizia: “Justiça brasileira tardinheira não é justiça”. Para ele, o agravamento da crise no país tem muito a ver com a “fraqueza” do Poder Judiciário. No entanto, Lino Machado tem esperanças de ver ainda uma justiça melhor. “Estou com 85 anos e quero ver alguma coisa de novo.”

Aluno no curso de Direito da Universidade Nacional de Direito no Rio de Janeiro, professor, advogado, jornalista, deputado federal, ex-ministro da Fazenda e das Relações Exteriores, Lino Machado viveu uma parte de sua vida no Maranhão onde se elegeu vereador e deputado federal pelo Partido Republicano. No golpe militar de 1964 deixou o partido e se transferiu para o MDB. Durante o regime militar defendeu centenas de presos políticos, inclusive vários envolvidos no seqüestro dos embaixadores da Alemanha e da Suíça.

Na tribuna do Superior Tribunal Militar (STM), Lino Machado atuou ao lado de figuras como os juristas Sobral Pinto, Augusto Sussekind de Moraes Rego e Evandro Lins e Silva, além do atual decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Sepúlveda Pertence e o atual ministro do próprio STM, Flávio Bierrenbach – que além de advogado, foi deputado federal e chegou a ser réu no próprio tribunal militar.

Lino Machado compartilhou também a tribuna do advogado no STM com nomes como Heleno Fragoso, Evaristo de Morais, Nilo Batista, Marcelo Cerqueira, e com os conselheiros federais da OAB Nélio Machado, seu filho, e Técio Lins e Silva.

Mesmo internado no Rio de Janeiro há vários dias recuperando-se de pequenos problemas de saúde, Lino Machado conseguiu uma “liminar” do seu médico e viajou para Brasília para prestigiar a posse do novo presidente do STM. Acompanhado de um advogado do escritório do filho e de uma enfermeira, Lino Machado assistiu atentamente a toda a cerimônia de posse e depois ainda participou do coquetel comemorativo da posse no térreo do tribunal.

Saudado por vários ministros, Lino Machado recebeu a demonstração de que até hoje é respeitado pela sua atuação profissional nos mais de 60 anos de carreira. Ele foi citado nominalmente no discurso de saudação ao novo presidente do STM e depois cumprimentado pessoalmente pelo atual presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto. “O doutor Lino Machado é um dos maiores orgulhos que a advocacia brasileira possui em toda a sua história”, afirmou Cezar Britto.

Antes de retornar ao Rio de Janeiro, o advogado Lino Machado Filho, que aos 85 anos ainda “cuida de alguns processinhos”, concedeu ao repórter Irineu Tamanini a seguinte entrevista:

Como o senhor analisa a Justiça Militar de hoje e do passado recente?

Lino Machado Filho — A Justiça Militar teve fases diferentes.Viveu uma época áurea de independência, uma época de justiça até acima da lei. Ela trouxe consigo mais de cem anos de existência e entre essas coisas um velho e antigo regimento interno que bania o sexo feminino de integrar a sua composição. Infelizmente um atraso de vida, até porque os outros tribunais do país se adiantaram a ela e nunca vestiram farda. Hoje, a Justiça Militar se redimiu com a nomeação da primeira mulher para ocupar uma das vagas do STM. Acredito que a Justiça Militar vai prosperar, terá uma nova concepção de igualdade. Igualdade entre homens e mulheres concorrendo a uma vaga nos tribunais.

O senhor que acompanhou todo esse período de regime militar no país. Como analisa a justiça que é feita hoje no país com relação aos crimes cometidos naquela época?

Lino Machado Filho — Defendi mais de quatrocentos presos políticos. A Justiça Militar foi bem melhor. Depois regrediu e agora está querendo tomar pé novamente. Com relação à justiça geral neste país é uma crise que estamos vivenciando: a morosidade de julgamentos, a demora da entrega dos processos para que entrem em pauta, entre outros problemas. É preciso dinamizar a Justiça no país. Rui Barbosa já dizia: “justiça brasileira tardinheira não é justiça”. Há processos que dormitam em cima dos armários muito tempo. O agravamento da crise com essas pendências que vemos todos os dias, a fraqueza do Poder Judiciário, enfim vamos ver se chego lá. Estou com 85 anos e quero ver se vejo alguma coisa de novo.

A Justiça sempre foi lenta no Brasil?

Lino Machado Filho — No Império, não. Mas no Império era uma justiça de nobreza, era uma justiça de classe, era uma justiça que se ajustava aos princípios monárquicos. Em compensação, somente os barões do Reino tinham acesso à Justiça como autores, e não tinham como réus. A melhor Justiça possível, a mais escorreita, a mais justa, a mais amena, a mais profilática foi no tempo do presidente Juscelino Kubistchek de Oliveira.

Como o senhor analisa um juiz sendo preso por ter vendido uma sentença judicial?

Lino Machado Filho — É uma tristeza que haja um juiz sendo preso por vender uma sentença judicial. Todos os juízes que forem pegos vendendo sentenças devem ir para a cadeia. É uma fatalidade. Infelizmente o país apresenta reflexos muito tristes. Há falta de equilíbrio, há falta de nobreza em fazer justiça. A atividade judicial não pode ser emprego. Juiz tem que ser devoção.

O Brasil está muito violento. O senhor acha que o Judiciário, pela impunidade, pela lerdeza, tem uma parcela considerável no aumento do índice de criminalidade no país?

Lino Machado Filho — Com toda a franqueza, a omissão é uma parcela de culpa. A estruturação da Justiça é a mais responsável por isto porque é mais responsável pelo atraso. São muitas regalias concedidas, uma publicidade negativa, totalmente negativa, que ao invés de encorajar os bons juízes que se propõem a ser bons juízes, os desanima. Precisamos de uma revolução, de pensamento, de verdade e não essa fancaria de revolução. Precisamos de uma revolução de ordem moral, de ordem intelectual, revolução nas faculdades de direito que, a meu ver, não estão formando e sim fabricando profissionais.

O senhor acha que o Superior Tribunal Militar deve ser extinto?

Lino Machado Filho — Sempre fui a favor da manutenção do Superior Tribunal Militar. A Inglaterra é um exemplo. É uma monarquia, mantendo princípios tão antigos, mas que preserva os princípios morais. A Justiça Militar integra, parafraseando, a tradição da Justiça no Brasil. A Justiça Militar é necessária conquanto se deva excluir da sua competência matéria que não lhe diz respeito.

O Brasil ainda tem jeito?

Lino Machado Filho — Todo dia lamento, todo dia me permito indagar a mim mesmo, mas será possível piorar ainda mais. Mas eu pergunto: por que não fazemos essa pergunta também para os outros países, que também estão em uma situação difícil? É uma crise internacional no meu modo de ver. Uma crise sem solução imediata para todas as Nações. É uma crise que vem atingindo as classes porque o ensino se petrificou, porque a honestidade passou a ser artigo de luxo. Enfim, é uma crise moral.

Por fim, qual o conselho que o senhor dá para quem entra hoje na magistratura?

Lino Machado Filho — Primeiro, que se proponha realmente a participar de um novo movimento, da nova concepção da Justiça. Uma concepção de uma Justiça rápida, séria e,sobretudo, independente.