Tiro no pé

Roberto Haddad é reempossado no TRF da 3ª Região

Autor

16 de março de 2007, 17h00

Em julho de 1999, a Folha de S.Paulo produziu reportagem sobre o surpreendente patrimônio de dois desembargadores do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. O repórter Frederico Vasconcelos observou à época que Theotonio Costa e Roberto Luiz Ribeiro Haddad ostentam uma riqueza que contrasta com o padrão dos juízes brasileiros.

Pelo relato, Theotonio Costa e sua mulher, a procuradora do Estado Marisa Nittolo Costa, são sócios no empreendimento imobiliário “Morada dos Pássaros”, com sete edifícios, em Campo Grande (MS). Haddad e sua mulher, a advogada Maria Cristina Aparecida de Souza Figueiredo Haddad, possuem 33 veículos em seus nomes — entre os quais três Mercedes-Benz, dois BMW e uma Mitsubishi — e uma superlancha. Em dois anos, os Haddad adquiriram seis chácaras, em Salto de Pirapora (SP), onde fizeram um haras. Os dois juízes possuem apartamentos, casas e terrenos em São Paulo, Ubatuba e Guarujá.

Em 2003, os dois juízes foram afastados de seus cargos. Em janeiro deste ano, Roberto Haddad foi reempossado. A qualidade das acusações e da estratégia do Ministério Público Federal não passou pelo crivo técnico do Supremo Tribunal Federal.

O debate final travou-se em torno da venda de um automóvel Opala usado que Haddad não declarou à Receita Federal, o que lhe rendeu uma acusação por sonegação fiscal. No entanto, antes do recebimento da denúncia, o juiz fez uma retificação de sua declaração e recolheu o imposto devido — prática rotineira que, invariavelmente, redunda na extinção da punibilidade.

A segunda acusação apresentada pelo MPF foi a de que o carimbo usado na retificação seria falso. A discussão se esvaiu em polêmica, dada a infinidade de modelos de carimbos utilizados nas repartições da Receita. Outra questão levantada foi sobre que motivo teria alguém para forjar uma retificação que qualquer um pode fazer a qualquer momento.

De qualquer forma, a discussão caiu no veio da consunção, circunstância em que o eventual crime-meio é consumido pela dissolução do crime-fim. Ou seja: se não houve sonegação, não há que se discutir se houve ilícito para uma prática que, ao final, foi legal e regular.

A concessão do Habeas Corpus a Haddad, porém, tropeçou no voto-vista do ministro Carlos Velloso. Ele encabeçou o entendimento acompanhado pelos seus colegas de que era preciso aguardar o deslinde do processo por enriquecimento ilícito contra o juiz que corria no Superior Tribunal de Justiça. Afinal, argumentou Velloso, a acusação poderia repercutir no julgamento em curso.

Foi quando, inexplicavelmente, o MPF pediu ao STJ o arquivamento do processo por enriquecimento ilícito. Foi a brecha que defesa usou para voltar ao STF, notificando que o óbice antes aventado já não existia. E Haddad ganhou seu HC.

Leia a decisão favorável a Haddad

12/12/2006

SEGUNDA TURMA

EMB.DECL.NOS EMB.DECL.NO HABEAS CORPUS 83.115-0 SÃO PAULO

RELATOR : MIN. GILMAR MENDES

EMBARGANTE(S) : ROBERTO LUIZ RIBEIRO HADDAD ADVOGADO(A/S) : ANTONIO NABOR AREIAS BULHÕES E OUTRO(A/S) ADVOGADO(A/S) : JOÃO HENRIQUE CAMPOS FONSECA EMBARGADO(A/S) : CORTE ESPECIAL DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

EMENTA: Embargos de declaração nos embargos de declaração em habeas corpus.

1. Diante do fato novo correspondente ao arquivamento do Inquérito no 281 (que tramitou perante o STJ) destinado a apurar as repercussões criminais do suposto delito de enriquecimento ilícito, não é mais possível reconhecer a plausibilidade da tese condutora do acórdão embargado.

2. A superveniência de falta de justa causa para a apuração do crime de enriquecimento ilícito (Lei nº 8.429/1992, art. 9º) configura situação excepcional de constrangimento ilegal, que demanda, no caso concreto, o trancamento da ação penal.

3. Possibilidade de reconhecimento de efeitos infringentes a embargos de declaração.

4. Precedentes nos quais o STF admitiu a modificação de julgados em sede de embargos declaratórios: Pet-AgR no 1.079-DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Pleno, unânime, DJ 26.04.1996; RHC-ED no 80.520-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, Segunda Turma, DJ 01.06.2001; e HC-ED no 79.446, Rel. Min. Maurício Corrêa, Segunda Turma, unânime, DJ 03.03.2000. 5. Embargos de declaração acolhidos no sentido de deferir a ordem de habeas corpus para trancar a ação penal instaurada em face do paciente (AP no 238 que tramita perante o STJ).

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a presidência do Senhor Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, acolher os embargos de declaração e, em conseqüência, deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.


Brasília, 12 de dezembro de 2006.

MINISTRO GILMAR MENDES – RELATOR

Diário da Justiça de 09/02/2007

12/12/2006 SEGUNDA TURMA EMB.DECL.NOS EMB.DECL.NO HABEAS CORPUS 83.115-0 SÃO PAULO RELATOR : MIN. GILMAR MENDES

EMBARGANTE(S) : ROBERTO LUIZ RIBEIRO HADDAD ADVOGADO(A/S) : ANTONIO NABOR AREIAS BULHÕES E OUTRO(A/S) ADVOGADO(A/S) : JOÃO HENRIQUE CAMPOS FONSECA EMBARGADO(A/S) : CORTE ESPECIAL DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (Relator): Trata-se de Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração no Habeas Corpus no 83.115/SP, opostos em 06 de março de 2006, com relação acórdão proferido por esta Segunda Turma, publicado no DJ de 24.02.2006.

Fui o relator originário destes autos. Em 19 de maio de 2003, estes autos foram a mim distribuídos. Inicialmente, indeferi a medida liminar pleiteada (fls. 60/61). Todavia, após reiteração do pedido de liminar, reconsiderei a decisão para suspender o curso da ação penal perante STJ (fl. 67).

Após devidamente instruídos os autos, apresentei-os para julgamento nesta Segunda Turma.

Em sessão de 23 de março de 2004, proferi voto no sentido de deferir a ordem para trancar a ação penal em face do pagamento do tributo e por reconhecer a decorrente extinção da punibilidade quanto ao crime tributário.

Naquela assentada, a Min. Ellen Gracie acompanhou meu voto, e o Min. Carlos Velloso pediu vista.

Em 04 de maio de 2004, o Min. Carlos Velloso apresentou voto-vista pelo indeferimento do writ.

Nessa nova oportunidade, a Min. Ellen Gracie retificou seu voto e acompanhou o Min. Carlos Velloso, o qual também foi seguido pelos Ministros Nelson Jobim e Celso de Mello.

Deste modo, por maioria, a turma indeferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Min. Carlos Velloso.

Em 06 de março de 2006, o embargante opôs embargos declaratórios em face de decisão que rejeitou os embargos de declaração da Segunda Turma deste Tribunal (fls. 197-210), assim ementada pelo então Redator para acórdão, o Min. Carlos Velloso, verbis: “EMENTA: PROCESSUAL PENAL. PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. – Inocorrência dos pressupostos dos embargos de declaração: sua rejeição”.

Em 23 de março de 2006, em razão da aposentadoria do Min. Carlos Velloso, os autos foram distribuídos ao Min. Ricardo Lewandowski (fl. 243). Na ocasião dessa distribuição, o Min. Lewandowski assim se manifestou (fl. 244), verbis:

“Tendo em vista o disposto nos arts. 10 e 69, § 1o, do RISTF, verifica-se a necessidade de que os presentes embargos de declaração sejam redistribuídos, salvo melhor juízo, a um dos ministros que compõem a Segunda Turma deste Tribunal. Isto posto, submeto a matéria à apreciação da eminente ministra presidente para as providencias que couberem”. (fl. 244)

Em 03 de julho de 2006, a Min. Presidente Ellen Gracie determinou a redistribuição destes autos “a um dos Ministros que compõem a 2ª Turma desta Corte” (fl. 246). Por fim, conforme atesta certidão de fl. 249, estes autos receberam nova distribuição em 24 de julho de 2006, sendo submetidos à minha relatoria.

Para melhor compreensão da matéria sob análise nestes embargos a mim distribuídos, é válido transcrever o inteiro teor da ementa do acórdão originariamente embargado:

“EMENTA: Penal. Processual Penal. Habeas Corpus. Crime de uso de documento falso. Código Penal, art. 304 c/c art. 297, parágrafo único, e art. 92, I. Lei 8.137/90, art. 2º, I. I. – Inquérito STJ nº 300: ação penal STJ nº 238/SP: uso de documento falso. Inquérito STJ nº 281: apuração de eventual enriquecimento ilícito no exercício do cargo. II. – O documento falso foi apresentado numa investigação que poderia resultar, em tese, em mais de um delito: o delito contra a ordem tributária e possível ou possíveis delitos decorrentes de enriquecimento ilícito no exercício de cargo público. O pagamento do tributo não elide o crime de falso, por isso que, da investigação, em que o documento falso teria sido apresentado, poderia originar-se outro ou outros delitos, decorrentes de enriquecimento ilícito, que o pagamento do tributo não elidiria. III. – Prematuro concluir, ademais, no julgamento do habeas corpus, que o crime de falso não pode ser tratado como crime autônomo. IV. – Exame de provas: impossibilidade no processo de habeas corpus. V. – H.C. indeferido.” (fl. 140).

Em petição de fls. 214-240, o embargante alega existir: a) incoerência lógico-jurídica do acórdão embargado; e b) erro material correspondente ao fato de que o voto condutor do acórdão embargado teria se baseado na equívoca premissa de que o paciente teria apresentado declaração retificadora questionada numa investigação que poderia resultar, em tese, em mais de um delito. Para a indicação de ambas as nulidades, o embargante argumenta, verbis:


“A despeito da demonstração do cabimento do recurso, os embargos foram rejeitados mediante o acórdão de fls. 197/210 ao fundamento de que não teriam ocorrido os vícios apontados (omissão, contradição ou inocorrência lógico-jurídica e erro material consubstanciado na consideração de pressuposto de fato inexistente).(fl. 230)

(…)

Desenganadamente, o acórdão ora embargado perseverou no vício da contradição ou incoerência lógico-jurídica, pois refez juízo assemelhado ao de condenação quando exercia mero juízo de delibação em torno de requisitos e pressupostos para a instauração de ação penal contra o paciente da impetração. (fl.233)

No que respeita ao fundamento da ocorrência de erro material consubstanciado na consideração de pressuposto de fato inexistente, embora a matéria esteja registrada no relatório do acórdão ora embargado (fl. 199), a matéria não mereceu qualquer enfrentamento no voto condutor da decisão colegial, que se limitou a versar sobre os vícios de ‘omissão’ (fls. 200-206) e ‘contradição’.

Aqui a omissão do acórdão ora embargado foi total, por isso o embargante volta a repetir que toda a base do voto vencedor proferido pelo Min. CARLOS VELLOSO no acórdão denegatório do writ repousou em pressuposto de fato inocorrente, na espécie: imaginou-se que o paciente houvera apresentado a declaração retificadora questionada numa investigação que poderia resultar, em tese, em mais de um delito: o delito contra a ordem tributária e possíveis delitos decorrentes de enriquecimento ilícito no exercício do cargo. Daí porque o alegado crime de falso teria potencialidade multifária, não podendo ser absorvido pelo irrogado crime contra a ordem tributária.

(…)

De conseqüência, não existe o pressuposto de fato em que se fundou o v. acórdão embargado para denegar o writ. O caso é típico de grave erro material, cuja correção pode importar na modificação do julgado. Por isso mesmo, concessa vênia, o eminente Min. CARLOS VELLOSO teve dificuldades em enfrentar essa relevante questão, daí redundando a patente omissão em que incidiu o v. acórdão ora embargado. (fls. 197-210)

(…)

Como se vê, presentes se encontram os requisitos dos embargos declaratórios a que aludem os arts. 337 e 338 do RISTF, vale dizer, a ocorrência de omissão, contradição (incoerência lógico-jurídica) e erro material cuja correção reclama necessariamente a alteração do julgado, na linha de numerosos precedentes da Suprema Corte.” (fl. 238).

Por fim, o embargante requer:

“Ante todo o exposto, impende sejam recebidos os presentes embargos com efeitos modificativos para, corrigida a incoerência lógico-jurídica apontada, afastado o erro material verificado (consideração de pressuposto de fato inexistente) e suprida a omissão indicada (vícios que afetam o v. acórdão majoritário impugnado), se deferir o habeas corpus impetrado para os fins colimados em sua inicial.” (fl. 240). É o relatório.

V O T O

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – (Relator): O recurso de embargos de declaração é cabível para demonstrar a ocorrência de omissão, contradição ou obscuridade da decisão embargada (arts. 619 e 620, do Código de Processo Penal).

O acórdão impugnado foi publicado em 24.02.2006, os embargos ora em análise foram opostos em 06.03.2006. A Portaria no 56/2006, de 08 de fevereiro de 2006, DJ de 13.02.2006 comunicou que não haveria expediente na secretaria deste Tribunal nos dias 27 e 28 de fevereiro de 2006, em virtude do disposto no inciso III do artigo 62 da Lei no 5.010, de 30 de maio de 1966; e que os prazos que porventura se iniciassem ou complementassem nesses dias ficariam automaticamente prorrogados para o dia 1o de março (quarta-feira).

No caso concreto, como a publicação ocorreu no dia 24.02.2006 (sexta-feira), o início do prazo para a oposição dos embargos seria o dia 27.02.2006 (segunda-feira). Destarte, por aplicação da Portaria no 56/2006, a contagem do prazo de 5 (cinco) dias deve iniciar-se no dia 1o de março de 2006 (quarta-feira), encerrando-se na data de 06 de março de 2006 (segunda-feira) – dia da oposição destes embargos. Conclui-se, portanto, que os embargos de declaração são tempestivos.

O embargante opôs embargos declaratórios em face de decisão da Segunda Turma deste Tribunal, que rejeitou os embargos de declaração (fls. 197-210). Eis o voto do então Ministro Redator para o Acórdão, Min. Carlos Velloso, proferido em sessão de 13.12.2005 (DJ de 24.02.2006):

“Preliminarmente, tenho como tempestivos os presentes embargos, interpostos no dia 28.3.2005, último dia do prazo, já que o acórdão foi publicado no dia 18.3.2005, 6ª feira. O prazo terminaria no dia 25.3.2005, 6ª feira. Acontece que o dia 25.3.2005 foi feriado. O termo final do prazo de cinco dias passou para o dia 28.3.2005.


Examino os embargos.

Sustenta-se que teria havido omissão no voto condutor do acórdão, que não teria apreciado o primeiro fundamento da impetração, consistente na falta de justa causa para a ação penal, em razão da ausência de prova da materialidade do crime de uso de documento falso. Não houve a alegada omissão. Está no voto:

‘(…)

Na mencionada Ação Penal 238/SP, que corre perante o Superior Tribunal de Justiça, está o ora paciente denunciado por uso de documento falso (C.P., art. 304, c/c o art. 297, com o aumento de pena previsto no § 1º), tendo sido a denúncia recebida pela Corte Especial do mencionado Superior Tribunal de Justiça.

Em resumo: inicialmente, foi instaurado o Inq 281 com o objetivo de apurar a prática de delitos decorrentes de enriquecimento ilícito por parte do paciente no exercício da magistratura. No decorrer das investigações, verificou-se que o paciente teria apresentado à Receita Federal cópia de recibo de recepção de uma retificadora materialmente falsa. Em razão disso, determinouse a instauração do Inq. 300, que originou a AP 238, na qual o ora paciente está denunciado, com denúncia recebida, por uso de documento falso. Esclareça-se que o Inq 281, onde se apura a prática de eventuais crimes decorrentes de enriquecimento ilícito, encontra-se com vista ao Ministério Público Federal.

Não há denúncia, nem pedido de arquivamento. A primeira questão, portanto, a ser posta é esta: o documento falso foi apresentado numa investigação que poderia resultar, em tese, em mais de um delito: o delito contra a ordem tributária (sonegação de tributo) e possíveis delitos decorrentes de enriquecimento ilícito no exercício de cargo público.

Pergunta-se: o pagamento do tributo, elidindo o crime de sonegação fiscal, elidiria, também, o crime de falsidade?

Penso que não.

Em princípio, o crime de falsidade poderia ser crime-meio do crime de sonegação fiscal. Em princípio, o pagamento do tributo, antes do recebimento da denúncia, elidiria o crime-fim e o crime-meio.

Acontece que, conforme vimos, da investigação, em que o documento falso teria sido apresentado, poderia originar-se outros delitos, decorrentes de enriquecimento ilícito, que o pagamento do tributo não elidiria.

Isso se diz em tese.

É que, ao votar pelo recebimento da denúncia, o Ministro Fernando Gonçalves dissertou a respeito, com propriedade:

(…)

Quanto à questão da falta de interesse de agir do Ministério Público Federal, por configurar o uso de documento falso circunstância elementar de delito contra a ordem tributária, previsto na Lei 8.137/90 – art. 2°, I – e, portanto, insusceptível de ser destacada para tipificação de infração autônoma definida no art. 304 do Código Penal, cabe enfatizar não estar, em princípio, revelado na espécie a absorção do crime de uso de documento falso pelo de sonegação fiscal, pelo fato simples de contra o acusado não pesar qualquer imputação relativamente a este delito. Não há, pelo menos nestes autos, debate acerca do teor da retificadora da declaração de ajuste anual da pessoa física do ano-base de 1994. Se foi elidida a exigibilidade da exação fiscal resultante da lavratura do auto de infração, ou não. O ponto central é a falsificação, não da declaração retificadora para afastar o ônus tributário, mas, em essência, do carimbo do recibo relativo à sua entrega. A Delegacia do Ministério da Fazenda em São Paulo, na informação constante às fls. 06 esclarece suficientemente o tema. É importante destacar, por outro lado, que para eventual tipificação de delito contra a ordem tributária prevista no art. 2º, I, da Lei nº 8.137/90, é necessário, segundo a própria disposição legislativa, que a conduta tenha efetivamente suprimido ou reduzido o tributo. O delito de sonegação fiscal é crime de resultado. Aliás, a discussão sobre o aspecto estritamente fiscal se mostra ociosa, em função do pagamento do tributo (fls. 2101), devido em decorrência da omissão de rendimentos, cifrada na aquisição, no ano de 1995, de um veículo marca Ford Taurus e de numerário, em 31.12.95, em poder do denunciado. Este tema é estranho e alheio ao problema. Trago, a propósito, à colação, o julgamento do HC 72986-0/SP, do Supremo Tribunal Federal – Relator o Min. MARCO AURÉLIO – relativo a caso análogo, ligado a balanços e declarações de rendas forjados para uso perante o Banco Central e remessa de numerário ao exterior, sendo, então, oferecida denúncia com base nos arts. 171, 299 e 304, todos do Código Penal. À tese de absorção destes delitos pelo de sonegação fiscal, diz o acórdão:

A priori, sem atropelo das normas instrumentais atinentes à ação penal, não se pode dizer da absorção dos crimes pelo de sonegação fiscal, valendo notar que, relativamente a esta última, nada se disse sobre o fato de ter sido considerada crime na denúncia. A persecução criminal tem em conta os atos que teriam implicado a prática de estelionato, falsidade ideológica e uso de documento falso. No momento propício, esta Corte dirá do acerto, ou desacerto, das acusações formalizadas contra o Paciente. A antecipação desse juízo mostra-se precoce, no que acabaria por inviabilizar o direito-dever do Ministério Público de comprovar as imputações.> No mesmo sentido, a Colenda 5ª Turma deste Superior Tribunal de Justiça, nos julgamentos dos habeas corpus 16.927-PE (Rel. o Min. GILSON DIPP) e 12.825/GO (Rel. o Min. JOSÉ ARNALDO), em hipóteses semelhantes, versando tema sobre a absorção do crime-meio pelo crime-fim (sonegação fiscal) afastaram a tese, seja porque os delitos imputados guardavam, em princípio, existência própria, seja porque não consumada a sonegação fiscal. (…). (Fls. 2.145-2.146)


Mais:

(…)

A falta de interesse de agir do Ministério Público Federal pela inépcia da denúncia, dado a circunstância de o crime de falsidade ideológica ter sido meio para o cometimento do delito de sonegação fiscal, de igual modo, não está a merecer trânsito, podendo à argüição opor-se a mesma argumentação utilizada antecedentemente em relação à defesa oferecida por Roberto Luiz Haddad, com o acréscimo da seguinte quota ministerial de fls. 2.084, verbis:

‘A denúncia, em seu aditamento, acusou Maria Cristina Haddad de haver apresentado à Receita Federal duas retificadoras falsas e, também, de ter tentado justificar a sua variação patrimonial a descoberto com um contrato de mútuo também ideologicamente falso. Tais crimes, ao contrário do que entende a defesa da Denunciada, muito embora tivessem por objetivo iludir a fiscalização tributária, não consistiram em meio para o cometimento de crime, tendo em vista que foram perpetrados muito depois de consumado o crime de sonegação fiscal.

E diz mais o Ministério Público Federal:

O crime de sonegação fiscal, também perpetrado pelos Denunciados e que será oportunamente objeto de uma ação penal, consumou-se quando da apresentação à Receita Federal da declaração de rendimentos, sem que constasse da mesma os rendimentos que justificaram a evolução patrimonial apresentada no período.

Os fatos posteriores, praticados com o intuito de ocultar a referida infração, não são absorvidos ou consumidos pela mesma (fls. 2.085/2.086)

A verdade é que o possível crime de falsidade, denominado crime-meio, no caso, paradoxalmente, é posterior ao crime de sonegação (crime-fim). No plano da lógica aquele crime-meio é a condictio propiciadora das circunstâncias favoráveis e indispensáveis à produção do evento (crimefim) – como, exemplifica VICENTE DE PAULO SARAIVA, é a luminosidade para o ato de escrever.

(…)’ (Fls. 2.149-2.150)

Assim posta a questão, estou em que não seria possível, com a vênia do eminente Ministro Relator, trancar, na via do habeas corpus, ação penal com denúncia recebida pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça. No julgamento do Inq 1.608, em que se pretendeu a absorção do crime de falso pelo crime do art. 19 da Lei 7.492/96, o Supremo Tribunal Federal, pelo seu Plenário, na linha dos votos dos eminentes Ministros Celso de Mello e Sepúlveda Pertence, decidiu que seria prematuro, na fase do recebimento da denúncia, aplicar-se o princípio da consunção, absorvendo-se o falso como meio executivo (Ministro Celso de Mello). O Ministro Sepúlveda Pertence deixou expresso, no seu voto, que não seria, quando se aprecia a denúncia, momento de ser resolvida a questão. A denúncia foi recebida, então, integralmente.

Ora, se no momento em que se aprecia a denúncia, não seria momento para ‘solver o problema’ da absorção, em habeas corpus muito menos, data vênia.

É dizer, seria prematuro concluir, no julgamento deste habeas corpus, que o crime de falso não pode ser tratado como crime autônomo. (…).’ (Fls. 113-119)

Também não há falar em contradição. Nas explicações que dei durante o julgamento, fls. 133-134, consignei:

‘Senhor Presidente, em meu voto deixo claro que, em tese, admito ocorrer o sustentado pelo eminente advogado – o fato de ter sido elidido o crime de sonegação fiscal -, mas essa retificadora falsa foi apresentada à delegacia para iludir a administração tributária. Certo é que, da investigação feita pela administração tributária, resultou crime de sonegação fiscal. O crime de enriquecimento ilícito não está tipificado. Dele pode originar outros delitos, como apropriação indébita, correção, etc? Isso também se apura mediante exame do acervo de declarações fornecidas pelo paciente à Delegacia da Receita Federal.

Indubitavelmente, com relação a isso, não há denúncia, nem pedido de arquivamento. O Inquérito nº 281 cuidava justamente de enriquecimento ilícito no exercício da magistratura, que pode originar uma série de delitos – bem disse o eminente advogado.

Isso está em meu voto.’ (Fls. 133-134) A ementa do acórdão visualizou bem a questão, de modo a afastar dúvidas:

‘Penal. Processual Penal. Habeas Corpus. Crime de uso de documento falso. Código Penal, art. 304 c/c art. 297, parágrafo único, e art. 92, I. Lei 8.137/90, art. 2º, I.

I. – Inquérito STJ nº 300: ação penal STJ nº 238/SP: uso de documento falso. Inquérito STJ nº 281: apuração de eventual enriquecimento ilícito no exercício do cargo.

II. – O documento falso foi apresentado numa investigação que poderia resultar, em tese, em mais de um delito: o delito contra a ordem tributária e possível ou possíveis delitos decorrentes de enriquecimento ilícito no exercício de cargo público. O pagamento do tributo não elide o crime de falso, por isso que, da investigação, em que o documento falso teria sido apresentado, poderia originar-se outro ou outros delitos, decorrentes de enriquecimento ilícito, que o pagamento do tributo não elidiria.


III – Prematuro concluir, ademais, no julgamento do habeas corpus, que o crime de falso não pode ser tratado como crime autônomo. IV. – Exame de provas: impossibilidade no processo de habeas corpus. V. – H.C. indeferido.’ (Fl. 140)

Não ocorrem, no caso, os pressupostos dos embargos de declaração. O que se deseja, no caso, emprestando-se caráter infringentes aos embargos, é um novo julgamento, o que não é possível. Do exposto, rejeito os embargos”.(fls. 200-208)

Como consta do relatório, os presentes embargos foram opostos com base nos seguintes fundamentos:

a) incoerência lógico-jurídica do acórdão embargado; e

b) erro material correspondente ao fato de que o voto condutor do acórdão embargado teria se baseado na equivoca premissa de que o paciente teria apresentado declaração retificadora questionada numa investigação que poderia resultar, em tese, em mais de um delito.

No momento do julgamento dos primeiros embargos de declaração (em sessão de 13.12.2005), existiam contra o embargante dois inquéritos em andamento perante o STJ: i) Inquérito no 281, que versa sobre o suposto crime de enriquecimento ilícito; e ii) Inquérito no 300, que deu origem a Ação Penal 238-STJ que tratava de sonegação fiscal (Lei no 8.137/1990, art. 2o, I) e uso de documento falso (CP, art. 304 c/c 297 § 1o).

O INQ no 281 foi arquivado a pedido do Ministério Público, eis o teor da decisão do Min. Fernando Gonçalves, DJ de 02.03.2006, que determinou seu arquivamento, verbis:

“DECISÃO: Em decorrência de notícia veiculada pelo jornal Folha de São Paulo de 11 de julho de 1999 foi requerida pelo Ministério Público Federal a abertura de inquérito penal para apurar a eventual prática de enriquecimento ilícito por parte de PAULO THEOTÔNIO COSTA e ROBERTO LUIZ RIBEIRO HADDAD, Juízes do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que seriam titulares de patrimônio incompatível com as remunerações ordinárias percebidas. Houve para bom termo do andamento processual e regularidade da instrução desmembramento do feito em dois (fls. 1241/1242), um abrangendo Paulo Theotônio Costa e o presente, relativo a Roberto Luiz Ribeiro Haddad.

No curso do procedimento, em função de diligências junto à Receita Federal e abertura de sigilo bancário, pelo Ministério Público Federal foi oferecida denúncia contra Roberto Luiz Ribeiro Haddad e sua mulher Maria Cristina de Souza Figueiredo Haddad, como incursos nas sanções do art. 2º, inc. I, da Lei 8.137 de 1990. Foram, então, desentranhadas peças e autuadas como ação penal, formando um novo volume.

No caso em análise, entretanto, segundo pronunciamento da ilustre Subprocuradora-Geral da República CLÁUDIA SAMPAIO MARQUES, não há elementos probatórios aptos a ensejar mais uma ação penal, devendo o feito ser arquivado, com anexação de documentos que declina aos autos de ação de improbidade administrativa nº 08 (AIA 8). O parecer ministerial é do seguinte teor (fls. 4376/4378):

‘… Tem-se que as provas produzidas não ensejam a propositura de mais uma ação penal em desfavor de Roberto Haddad e Maria Cristina de Souza Figueiredo Haddad. O procedimento inquisitivo, até aqui, não identificou a prática de nova conduta ilícita penal por parte dos indiciados, em face do resultado das investigações realizadas e do contexto probatório formado. 28. Não é demais lembrar que a persecução penal, mormente quando se tem em análise o princípio constitucional inserto no inciso LVII do art. 5º da Carta Magna, toma por pressuposto a existência de justa causa que a ampare. Esta, ao lado das condições necessárias ao regular exercício do direito de ação, substancia-se no suporte probatório mínimo de existência de um fato típico e antijurídico que tenha sido praticado por agente culpável (cf. Afranio Jardim. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Forense, 11ª ed., 2002).

29. Muito embora existam fortes indícios de formação de patrimônio incompatível com a renda, ou seja, enriquecimento sem causa aparente, não se apurou, além do crime de sonegação fiscal, a prática de injusto penal nos fatos investigados. O que se vê claramente nos autos é a ocorrência de fatos que podem ser caracterizados como atos de improbidade administrativa, que abrangeriam enriquecimento ilícito e conduta incompatível com o cargo de magistrado, sendo passíveis de questionamento em sede de ação judicial de natureza civil, perante o Juízo de primeiro grau, para o efeito de aplicação das sanções cominadas na Lei nº 8.429/92.

30. Cumpre registrar que está em curso ação de improbidade em face dos Investigados, na qual os fatos acima referidos estão sendo apurados. Assim, em atenção ao princípio da economia processual, que impede a reiteração de atos já praticados, é necessário que os documentos relativos à quebra do sigilo bancário e fiscal dos Investigados, inclusive os relatórios elaborados pelo Banco Central do Brasil, sejam todos transferidos para os autos da referida ação civil, evitando-se a realização de novo procedimento de quebra dos sigilos dos envolvidos, seguramente penoso para as partes.

31. Destarte, estando patente que os fatos objeto deste feito não autorizam o prosseguimento das investigações ou mesmo a deflagração de nova persecutio criminis, e já estando exauridas as diligências que poderiam, no momento, ser realizadas para a apuração dos fatos, requer o Ministério Público Federal o arquivamento do presente inquérito penal, por ora, reservando-se o direito de retomar o feito, caso surjam novas provas. Requer, ainda, que os documentos relativos à quebra do sigilo fiscal e bancário dos Investigados, constantes do volume 14 (fls. 4255 a 4355 e 4358 a 4363), bem como dos apensos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 (vols. I e II), 10 e 16 a 64 (fls. 1 a 14628), sejam desentranhados destes autos e anexados aos da Ação de Improbidade Administrativa n° 8, em curso perante esse egrégio Superior Tribunal de Justiça.’


O pedido de arquivamento deve ser acolhido, dado o seu caráter vinculativo para o Tribunal, consoante reiteradas decisões da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, onde destacado que o Subprocurador-Geral da República nestas condições age por delegação do Procurador-Geral da República, nos termos do art. 48, parágrafo único, da Lei Complementar 75, de 20 de maio de 1993.

O pedido de traslado de peças, de igual modo, merece deferimento, respeitado, no entanto, o sigilo, até agora imposto, relativamente à documentação em causa.

Assim sendo, determino o arquivamento do presente INQ 281/SP, consoante pronunciamento da Subprocuradoria-Geral da República de fls. 4368/4378, observadas as restrições referentes ao sigilo da documentação a ser anexada à AIA 8, mantendo-se, de qualquer modo, cópias nestes autos (Inq. 281/SP).

Publicar e intimar.

Conforme se observa, é possível verificar a ocorrência de fato novo, a saber: o arquivamento do Inquérito 281-STJ, que fora instaurado anteriormente contra o paciente para apuração de suposto crime de enriquecimento ilícito. O arquivamento foi determinado por patente falta de justa causa para a ação penal, entendendo a Subprocuradora Cláudia Marques Sampaio que eventuais ilícitos deveriam ser apurados no bojo de ação de improbidade administrativa já instaurada perante o Superior Tribunal de Justiça (AIA no 8).

Fixadas essas premissas, peço licença para transcrever a íntegra do voto que proferi na sessão de 23.03.2004, verbis:

“A primeira alegação, em que se discute a idoneidade do suporte probatório utilizado para a formulação da denúncia, não merece ser acolhida.

A denúncia oferecida perante o STJ arrima-se em prova pericial que evidencia, de modo plausível, o cometimento de um ilícito de falsidade.

Os impetrantes apresentam uma série de impugnações ao laudo pericial que poderiam ser consideradas pelo STJ quando do julgamento da ação penal. Considero relevante, mas não passível de um juízo definitivo no âmbito deste habeas corpus, por exemplo, o argumento que impugna os procedimentos que constituem pressuposto para a afirmação de que determinada impressão de um carimbo da Secretaria da Receita Federal é falsa.

De fato, para o cidadão que apresenta um documento junto à Receita Federal mediante recibo, parece afigurar-se imperioso um procedimento que permita, com o maior rigor possível, um controle no uso e na substituição dos carimbos. Mas essa não é uma discussão para ser travada neste habeas corpus.

Não se pode afirmar que a inicial deste habeas corpus evidencia de modo inequívoco, a impropriedade do fundamento fático da denúncia. A análise dos argumentos formulados, com base em parecer técnico que infirmaria a base empírica da denúncia implicaria discussão aprofundada quanto a matéria probatória, o que se afigura incompatível com o rito do habeas corpus.

O segundo argumento é o da ausência de interesse jurídico para a instauração da ação penal pela suposta prática do crime autônomo de uso de documento falso. Isto porque a conduta descrita na denúncia encontraria tipificação em norma penal específica, relativa ao crime de sonegação fiscal.

No caso, afirma-se que o STJ teria ignorado o princípio da especialidade, aplicável ao caso, e invocado erroneamente o princípio da consunção ou absorção.

Em resumo, os impetrantes consideram que, de fato, a denúncia descreve crime de sonegação fiscal. E nesse ponto invocam a jurisprudência desta Corte, no sentido de que o acusado defende-se dos fatos descritos na denúncia, e não da sua classificação. Tal argumento é construído, a par de todo o contexto fático descrito na peça acusatória, especialmente a partir do seguinte trecho da denúncia:

‘7. Apurou-se, portanto, através do presente inquérito, que Roberto Luiz Ribeiro Haddad apresentou à Delegacia da Receita Federal em São Paulo uma Declaração Retificadora da sua Declaração de Rendimentos referentes ao ano-base de 1994, materialmente falsa.

8. Com tal conduta pretendeu o Denunciado iludir a administração tributária, fazendo-a acreditar na existência de uma retificadora que na verdade nunca chegou a existir’ (fl. 246 do anexo).

Desse modo, na visão dos impetrantes, o Ministério Público teria destacado do crime contra a ordem tributária, de um modo indevido, um elemento que lhe seria indissociável, qual seja o crime de falso. Isto porque, nas palavras dos impetrantes, ‘o uso de documento falso, em casos como o descrito na denúncia, caracteriza circunstância elementar de delito contra a ordem tributária, previsto em lei especial (Lei nº 8.137/90, art. 2º, I), e, portanto insuscetível de ser destacada para configuração de delito autônomo definido no Código Penal (art. 304), como unissonamente proclamam a doutrina e a jurisprudência’. A inicial busca então embasamento em precedentes desta Corte.


Citam, ainda, os impetrantes, jurisprudência do STJ sobre o tema. E mais, apontam elementos doutrinários em favor de sua tese, no sentido de que não se aplicaria ao caso o princípio da consunção (ou absorção), mas sim o princípio da especialidade. O passo seguinte da impetração é previsível. Apontam os impetrantes o pagamento do tributo antes do recebimento de denúncia, o que implicaria a extinção da punibilidade.

O parecer do Ministério Público afasta tal argumento nos seguintes termos: ‘14. Quanto ao segundo fundamento, desenvolvido à luz do concurso aparente de normas para estabelecer, pelo princípio da especialidade (impetração a fls. 32 e 39), que só há o crime de sonegação fiscal, jamais o de uso de documento falso, não merece frutificar.

15. De plano, também, e para o caso apresentado, não se trata da incidência do princípio da especialidade, data venia.

16. Como pontua Mezger, citado pelo sempre presente Heleno Cláudio Fragoso, a propósito desse princípio, verbis:

(in – Lições de Direito Penal – A Nova parte Geral, 11ª edição, pg. 275, grifos do original)

17. Por isso, incide o critério da especialidade no infanticídio em relação ao homicídio.

18. Na relação delito contra a ordem tributária – sonegação fiscal – e contra a fé pública – uso de documento falso -, nestes tipos, não se reconhecem características gerais comuns.

19. O sonegar está em suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social, ou …; já o usar documento falso, tal se dá no caso, compromete a autenticidade (função de garantia) de documento, ou seu valor probante.

20. Na verdade, a relação possível entre o delito de sonegação fiscal e o falso pode dar-se no plano da consunção porque, pela própria definição do crime de sonegação fiscal, como posta no artigo 1º, caput, da Lei 8137/90, este fica reconhecido nas condutas descritas nos subseqüentes incisos, que se constituem em etapas necessariamente anteriores à sua caracterização. Nestas etapas, o falso insere-se, por isso que se o tem como consumido, visto que “há consunção quando um crime é meio necessário ou normal fase de preparação ou de execução de outro crime” (in – obra citada, pg. 376).

21. Aqui, não!

22. Aqui, como está no trecho do voto do il. Min. Fernando Gonçalves – vide: item 5, deste parecer – em volição destacada, porque o auto de infração já fora lavrado, e portanto em momento ulterior, o acusado usa documento falso para estabelecer a prova de que oferecera declaração retificadora em 12.01.99 quando, na verdade, a retificação só aconteceu em 09.01.2001.

23. O reconhecimento, em princípio, do crime de uso de documento falso é bastante, de per se.’ (fls. 56 a 58)

Não vislumbro, no caso, uma relação de especialidade entre o tipo previsto no art. 2º, I, da Lei nº 8.137, de 1990, e o crime de falso previsto no art. 304 c/c com o art. 297 do Código Penal.

A especialidade verifica-se, basicamente, quando uma norma (a norma especial) contém, além de todos os elementos da norma geral, um elemento especializador, que a diferencia. A propósito, ensina Toledo:

‘Se entre duas ou mais normas legais existe uma relação de especialidade, isto é, de gênero para espécie, a regra é a de que a norma especial afasta a incidência da norma geral. Considera-se especial (lex specialis) a norma que contém todos os elementos da geral (lex generalis) e mais o elemento especializador. Há, pois, em a norma especial um plus, isto é, um detalhe a mais que sutilmente a distingue da norma geral. No exemplo do tráfico internacional de drogas, o legislador acrescentou, na Lei de Tóxicos, a capacidade de certos produtos de entorpecer ou de causar dependência, para distinguir tais espécies de produtos do gênero, isto é, de todos os demais que possam ser objeto de importação clandestina ou proibida. Logo, se a substância contrabandeada tem essa característica particular, o fato realiza o tipo especial do art. 12 da Lei n. 6.368/76, não o geral do art. 334, caput, do Código Penal. Há, exemplificativamente, relação de especialidade entre tipos básicos e tipos privilegiados (furto simples e furto privilegiado, homicídio simples e homicídio privilegiado), entre tipos básicos e tipos especiais autônomos (homicídio e infanticídio) etc.’ (Princípios Básicos de Direito Penal, 5a. Ed., São Paulo, Saraiva, 1994, p. 51)

Não é esse, por evidente, o caso dos autos. Não se pode considerar o tipo de falso, previsto no Código Penal, como um tipo geral em relação ao crime de sonegação, previsto no art. 2º, I, da Lei 8.137, e vice-versa. Não há, entre tais tipos, uma relação de gênero e espécie. São tipos distintos, que buscam a tutela de diferentes bens jurídicos. Num deles, a fé pública. Noutro, a eficácia do poder tributário.

Tampouco aplicável o princípio da subsidiariedade. Esse princípio, cabe lembrar, verifica-se nas hipóteses em que diferentes normas protegem o mesmo bem jurídico em diferentes fases (ex. A tentativa em relação ao crime consumado).

Resta então discutir a aplicação, ao caso, do princípio da absorção, ou da consunção. Busca-se, em tal princípio, evitar a dupla punição pelo mesmo fato.

O que há, de fato, no caso em exame, é que o tipo relacionado ao crime tributário abrange um elemento do tipo de falso. Ou ainda, melhor dizendo, o falso constitui etapa para a caracterização do crime de sonegação previsto no art. 2º, I, da Lei 8.137. Na fixação dos contornos desse princípio valho-me, novamente, da lição de Toledo, verbis:

‘O princípio ne bis in idem, freqüentemente invocado em direito penal, impede a dupla punição pelo mesmo fato.

Esse o pensamento orientador do princípio da consunção, muito discutido, de conceituação pouco precisa e, em alguns casos, de utilidade problemática ante a possibilidade de solução satisfatória com a aplicação dos princípios anteriormente examinados.

Todavia, há casos sem dúvida não abrangidos pela especialidade ou subsidiariedade (pós-fato impunível) que encontram solução com aplicação do princípio da consunção, motivo suficiente para sua aceitação doutrinária.

Há, na lei penal, tipos mais abrangentes e tipos mais específicos que, por visarem a proteção de bens jurídicos diferentes, não se situam numa perfeita relação de gênero para espécie (especialidade) nem se colocam numa posição de maior ou menor grau de execução do crime. Um exemplo disso temos na violação do domicílio (CP, art. 150), que lesa a liberdade da pessoa, e no furto (art. 155), lesivo ao patrimônio.

Se, todavia, a violação da residência é o meio empregado para a consumação do furto, a punição deste último crime absorve a punibilidade do primeiro. A norma mais ampla, mais abrangente, do furto, ao incluir como um de seus elementos essenciais a subtração, ou seja, o apossamento da coisa contra a vontade do dono, abrange a hipótese de penetração na residência, contra a vontade do dono, para o apossamento da coisa. Essa norma mais ampla consome, absorve a proteção parcial que a outra menos abrangente objetiva.

Note-se que a violação do domicílio não é etapa ou passagem necessária para o furto, como ocorre com a lesão corporal em relação ao homicídio, pelo que a aplicação do princípio da subsidiariedade tácita seria discutível, embora defensável. Mas, estando esse fato prévio abrangido pela prática do crime mais grave, numa relação de meio para fim, é por este consumido ou absorvido.

O mesmo ocorre com certas modalidades de falsum e estelionato, quando aquele se exaure na fraude, que constitui elemento essencial deste último. Isso acontece, por exemplo, na falsificação de um documento que, usado como fraude para obtenção de lucro patrimonial indevido, se esgota em sua potencialidade lesiva, permanecendo sem qualquer outra finalidade ou possibilidade de uso (ex.: alguém falsifica a assinatura do correntista em um cheque e obtém, no Banco sacado, o pagamento indevido). Como o cheque esgotou-se na consumação do estelionato, não podendo mais ser utilizado para outros fins, o crime-fim de estelionato absorve o falsum.

Assim, porém, não ocorre na falsificação de certos documentos que, utilizados na prática do estelionato, continuam com a potencialidade lesiva para o cometimento de outros delitos da mesma ou de variada espécie. Nesta hipótese verifica-se o concurso formal de crimes (falso e estelionato), como ocorre, por exemplo, com a falsificacão de um instrumento de mandato para a emissão de cheque do pretenso mandante e seu recebimento no Banco sacado. Consumado o estelionato, a procuração, se contiver poderes para outros saques ou para outros fins, não se exaure na fraude daquele delito’. (Princípios Básicos de Direito Penal, 5a. Ed., São Paulo, Saraiva, 1994, p. 51)

Na mesma linha é a doutrina de Zaffaroni e Pierangeli, verbis:

‘Em função do princípio da consunção, um tipo descarta outro porque consome ou exaure o seu conteúdo proibitivo, isto é, porque há um fechamento material. É um caso de consunção, o do fato posterior que resulta consumido pelo delito prévio, como na hipótese em que a apropriação indébita (art. 168 do CP) ocorre quando a coisa é obtida mediante um ardil (estelionato, art. 171): em tal caso, a tipicidade do estelionato descarta a da apropriação indébita. Outra hipótese é a do fato co-apenado, ou, fato típico acompanhante, que é o que tem lugar quando um resultado eventual já está abarcado pelo desvalor que da conduta faz outro tipo legal, como é o caso das lesões leves, resultantes da violência exercida em ações cuja tipicidade requer a violência (roubo, estupro etc.). Outra hipótese acontece quando uma tipicidade é acompanhada de um eventual resultado que é insignificante, diante da magnitude do injusto principal: tal é o caso do dano que sofrem as roupas das vítimas num homicídio ou que sofre o vinho que foi envenenado’. (Manual de Direito Penal, 4ª ed., São Paulo, RT, 2002, fl. 735)

Feitos tais registros doutrinários, considero pertinente ao caso o princípio da consunção.

Há precedentes específicos desta Corte sobre o tema. No primeiro deles, em recurso em habeas corpus da relatoria de Francisco Rezek, a discussão teve origem em denúncia por infração aos arts. 299 e 304 do Código Penal e ao art. 1º da Lei 4.729, lei especial antecessora da atual Lei nº 8.137.

A tese central da impetração, conforme anotara Rezek, era a de que o art. 1º da Lei 4.729 excluiria os arts. 299 e 304 do Código Penal, ou seja, quando praticado o delito de sonegação fiscal, mediante conduta descrita naquele dispositivo da lei especial, não se poderia admitir a simultânea incidência dos arts. 299 e 304 do CP. Rezek admitiu a correção dessa tese, nos seguintes termos:

‘Quando o contribuinte, para sonegar tributo, falseia o documento e o apresenta ao fisco, incide precisamente na figura do art. 1º da Lei 4.729/65. Dizer que está ele incidindo, ao mesmo tempo, nos arts. 299 e 304 do Código Penal – cometendo falsidade ideológica ao preencher o documento, e fazendo uso do papel falso ao entregá-lo ao fisco -, é ver, numa única conduta, um delito integral, capitulado em dispositivo da lei penal, e, ao mesmo tempo, dois outros delitos que, entretanto, integram o tipo principal. Isso evoca a lição antológica dos mestres de direito penal nas primeiras linhas da disciplina: se alguém, brandindo uma faca, ataca outrem e o mata, há de se ver aí configurado um homicídio e só. Não um homicídio somado ao delito de ameaça – resultante do medo que a arma inspirou à vítima quando brandida -, e ainda ao delito da lesão corporal que causou a morte.’ (RHC 65.850, Rel. Min. Francisco Rezek, RTJ 126/171)

Não obstante ter acolhido essa tese, Rezek, acompanhado pelo Tribunal, acabou negando provimento ao recurso, tendo em vista que mesmo ao se restringir a denúncia ao crime previsto na regra especial não haveria, no caso, razões para rejeitá-la.

Há, ainda, um precedente de 1998, da relatoria do Ministro Marco Aurélio, em que se discutiu especificamente a absorção do crime de falso pelo crime de sonegação fiscal. Nesse precedente (HC 76.847, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 4.9.98), a ação penal surgiu no contexto de uma auditoria fiscal voltada a apurar movimentação financeira de determinadas pessoas físicas e jurídicas que, ilegitimamente, teriam sido omitidas ao Fisco (o popularmente conhecido “caixa-dois”).

Nesse caso, a denúncia pelo crime de falsidade ideológica (art. 299 do CP) teria sido formulada com o objetivo de se afastar a prescrição da pretensão punitiva.

Em seu voto, anotou Marco Aurélio:

‘Este Tribunal tem proclamado responder o acusado pelos fatos narrados na denúncia e não pela classificação precária e efêmera dada a esses fatos pelo Ministério Público. Por outro lado, é sabido não estar o magistrado preso ao enquadramento jurídico emprestado aos acontecimentos quer pela acusação, quer pela defesa. Considera-os para, aí, presentes os artigos 383 e 384 do Código de Processo Penal, havendo surgido a ação com o recebimento da denúncia, vir a prolatar sentença. Pois bem, exsurge da peça inicial narração direcionada à imputação aos acusados do crime de sonegação fiscal perpetrado contra a União, tanto assim que a ação foi proposta pelo Ministério Público Federal. Aludiu-se à atuação da Receita Federal e, mais do que isso, apontou-se que a abertura de contas, falsificando-se dados, objetivou operar o caixa dois da empresa ou aplicações pessoais daqueles que lhe dirigiam. Eis o trecho em que revelado o elemento subjetivo:

…para o fim de abertura de conta corrente na agência bancária do Citibank, com endereço a rua Espírito Santo, nesta cidade, com o objetivo nítido de fazer operar o caixa dois da citada empresa ou de suas aplicações pessoais.

Ora, na espécie não se pode, realmente, cogitar do tipo do artigo 294, IX, do Código Penal. Conforme ressaltado pelo Ministro Assis Toledo em acórdão proferido no Superior Tribunal de Justiça, no Recurso em Habeas Corpus nº 1.207/SP, cujo acórdão foi publicado no Diário da Justiça de 24 de junho de 1991, ‘quanto à falsidade ideológica, não se trata, no caso, de tipo autônomo. O falso destinado exclusivamente a suprimir ou reduzir tributos não constitui crime autônomo, diferente da sonegação fiscal’. Conforme os fatos narrados na inicial, o procedimento teria visado à fuga ao pagamento de tributos.’

No caso em exame, verifica-se que a acusação de crime de falso está indissociavelmente ligada à descrição de um potencial crime de sonegação fiscal. O falso, no caso, é descrito como ato praticado com o propósito de iludir o fisco, não podendo ser tratado como crime autônomo. Note-se que o documento supostamente falsificado, atribuído ao paciente, é uma declaração de rendas retificadora. Ou seja, documento destinado exclusivamente a informar ao fisco uma situação jurídica passível de um específico tratamento tributário. E aí se esgota o potencial lesivo de tal documento.

É a própria denúncia formulada perante o STJ que contradiz o parecer do Ministério Público, na parte em que este sustenta que no caso em exame o acusado teria praticado um ato em ‘volição destacada’. A denúncia é clara ao afirmar que ‘com tal conduta pretendeu o Denunciado iludir a administração tributária, fazendo-a acreditar na existência de uma retificadora que na verdade nunca chegou a existir’.

Ou seja, estamos diante de uma ação cuja relevância penal está irremediavelmente vinculada a um fim específico. Não há qualquer cogitação no sentido de que o falso teria sido praticado para outro fim senão o de iludir o Fisco.

Aliás, qual seria a lesividade, qual seria relevância jurídico-penal desse falso que, na visão do Ministério Público, constitui crime autônomo?

Daí a distinção feita por Toledo. Nas hipóteses em que o documento falso exaure a sua eficácia com a prática do estelionato, ter-se-ia a absorção.

Também não impressiona o argumento temporal, no sentido de que o falso seria posterior ao auto de infração. Esse argumento, conforme já expus, é formulado no parecer do Ministério Público. Ali está dito:

‘como está no trecho do voto do il. Min. Fernando Gonçalves – vide: item 5, deste parecer – em volição destacada, porque o auto de infração já fora lavrado, e portanto em momento ulterior, o acusado usa documento falso para estabelecer a prova de que oferecera declaração retificadora em 12.01.99 quando, na verdade, a retificação só aconteceu em 09.01.2001.’

E, a partir desse argumento, imediatamente conclui o Ministério Público que ‘o reconhecimento, em princípio, do crime de uso de documento falso é bastante, de per se.’

Em primeiro lugar, considero que, em tese, o fato de o crime absorvido ser posterior ao crime principal não possui o significado pretendido pelo MP, no sentido de se afastar a possibilidade de aplicação do princípio da consunção.

O que importa, no campo do concurso de normas e, especificamente, no domínio da consunção, é a existência de um tipo penal mais abrangente que, no caso concreto, absorve um outro delito. Veja a citada doutrina de Zaffaroni e Pierangeli. O primeiro exemplo que mencionam é justamente o ‘do fato posterior que resulta consumido pelo delito prévio, como na hipótese em que a apropriação indébita (art. 168 do CP) ocorre quando a coisa é obtida mediante um ardil (estelionato, art. 171)’. Em tal caso, anotam, ‘a tipicidade do estelionato descarta a da apropriação indébita’.

Mas há um outro aspecto que infirma esse argumento temporal. A menção ao auto de infração, que seria anterior à prática do falso, não possui a relevância pretendida pelo Ministério Público.

No caso em exame, o delito descrito pela denúncia, e a discussão que foi travada no STJ, referem-se à absorção do crime de falso pelo crime descrito no art. 2º, I, da mesma Lei 8.137, que cuida de crimes tributários formais, onde a lei não exige qualquer resultado. A configuração desse crime ocorreria, em tese, com a própria declaração falsa. Ou seja, o deslocamento no tempo, que constitui pressuposto da argumentação que o Ministério Público utiliza para afastar a consunção, de fato, sequer existe.

Assim, considerando a absorção do crime de falso pelo crime tributário previsto no art. 2º, I, da Lei 8.137, concluo meu voto no sentido de reconhecer que não há justa causa para o prosseguimento da ação penal pela prática do crime autônomo de falsidade, tal como descrito no art. 304 c/c com o art. 297 do Código Penal.

Nesses termos, defiro a ordem para trancar a ação penal e, em face do pagamento do tributo, reconhecer a extinção de punibilidade quanto ao crime tributário previsto no art. 2º, I, da Lei 8.137.

É o meu voto.” (fls. 88-101)

Da leitura dos argumentos expendidos em meu voto, naquela assentada, minha manifestação baseou-se na premissa de que, uma vez o tributo havia sido pago antes do recebimento da denúncia, seria forçoso reconhecer a extinção da punibilidade quanto aos delitos de sonegação fiscal (Lei no 8.137/1990, art. 2o, I) e dos crimes de falsidade de documento público (CP, 297, § 1o) e de uso de documento falso (CP, art. 304).

A divergência iniciada pelo Min. Carlos Velloso e que acabou servindo como tese condutora do acórdão embargado assumiu o argumento de que, na espécie, seria possível observar, ao menos em tese, “outros delitos, decorrentes de enriquecimento ilícito, que o pagamento do tributo não elidiria”. (fl. 115)

Diante do arquivamento do inquérito destinado a apurar as repercussões criminais do suposto delito de enriquecimento ilícito, não é mais possível reconhecer a plausibilidade da tese condutora do acórdão embargado.

É dizer, por manifestação do próprio representante do Ministério Público, não existe justa causa para a apuração dos indícios de enriquecimento ilícito. E mais, de acordo com a determinação de arquivamento pelo Min. Rel. Fernando Gonçalves, eventuais irregularidade apenas seriam passíveis de punição, quando muito, no âmbito de ação de improbidade administrativa em tramitação perante o STJ.

Por fim, conclui-se que, diante do fato novo correspondente ao arquivamento do Inquérito no 281, não mais seria possível invocar a existência de outros delitos como causa de reconhecimento, ao menos em tese, da autonomia do crime de falso.

Este caso concreto demanda, portanto, a possibilidade de se emprestarem efeitos infringentes a embargos de declaração na hipótese excepcional descrita, na qual a ocorrência de fato novo afasta a premissa lógico-jurídica em que se baseou o acórdão embargado.

Nesse sentido, invoco os seguintes precedentes, nos quais o STF admitiu a modificação de julgados em sede de embargos declaratórios: Pet-AgR no 1.079-DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Pleno, unânime, DJ de 26.04.1996; RHC-ED no 80.520-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, Segunda Turma, DJ de 01.06.2001; e HC-ED no 79.446, Rel. Min. Maurício Corrêa, Segunda Turma, unânime, DJ de 03.03.2000. Nestes termos, considerando o fato novo apresentado e de acordo com os argumentos expendidos no voto por mim proferido na sessão de 23.03.2004, creio ser o caso de acolher os embargos para deferir a ordem de habeas corpus, nos termos em que pleiteada, ou seja, para trancar a ação penal instaurada em face do paciente (AP no 238).

SEGUNDA TURMA

EXTRATO DE ATA

EMB.DECL.NOS EMB.DECL.NO HABEAS CORPUS 83.115-0 SÃO PAULO RELATOR : MIN. GILMAR MENDES

EMBARGANTE(S) : ROBERTO LUIZ RIBEIRO HADDAD

ADVOGADO(A/S) : ANTONIO NABOR AREIAS BULHÕES E OUTRO(A/S)

ADVOGADO(A/S) : JOÃO HENRIQUE CAMPOS FONSECA

EMBARGADO(A/S) : CORTE ESPECIAL DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Decisão:

A Turma, por votação unânime, acolheu os embargos de declaração e, em conseqüência, deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.

Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro Cezar Peluso.

2ª Turma, 12.12.2006.

Presidência do Senhor Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Senhores Ministros Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner Gonçalves. Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!