União de chocolate

Justiça anula decisão do Cade e aprova compra da Garoto

Autor

16 de março de 2007, 23h20

Está aprovada a compra da fábrica de chocolates Garoto pela multinacional suíça Nestlé. Em decisão tomada nesta sexta-feira (16/3), o juiz Itagiba Catta Preta Neto, da 4ª Vara Federal do Distrito Federal, tornou sem efeito a decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que, em 2005, mandou desfazer o negócio.

De acordo com o juiz, o Cade extrapolou o prazo legal para decidir sobre o ato de concentração das empresas, o que tornou sem efeito a sua decisão de desconstituição da compra da Garoto pela Nestlé. O Cade pode — e deve — recorrer da decisão.

“Declaro aprovado automaticamente o ato de concentração submetido à apreciação do CADE em 15.3.2002, em virtude de haver decorrido o prazo previsto no art. 54, § 7º, da Lei 8.884/94, sem que tivesse havido decisão da autarquia, tornando sem efeito a decisão de desconstituição da mesma operação”, conclui o juiz, em sentença de quase 40 páginas.

O dispositivo citado determina que atos de concentração sejam submetidos à apreciação do Cade para que tenham eficácia. E estabelece que a autarquia deve apreciar o ato no prazo de 60 dias. Caso contrário, o negócio será considerado automaticamente aprovado.

“Expediram-se ofícios solicitando as mais diversas e variadas informações, algumas prescindíveis, outras não; foram determinadas inúmeras diligências que levaram um procedimento destinado a durar 60 dias aos 411 dias (mais de um ano)”, observou o juiz.

O Cade argumentou, sem sucesso, que não é cabível o pedido de aprovação automática da operação por decurso de prazo. Isso porque a determinação legal tem o objetivo de punir a inércia da Administração Pública. “Não há que se falar em decurso de prazo para julgamento do pedido de reapreciação, tendo em vista que a lei em nenhum momento menciona qualquer prazo para julgamento deste. A questão é de legalidade estrita, de modo que a Administração Pública só pode fazer aquilo que a lei expressamente autoriza”, alega a autarquia.

A compra da Garoto pela Nestlé foi feita em 2002 por cerca de R$ 600 milhões. Quase dois anos depois, em fevereiro de 2004 o Cade reprovou por cinco votos a um o negócio.

Como o julgamento do ato de concentração aconteceu 441 dias depois da entrada dos autos no Cade, a operação teria de ser aprovada por decurso de prazo, como defendem as empresas. Elas recorreram ao próprio Conselho mais de uma vez. Em abril de 2005, pouco mais de um ano depois, o Cade negou novo recurso da Nestlé para garantir a validade da aquisição da Garoto e deu prazo de 150 dias para que a compra fosse desfeita.

As empresas recorreram à Justiça e conseguiram, nesta sexta, reverter a decisão administrativa. O juiz também condenou o Cade a reembolsar às empresas as custas processuais e a pagar-lhes os honorários advocatícios, fixados em 10% do valor atribuído à causa.

Leia a íntegra da sentença

SENTENÇA N.º /2007

CLASSE 1900: AÇÃO ORDINÁRIA – OUTRAS

PROCESSO: 2005.34.00.015042-8

AUTOR: NESTLÉ BRASIL LTDA. E OUTRO

RÉU: CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA — CADE

SENTENÇA

Vistos etc.

Peço vênia ao Ilustre representante do Ministério Público Federal para transcrever o relato que fez do presente processo (fls. 3.719/3.727):

“Trata-se de Ação Ordinária, com pedido de tutela antecipada, ajuizada por NESTLÉ BRASIL LTDA. E CHOCOLATES GAROTO S.A. contra o CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA – CADE objetivando a anulação da decisão do CADE que desaprovou a compra de ativos da Garoto pela Nestlé, determinando a desconstituição da operação, estabelecendo critérios e prazos para tal.

Sustentam que o art. 54, §§ 6º, 7º e 8º, da Lei nº 8.884/94 prevê que o CADE tem prazo de 60 (sessenta) dias para apreciar o ato de concentração, sob pena de aprovação automática, prazo esse que só é suspenso quando da necessidade de mais esclarecimentos e de documentos imprescindíveis à análise do processo. De modo que, como no caso o julgamento ocorreu apenas 411 dias após a entrada dos autos do Ato de Concentração no CADE, a operação teria de ser aprovada por decurso de prazo, nos termos da Lei.

Aduzem que a maior parte dos ofícios enviados solicitando informações sobre o cumprimento do Acordo de Previsão de Reversibilidade da Operação – APRO, sobre dados do mercado enviados às concorrentes, dentre outros, não servem para suspender o prazo legal de sessenta dias, tendo em vista o não cumprimento do requisito legal da imprescindibilidade para a análise da operação, caracterizando-se o decurso de prazo. Alegam também a contagem de prazo realizada pelo Conselheiro do Relator não condiz nem mesmo com a regra de Processo Civil que determina a exclusão do dia do início da contagem do prazo e a inclusão do dia do término do prazo.


Afirmam que não procede a alegação do CADE de que a matéria de decurso de prazo não poderia ser apreciada no pedido de reapreciação por já ter precluído, uma vez que se trata de questão de ordem pública, de modo que cabia ao CADE reconhecer ex-officio a aprovação por decurso de prazo, como já havia feito em diversos outros casos.

Argumentam que deveria ser reconhecido o decurso de prazo também no que se refere ao pedido de reapreciação do ato de concentração, tendo em vista que desde o seu protocolo até o julgamento se passaram mais de seis meses sem que houvesse nenhuma causa suspensiva do prazo de sessenta dias. Aduzem que o prazo para análise do pedido de reapreciação deve ser o mesmo para a análise do ato de concentração, pois, embora a legislação pertinente nada aponte sobre o tema, deve ser feita uma interpretação sistêmica das leis antitruste.

Sustentam a nulidade do julgamento do CADE diante da ofensa ao contraditório e a existência de cerceamento de defesa, uma vez que as partes foram impedidas de se manifestar sobre todos os atos e fatos do processo. Isso porque algumas informações foram mantidas em sigilo até mesmo para os autores, o que configura cerceamento defesa. Alegam que, sem ter acesso aos dados do processo utilizados pelo CADE para concluir sobre sua participação de mercado, ficaram impedidos de contestar tais dados e, assim, a conclusão do Conselho. O acesso e a contestação de tais dados era essencial, tendo em vista que os dados apresentados pelas autoras e os dados encontrados pelo CADE são bastante discrepantes e foram fundamentais na determinação de desconstituição da operação.

Outra ofensa ao contraditório e à ampla defesa foi a juntada de documentos posteriormente ao julgamento do pedido de reapreciação. Aduzem que vários dias após a sessão de julgamento ocorrida em 05/10/2004, em que se decidiu o mérito do pedido de reapreciação, foram juntados diversos documentos, estudos e pareceres relativos ao processo, tanto pelas autoras quanto por concorrentes, de modo que sobre estes não puderam se manifestar, demonstrando outro cerceamento de defesa.

Os referidos documentos foram claramente utilizados em alguns votos proferidos nessa sessão e constituem o que o Regimento Interno do CADE considera como fato ou documento novo apresentado posteriormente à saída do Conselheiro Relator, o que invalidaria o voto deste, permitindo que o seu substituto votasse em seu lugar. Destacam que o sistema processual vigente determina que se dê vista à parte para se manifestar sobre qualquer documento juntado aos autos, independentemente de sua utilização ou não pelo julgador.

Ressaltam que o voto do Conselheiro Relator não poderia subsistir para o pedido de reapreciação, não só pela existência dos documentos acima apontados, mas também porque outros fatos como a audiência pública realizada em Vitória/ES e outras audiências realizadas no CADE tanto com as autoras quanto com concorrentes agregaram novas informações ao processo, constituindo fato novo que não passou pela análise do Relator que não mais se encontrava no órgão. Alegam que restaram patentes as novidades trazidas por essas audiências, tendo em vista que um dos Conselheiros, que inclusive votou pela inexistência de fato novo, argumentou que os dados colhidos nessas audiências teriam sido essenciais para sua compreensão e formação de seu convencimento.

Argumentam ter havido ilegalidade no voto do Conselheiro Relator, tendo em vista que não foram devidamente fundamentados os motivos para a rejeição da proposta apresentada no pedido de reapreciação. A gravidade da ilegalidade exsurgiria da constatação que todos os demais órgãos que analisaram a operação opinaram pela aprovação da operação com restrições, ou seja, de acordo com o que fora proposto ao Conselho no pedido de reapreciação.

Sustentam que o STJ tem acolhido a teoria do fato consumado que determina que em determinados casos, devido ao considerável transcurso de tempo, não seria mais possível desconstituir situações jurídicas, diante dos graves inconvenientes que isso poderia ocasionar tanto para o beneficiado quanto para terceiros. Alegam que essa teoria deveria ser aplicada ao caso, tendo em vista que a adquirente já fez muitos investimentos na adquirida, gerando muitos empregos diretos e indiretos, trazendo diversos benefícios econômicos e sociais à população, de modo que a desconstituição da operação traria diversos prejuízos, comprometendo os interesses tutelados pela ordem jurídica vigente.

Aduzem que a decisão do CADE de não aceitar o plano de desinvestimento apresentado no pedido de reapreciação ofende os princípios constitucionais da livre iniciativa, da razoabilidade e da proporcionalidade, além do que a determinação de desfazimento total da operação configurando excesso de proibição.


Alegam que o CADE em toda a sua história sempre prezou pelo mínimo de intervenção possível, procurando manter as operações com a adoção de medidas compotamentais e estruturais razoáveis, repudiando soluções drásticas como a tomada no presente caso. A decisão impugnada contrariou a prática administrativa, além de ter sido desproporcional e desarrazoada, principalmente diante do longo tempo decorrido desde a efetivação da operação até a determinação de desconstituição.

Por fim, postulam a aprovação automática do ato de concentração ou, caso tal pedido seja rejeitado, a decretação de nulidade da decisão do CADE, a fim de que este profira novo julgamento com a observância das garantias constitucionais, ou, então, o acolhimento da teoria do fato consumado com o conseqüente reconhecimento das autoras à aprovação do ato de concentração, tornando sem efeito a decisão que o rejeitou.

Em 27/03/2005 o Sindicato dos Trabalhadores em Alimentação e Afins no Espírito Santo – SINDIALIMENTAÇÃO veio aos autos para informar que move ação civil pública contra as autoras e o réu do presente processo perante a 12ª Vara Federal de Vitória – Seção Judiciária do Estado do Espírito Santo, de modo que aquele juízo estaria prevento para apreciar a presente lide. Informa ainda que a referida causa está suspensa tendo em vista que o CADE ajuizou exceção de incompetência em razão do lugar.

Na decisão de 30/05/2005 atestou-se não haver como analisar a ocorrência ou não de prevenção, tendo em vista que o SINDIALIMENTAÇÃO juntou aos autos apenas cópia da inicial da ação e impressões de consultas via Internet, os quais não produzem qualquer efeito legal. Decidiu, ainda, indeferir o pedido de vistas do CADE para se manifestar sobre a medida de urgência e deferir medida acautelatória para sustar o transcurso dos prazos da decisão do CADE ora impugnada até que se possa formar juízo preliminar mais consistente sobre a legitimidade e a legalidade das exigências daquela autarquia. Advertiu, porém, que os autores não devem agir de forma a impedir o cumprimento da decisão ora impugnada, sob pena de multa por litigância de má-fé.

Em 30/06/2005, o juiz federal substituto da 12ª Vara Federal de Vitória da Seção Judiciária do Espírito Santo rejeitou a exceção de incompetência apresentada pelo CADE, mantendo o processamento da ação em seu juízo.

Em sua contestação, apresentada em 01/08/2005, o CADE argumentou que não é cabível o pedido de aprovação automática da operação por decurso de prazo. Isso porque a determinação legal tem o objetivo de punir a inércia da Administração Pública, o que não ocorreu no caso, pois, pelo contrário, o CADE a todo tempo diligenciou no sentido de instruir da melhor forma possível o processo que, se deve ressaltar, é de altíssima complexidade. Não se pode afirmar que houve inércia do Poder Público, pois esta inclui não só a decisão final, mas também todos os atos necessários para a tomada dessa decisão, o que resta patente, num ato de concentração de mais de setenta volumes, é que o que o Conselho sempre se esforçou para preparar o julgamento para que este fosse o mais justo e preciso possível, realizando audiências públicas com as partes e interessados, analisando infindáveis pareceres e enviando ofícios para obter esclarecimentos sobe questões econômicas e de mercado.

Diz que a questão da imprescindibilidade ou não das diligências efetuadas pelo CADE, que suspenderam o prazo definido na lei antitruste nunca foi questionada pelas autoras durante todo o trâmite do ato de concentração. Ressalta que todos os ofícios são referendados em sessão plenária de modo que pôde sempre saber da existência dos mesmos, tendo tido a oportunidade de impugná-los, o que nunca o fez.

No entanto, vem agora, diante da decisão administrativa desfavorável, discutir tal questão que nunca demonstrou incomodar durante o procedimento administrativo. Os atos processuais não podem estar sujeitos à impugnação indefinidamente, por uma medida de segurança jurídica, de modo que há sim a preclusão. Esta atinge mesmo o pedido de aprovação por decurso de prazo, pois foi efetuado apenas quando do pedido de reapreciação.

Aduz que a análise da prescindibilidade das diligências deve ser efetuada apenas pelo julgador, diante da subjetividade do conceito de imprescindível, de modo que qualquer decisão sobre o tema adentra o mérito do ato administrativo, interferindo na discricionariedade que a lei atribuiu ao Conselho, o que é inconstitucional.

Do seu ponto de vista, não há que se questionar sobre a possibilidade de haver instrução no CADE, pois a lei explicitamente permite isso e não se pode privar um órgão judicante da prerrogativa de instruir um processo, ou seja, de arrecadar todos os elementos necessários à formação de seu convencimento, que deve ser consistente e fundamentado.


Argumenta que também não há que se falar em decurso de prazo para julgamento do pedido de reapreciação, tendo em vista que a lei em nenhum momento menciona qualquer prazo para julgamento deste. A questão é de legalidade estrita, de modo que a Administração Pública só pode fazer aquilo que a lei expressamente autoriza. Não se pode sequer dizer que se tratava de um novo ato, uma vez que se assim fosse, careceria de todas as formalidades legais.

Nega que houve utilização de dados secretos para a formação do convencimento dos julgadores. A conclusão a que chegou a SEAE está no seu parecer que é público, de modo que sobre ele as autoras sempre puderam se manifestar, não sendo obrigado ao julgador abrir vistas para manifestação sobre parecer meramente opinativo. O objetivo de tal alegação é procurar impingir ao órgão julgador a utilização dos dados preferíveis pelas autoras, quais sejam os da Consultoria ACNielsen, os quais já foram sim muitas vezes utilizados pelo CADE, o que, entretanto, não o obriga a utilizar nesse caso.

Alega que não há qualquer cerceamento de defesa ou ofensa ao contraditório com a juntada posterior ao julgamento de determinados documentos. Os pareceres da Procuradoria do CADE e do Ministério Público Federal relativo a esse ponto aduziram que não houve qualquer problema, tendo em vista que não se observa qualquer influência dos referidos documentos nos votos dos Conselheiros. Aduz que não há qualquer problema em terem sido juntadas dezenas de documentos após o voto do ex-Conselheiro Thompson Andrade, relator do processo, uma vez que pareceres, estudos e memoriais não são verdadeiramente documentos, não constituindo fato novo ou elemento de prova.

Sustenta que a audiência pública não é fato novo, pois o sentido de fato novo existente no art. 10 da Resolução nº 15/98 do CADE não é o de instrução, prova, de modo que a audiência foi apenas mais um dos elementos de convicção do Conselheiro Luís Scaloppe, não havendo nem mesmo contradição no fato de este utilizar em seu voto a audiência e ao mesmo tempo dizer que não houve fatos novos no processo.

Afirma que o voto do Conselheiro Thompson Andrade, no que se refere ao mérito do pedido de reapreciação, foi devidamente fundamentado, baseando-se em exame técnico-econômico para concluir pela insuficiência do plano de desinvestimento para superar os problemas apontados quando da decisão do ato de concentração. Ressalta, ainda, que o julgador não está obrigado a responder todas as alegações das partes detalhadamente, bastando que encontre motivos suficientes para fundamentar a decisão.

Aduz que, no que se refere à alegação de inconstitucionalidade da decisão, as autoras não apontaram de que forma a decisão do Conselho teria extrapolado os campos da razoabilidade e da proporcionalidade, corrompendo a livre iniciativa. A interferência do CADE na esfera privada tem o objetivo claro de reprimir o abuso econômico que vise à dominação do mercado. A livre iniciativa deve ser interpretada em conjunto com todos os demais elementos do art. 170 da Constituição, não podendo, portanto, se sobrepor à livre concorrência, defesa do consumidor, dentre outros bens jurídicos presentes no referido dispositivo. É preciso notar, ainda, que a mínima intervenção deve ser pautada pelos parâmetros estabelecidos na Constituição Federal, de modo que é atribuído ao CADE a competência de fazer essa adequação quando da análise dos atos de concentração.

Argumenta que não se aplica ao caso a teoria do fato consumado, uma vez que o art. 54, § 7º, da Lei nº 8.884/94 determina que os atos de concentração só podem ter eficácia após a aprovação pelo CADE. A decisão do Conselho não determina a nulidade da operação, mas sim a sua desaprovação, impedindo, assim, que produza efeitos. Ademais, não houve inércia da Administração Pública e também foi formulado um Acordo de Preservação de Reversibilidade da Operação, que teve a função de assegurar todas as condições para a reversibilidade da operação.

Postula o julgamento antecipado da lide e a improcedência total dos pedidos.

Em 29/08/2005, o Juiz deu-se por competente para o julgamento do processo, entendendo não haver nada, no que diz respeito ao objeto e à causa de pedir desta causa e da Ação Civil Pública ajuizada pelo SINDIALIMENTAÇÃO, que impeça que as ações sejam julgadas independentemente (fls. 3.616/3.617).

Dessa decisão o SINDIALIMENTAÇÃO interpôs agravo de instrumento (fls. 3.622/3.634).

Em 19/09/2005 as autoras apresentaram réplica à contestação do CADE (fls. 3.638/3.716).

Após solicitação formal, vieram os autos ao Ministério Público Federal em 26/09/2005.”

O Parecer concluiu sugerindo (fls. 3.746):

Em face do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer a juntada de cópia da petição de agravo, bem como a reconsideração da liminar, opinando:


a) pela determinação de juntada de índice completo do processo administrativo e de cópia de todos os despachos e ofícios cujas diligências ou solicitações foram objeto de impugnação neste processo;

b) que, na forma do art. 125, inciso IV, do CPC, se concite as partes a negociarem um acordo, visando a melhor solução ao interesse público;

c) no caso de insucesso da conciliação, pela procedência parcial da demanda, apenas para a contagem do prazo durante as diligências relativas a apuração de eventual descumprimento do APRO.”

Sobre referido parecer ambas as partes se manifestaram.

Também concordaram com o julgamento antecipado da lide apresentando, ao final, razões finais.

É o relatório.

DECIDO.

Preliminarmente cumpre a este juízo agradecer a generosidade das partes e do Ministério Público que gentilmente remeteram por correio eletrônico as cópias digitalizadas das principais peças que produziram nestes autos.

Deve-se assinalar, ainda em preliminar, que a sindicabilidade dos atos administrativos, inclusive em seu mérito, é plenamente viável e juridicamente aceita quando ameacem ou lesem direitos individuais. Tal decorre do Art. 5°, inciso XXXV, da Constituição Federal.

Sabendo-se, contudo, que os aspectos formais precedem os materiais, cumpre analisar, primeiramente, as questões referentes à obediência ou não ao devido processo legal em âmbito administrativo.

Esta foi a tônica maior da defesa da NESTLÉ.

Analisemos suas alegações não pela ordem em que foram deduzidas, mas pela relevância dos fatos trazidos à apreciação judicial.

MOTIVAÇÃO DEFICIENTE DO VOTO DO RELATOR

A tese de que o voto do relator teria motivação deficiente adentra, sim, o mérito administrativo da questão. Sobretudo, no entanto, não convence. É que embora sucinto, ou mesmo até lacônico, o voto se reporta a todo o procedimento administrativo bem como aos pareceres da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE) e Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (SAE), que integram as razões da decisão.

TEORIA DO FATO CONSUMADO

Outro argumento da NESTLÉ que não convence diz respeito à aplicação da teoria do fato consumado.

A existência do Acordo de Preservação de Reversibilidade da Operação – APRO tem justamente esta função: garantir que as condições da empresa adquirida não sejam modificadas a tal ponto que se consume a operação realizada. A existência do APRO deve garantir e vem garantindo – que a operação poderá ser desfeita se assim determinar o Conselho ou, no presente caso, este Juízo.

Raciocinar de outra forma levaria este Juízo a crer que foi induzido a erro ao deferir a antecipação da tutela, posto que arrimado em contra-cautela inidônea o que, ao que conste até o momento, não é o caso. Ao CADE, no âmbito deste autos inclusive, cabe zelar pelo cumprimento do APRO.

UTILIZAÇÃO DE DADOS “SECRETOS”

Melhor sorte começa a colher a NESTLÉ com as alegações de nulidade do procedimento administrativo no que tange à utilização de dados “secretos” ou sigilosos a embasar a decisão do CADE.

Ora, muito embora se admita a existência de dados sigilosos em um procedimento como o que aqui se impugna, tal não deve ser a regra e nem muito menos o fundamento ou um dos fundamentos basilares da decisão.

Além disso, como se trata de exceção aos princípios gerais (com raízes constitucionais) da publicidade dos procedimentos administrativos e da ampla defesa, tais procedimentos deveriam ter previsão explícita e detalhada em lei, em sentido estrito, o que não ocorre no caso.

A Lei n° 8.884/94, embora mencione dados e procedimentos sigilosos não detalha e nem regula o uso de tais dados e tais procedimentos, a ponto de permitir sua utilização da forma exageradamente discricionária empregada pelo CADE.

Além de ofender os princípios gerais – constitucionais – da ampla defesa e publicidade, tal procedimento enseja indevidas e inoportunas manipulações.

DILAÇÃO PROBATÓRIA INOPORTUNA – JUNTADA DE DE DOCUMENTOS E REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA

Outra mácula do procedimento, que importou em violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, merecendo, assim, repulsa judicial, ocorreu com a juntada dos documentos que compõem o 2º e 3º volumes e mais um apartado confidencial dos autos do pedido de reapreciação, efetivada somente depois do seu julgamento (doc. 21).

Conforme alegado na inicial e se pode observar dos autos, “nos dias 7 e 13 de outubro de 2004, isto é, respectivamente, dois e oito dias após a sessão de julgamento ocorrida no dia 5/10/2004 e que decidiu o mérito do pedido de reapreciação, foram juntadas aos autos centenas e centenas de folhas contendo documentos, estudos e pareceres relativos ao processo em referência. A par de alguns deles terem sido apresentados pelas próprias Autoras, certo é que em sua grande maioria foram encaminhados pela oponente Kraft Foods Brasil S.A.(LACTA – concorrente das autoras) e outros terceiros, inclusive a partir de solicitações de conselheiros do CADE, o que os caracterizam como documentos novos a invalidar o voto do Conselheiro Relator que deixou o CADE antes da apresentação de tais documentos.” (fls.45)


A argumentação da autora impressiona (fls. 45/48):

Ocorre que, ao ensejo de audiências de instrução realizadas após a apresentação do pedido de reapreciação, acabaram por ser acostados aos autos diversos elementos encaminhados por solicitação dos Conselheiros presentes em tais atos, documentos esses, sobre os quais, reprise-se, as Autoras NESTLÉ/GAROTO não puderam se manifestar, dando causa à ocorrência de grave ofensa ao princípio do contraditório. Tais documentos consistiram, por exemplo, em:

– 28 páginas de informações sobre a flexibilidade das linhas de fabricação de chocolates (fls. 839-840 e 852-877), enviadas pela Kraft Foods Brasil S.A. no dia 04 de outubro, em atendimento à solicitação do Conselheiro Luiz Carlos Prado;

– 2 tabelas e 1 gráfico com dados acerca da representatividade do segmento caixas de variedades no mercado de chocolate (fls. 841-842), fornecidos pela Kraft Foods Brasil S.A. no dia 04 de outubro, em atendimento à solicitação do Conselheiro Roberto Pfeiffer;

– Dados de pesquisas do instituto ACNielsen e da consultoria Ipsos Novaction com informações sobre importância das marcas guarda-chuva (fls. 843-847), fornecidos pela Kraft Foods Brasil S.A. no dia 04 de outubro, em atendimento à solicitação do Conselheiro Ricardo Cueva;

– Dados do instituto ACNielsen sobre faturamento no mercado relevante de chocolates no ano de 2003 (fls. 847-849), fornecidos pela Kraft Foods Brasil S.A. no dia 04 de outubro, em atendimento à solicitação do Conselheiro Ricardo Cueva; e,

– Nota técnica com simulações econômicas sobre possíveis soluções para a operação (fls. 886-894), fornecidos pela Kraft Foods Brasil S.A. no dia 04 de outubro, em atendimento à solicitação do Conselheiro Ricardo Cueva;

– Estudo de Avaliação Econômico-Financeira dos Ativos Propostos para Venda (autuado em apartado confidencial), fornecido pela Singular Assessoria Financeira no dia 28 de setembro, em atendimento à solicitação do Conselheiro Luis Fernando Vasconcelos, secundada por outros conselheiros presentes.

É certo que esses novos dados, estudos e pareceres, além de outros, apresentados nas diversas audiências realizadas com representantes e consultores das Autoras e de terceiros (Kraft Foods, Masterfoods e Cadbury), e levados aos autos somente após o julgamento do pedido de reapreciação, serviram para a análise do plano de desinvestimento proposto pelas Requerentes, tendo inclusive, alguns deles, nitidamente sido utilizados nos votos proferidos nesta sessão, conforme se verifica na tabela juntada em anexo. (doc. 37)

Desses documentos não tiveram acesso nem as Autoras e, mais grave ainda, nem mesmo o Conselheiro Luiz Scaloppe – que naquele instante processual estava com vista dos autos, conforme expressamente declarou (doc. 18), indicando, ainda, que poderia ter revisto seu voto proferido na exceção de fato novo, se não lhes tivessem sonegado o acesso a esses documentos.

Essa nulidade há de ser aqui reconhecida, tornando insubsistente o julgamento do pedido de reapreciação, por violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Como conseqüência dessa nulidade, considerando que desde a data daquele julgamento não houve qualquer causa que justificasse a suspensão do prazo para deliberação previsto no art. 54, §6º, o pedido de reapreciação há de ser considerado aprovado por decurso de prazo ou, alternativamente, há de ser determinado a realização de novo julgamento, após sanada a nulidade.”

Ao refutar tais alegações o CADE (seguido pelo Ministério Público Federal) aduz, às fls. 3.385, que:

“A priori, cumpre observar que tal argumento já fora explorado pela Nestlé em sede de Embargos de Declaração no CADE, no qual a Procuradoria do CADE expôs seu posicionamento no Parecer ProCADE nº 130/2005 (ANEXO VI), reforçado pelo Parecer do Ministério Público Federal atuante nesta Autarquia (ANEXO II), in litteris:

“Além disso, se documentos, estudos e pareceres foram para os autos após o julgamento do pedido de reapreciação, constituem meras ilações as afirmações das embargantes de que três dos Conselheiros deles se utilizaram na fundamentação de seus votos, na parte em que fizeram análises sobre o plano de desinvestimento apresentado. Pela leitura dos votos proferidos pelos Conselheiros Rigato, Prado e Pfeiffer, é possível constatar que em nenhum momento qualquer um deles se reporta a documentos, estudos ou pareceres juntados aos autos. A fundamentação dos seus votos, pelo que se pode ver, resulta de um conjunto de elementos existentes no processo, não tendo esta ou aquela prova especificamente definido a tendência de cada pronunciamento.”

Ora, se o CADE não se manifestou sobre documentos que ele mesmo requisitou, isto, só por si, já é uma ofensa ao devido processo legal. Se eram dispensáveis tais documentos, por que requisitá-los? Se eram necessários, por que não foram devidamente analisados e valorados?


Veja-se que não se trata, como afirma o CADE de mero “oferecimento de memoriais, pareceres e estudos por quem não é parte no processo administrativo”. Foram documentos requisitados pelo CADE.

E mais: aquelas requisições tiveram (ou não) o condão de suspender prazo fatal para o CADE.

A NESTLÉ alega, ainda, que seria “nulo, ainda, o julgamento do pedido de reapreciação porque após o voto do Conselheiro-Relator Thompson rejeitando o pedido de reapreciação na 326ª sessão ordinária de 14 de julho de 2004, sobrevieram fatos novos que inquestionavelmente tornaram insubsistente aquele voto proferido, nos termos do art. 17-A do Regimento Interno do CADE – Resolução CADE n.º 12/98” (fls. 49).

Veja-se (fls. 49):

“De fato, após o voto do Relator, pediu vista dos autos o Conselheiro Luiz Scaloppe. Posteriormente, antes de proferir seu voto, esse Conselheiro trouxe à homologação do Plenário despacho de indicação de realização de audiência pública, aprovada por maioria em 01/09/2004.

Após a realização daquela audiência pública em Vitória/ES em 02/09/2004, sob a presidência do Conselheiro Scaloppe, bem como de outras audiências reservadas, concedidas tanto às Autoras como a empresas oponentes, das quais participaram os demais Conselheiros, acabaram proporcionando a juntada de documentos novos conforme já mencionado anteriormente. Tanto assim, que na assentada de 05/10/04 o d. Representante do Ministério Público Federal junto ao CADE suscitou “exceção de fato novo”.

Indicou o membro do Parquet a insubsistência do voto do ex-Conselheiro Thompson Andrade, tendo em vista a existência de fatos novos nos autos, decorrentes daquela audiência pública realizada pelo Conselheiro Luiz Alberto Esteves Scaloppe.”

O CADE refuta tais alegações nos seguintes termos (fls. 3.388/3.390):

“Proferido o voto do relator Conselheiro Thompson Andrade, no Pedido de Reapreciação, pediu vista do processo o Conselheiro Luiz Alberto Scaloppe. Os demais Conselheiros optaram por não votar sobre o mérito, aguardando o voto vista.

Nesse ínterim, encerraram-se os mandatos e alterou-se a composição do Conselho, tendo assumido quatro novos integrantes, entre eles a atual Presidente, que havia sido parecerista no caso e, portanto, encontrava-se impedida.

Foi sorteado novo Relator para o caso, o Conselheiro Ricardo Cueva, o qual não votaria sobre matéria já decidida pelo relator anterior, o Conselheiro Thompson Andrade.

O Conselheiro Scaloppe, que tinha o processo em vista, manifesta intenção de realizar audiência pública na cidade de Vila Velha-ES, para conhecer o local da fábrica. Em sessão do Conselho, autoriza-se a realização da audiência pública no Espírito Santo.

O processo retorna à mesa em 05/10/2004. Abre-se discussão no Plenário para saber se a audiência pública constituía fato novo, passível de invalidar o voto do Conselheiro Thompson já proferido, com base no artigo 17-A, do Regimento Interno do CADE (Resolução n° 12/1998 (Anexo III):

“Art. 17-A- O voto já proferido por conselheiro que termine o seu mandato e venha a ser substituído por outro será considerado subsistente, exceto quando fatos ou provas novos relevantes e capazes de, por si só, modificar significativamente o contexto decisório, supervenientes ao voto já proferido, vierem a integrar os autos em razão de diligência realizada por algum dos membros do Plenário.

§ 1°- Compete ao Plenário, ouvida a Procuradoria-Geral, decidir sobre a ocorrência de exceção prevista na hipótese acima, devendo o Conselheiro que estiver com vista dos autos relatar a decisão sobre esta questão, após o que será dada continuidade ao julgamento.

§ 2°- Na hipótese do voto anteriormente proferido ser considerado subsistente, o Conselheiro que vier a substituir o Conselheiro cujo mandato terminou não votará.

§ 3°- Caso o Plenário decida, excepcionalmente, pela insubsistência do voto anteriormente proferido, deverá votar o Conselheiro que substituiu aquele cujo mandato terminou, podendo ratificar ou não o voto anterior.”

O Conselho decide pela negativa; entendeu que a audiência pública realizada pelo Conselheiro Scaloppe apenas tinha alcançado ele próprio – o que, aliás, este afirmou em seu voto às fls. 1658/1689 dos presentes autos (cf. transcrição abaixo):

“Creio haver mantido saneados os autos, razão para a advertência de que não foram anexadas quaisquer peças novas aos autos, à exceção do relatório formal da audiência pública, NA QUAL NÃO CONSTA NENHUM FATO NOVO.” (fls. 1659) (…)

A outro momento, quando houve a tentativa, agora das Requerentes (Nestlé/Garoto), também aquiescida pelo novo Relator, de fazer juntar aos autos um pedido de declaração de decurso de prazo, a refutei veementemente por extemporânea, assim discussão preclusa, portanto mandando devolver as peças ao mesmo Conselheiro.


Além de serem claros expedientes para instalações de uma confusão no processo, essas sim, foram tentativas que produziriam o chamado fato novo. Não as permiti bem como indeferi todas as demais petições de mesmo cunho.

(…) “A audiência pública amplia a inserção das empresas, consumidores e trabalhadores na compreensão de questão tão complexa como a que estamos para julgar, nos permite melhor compreender os efeitos que nossa decisão produzirá no mercado, na cidade e nos empregos. Ela permite que se elucide a todos fatos e mecânicas processuais tão desconhecidos do público, dos especialistas da comunicação e de muitos profissionais do Direito e da Economia. Ela contribui para se desfazer o véu das aparências.

Estou certíssimo que a minha insistência faz consolidar este instituto e, vaticino, será plenamente utilizado nesta causa.

As conclusões sobre os esclarecimentos que eu obtive dos personagens e entidades convidados e confirmados em audiência pública pertencem à subjetividade deste julgador. São elucidações sobre dúvidas que circundavam a formação da minha conclusão do que seja legal e mais justo para esse caso.” (fls.1665/1666)

Ora, há algo de errado aí. Um dos conselheiros do CADE “manifesta intenção de realizar audiência pública na cidade de Vila Velha-ES, para conhecer o local da fábrica (!!!). Em sessão do Conselho, autoriza-se a realização da audiência pública no Espírito Santo”. Audiência pública só para um Conselheiro do CADE conhecer uma fábrica? Uma audiência pública que não é fato novo no processo? “Conclusões sobre os esclarecimentos” que “pertencem à subjetividade deste julgador (rectius: conselheiro)?

Ora, as decisões de um colegiado se formam, justamente, pela soma das conclusões e convicções sobre o que seja legal e mais justo para o caso de cada um dos julgadores. A soma dessas conclusões e convicções, pertencentes a cada uma das subjetividades de cada um dos julgadores é que irá resultar na decisão do colegiado.

E, de resto, aquelas afirmações serviram apenas para afastar a questão incidental levantada pelo Ministério Público junto ao CADE, como se vê do voto do Conselheiro, também transcrito pelas autoras na inicial (fls. 50):

“Eu venho, em função disso, dizer que com a audiência pública, sem querer antes me antecipar, que realizei, deu-me tranqüilidade para julgar …”

“Vi a audiência pública como vital para poder obter esclarecimentos públicos, o que entendo fundamentais para que eu tenha tranqüilidade sobre as conseqüências sociais e econômicas em lançar meu voto …”

“… ela permite que se elucide a todos os fatos e mecanismos processuais tão desconhecidos do público, dos especialistas da comunicação e de muitos profissionais até mesmo de direito e economia que aqui não trabalham. É ela, essa audiência pública, contribui para desfazer o véu das aparências e ela me ajudou nisso e me deu essa tranqüilidade desse voto …” (Transcrição oficial da 30ª Sessão Extraordinária do CADE realizada em 05/10/04.).

Também aqui o devido processo legal foi desrespeitado. A audiência pública era fato novo e, portanto, deveria ter sido respeitado o artigo 17-A, do Regimento Interno do CADE – Resolução n° 12/1998.

Todos os fatos acima demonstram que não foi observado o devido processo legal no caso sob julgamento. Cada uma de tais circunstâncias – utilização de dados “secretos” e dilação probatória inoportuna (juntada de documentos e realização de audiência) – isoladamente, seriam suficientes para anular todo o procedimento administrativo.

O PRAZO PARA A DECISÃO ADMINISTRATIVA – ART. 54, §§ 6° E 7° DA LEI N° 8.884/94

Mas não é só. A questão atinente ao prazo para a decisão administrativa é, indubitavelmente, a mais relevante. Isto por que os parágrafos 6° e 7° da Lei n° 8.884/94 cominam, ao descumprimento do prazo pela Administração, a conseqüência mais drástica:

“ § 6º Após receber o parecer técnico da Seae, que será emitido em até trinta dias, a SDE manifestar-se-á em igual prazo, e em seguida encaminhará o processo devidamente instruído ao Plenário do Cade, que deliberará no prazo de sessenta dias.

§ 7º A eficácia dos atos de que trata este artigo condiciona-se à sua aprovação, caso em que retroagirá à data de sua realização; não tendo sido apreciados pelo Cade no prazo estabelecido no parágrafo anterior, serão automaticamente considerados aprovados.”

Autoras, réu e Ministério Público entretiveram-se longamente com a divisão e classificação das diligências determinadas pelo CADE em “grupos”.

A Autora, na inicial, assim propôs o debate (fls. 26/38):

No entanto, o prazo despendido para a deliberação é substancialmente maior, pois, objetivamente considerados, os ofícios (diligências) que, segundo o Relator, teriam suspendido o prazo legal não eram imprescindíveis. O entendimento do Relator consignado na citada certidão sucumbe até mesmo a uma análise superficial do objetivo de cada um deles, eis que facilmente se identifica que, em sua maioria, sequer cuidavam de diligências necessárias, que dirá imprescindíveis para a análise do caso.


Os citados ofícios, para facilitar a compreensão da questão, poderiam ser classificados em 7 (sete) diferentes Grupos, a seguir apontados:

(i) Ofícios dirigidos à Cia Brasileira de Distribuição e às Lojas Americanas, solicitando manifestação acerca dos efeitos concorrenciais da operação;

(ii)

Prescindíveis porque não foram respondidos e seriam meras opiniões de duas empresas varejistas.

(iii) Ofícios solicitando esclarecimentos das Requerente e de terceiros sobre denúncias de descumprimento do Acordo de Preservação de Reversibilidade da Operação – APRO;

Prescindíveis porque a questão não é relativa ao ato de concentração em si.

(iv) Ofícios requisitando a apresentação de versão pública de documentos que continham informações confidenciais que já estavam em poder do CADE;

Prescindíveis porque os dados, em sua versão completa, já constavam dos autos.

(v) Ofício comunicando a requisição do técnico da SDE que estava auxiliando o Conselheiro-Relator;

Prescindível porque ofício de mero expediente, de natureza burocrática e funcional.

(vi) Ofício solicitando a Kraft Foods, terceiro com interesse econômico na reprovação do ato de concentração, estudos e análises que já haviam sido apresentados pelas Autoras;

Prescindível porque os estudos e análises seriam meramente opinativos.

(vii) Ofícios solicitando informações que não receberam qualquer menção na decisão.

Prescindíveis porque ignorados na análise do CADE.

(viii) Ofícios facultando manifestação das Autoras sobre documentos juntados pela Kraft Foods Brasil S/A.

Prescindíveis porque sequer obrigatória a resposta.

Para maior clareza, e nos termos da classificação acima, veja-se, a seguir, cada um dos ofícios dos grupos indicados.

GRUPO (i):

01. Ofícios CADE nº 494/03 e 495/03, de 28/02/03

Fls. dos autos: 1914/1915

Destinatários: Companhia Brasileira de Distribuição e Lojas Americanas

Início da suposta suspensão de prazo: 28/02/03 (sexta-feira)

Final da suposta suspensão de prazo: 24/03/03 (segunda-feira)

Número de dias que teria sido suspenso o prazo: 25 dias

02. Ofícios CADE nº 807/03 e 808/03, de 03/04/03

Fls. dos autos: 2053/2055

Destinatários: Companhia Brasileira de Distribuição e Lojas Americanas

Objeto: reiteram ofícios anteriores solicitando manifestação acerca dos possíveis efeitos anticoncorrenciais decorrentes da operação.

Início da suposta suspensão de prazo: 03 de abril de 2003

Final da suposta suspensão de prazo: 23 de abril de 2003

Número de dias em que teria sido suspenso o prazo: 21 dias

Os ofícios acima listados, sequer foram respondidos e a ausência dessa resposta não impediu a análise e julgamento do ato de concentração, revelando não serem as informações pedidas imprescindíveis.

Além disso, envolviam mera opinião de empresas varejistas, longe de serem classificadas como imprescindíveis, sendo certo que se essa opinião sobre os possíveis impactos da operação pudesse ser considerada esclarecimento imprescindível, isso significaria que o CADE não teria competência técnica para a análise desses impactos e, conseqüentemente, para julgar o próprio ato de concentração.

Por fim, se as solicitadas opiniões de terceiros que sequer foram apresentadas, fossem imprescindíveis para a análise do processo, as Autoras poderiam ser prejudicadas por empresas que, se eventualmente se opusessem à operação, poderiam também tumultuar e prolongar ao máximo o processo.

GRUPO (ii):

01. Ofício CADE nº 708/03, de 26/03/03

Fls. dos autos: 05 do Volume “Denúncias de descumprimento do APRO”

Destinatário: Nestlé Brasil Ltda.

Objeto: solicita manifestação acerca das denúncias de descumprimento do APRO

Início da suposta suspensão de prazo: 26/03/03 (quarta-feira)

Final da suposta suspensão de prazo: 15/04/03 (terça-feira)

Número de dias em que teria sido suspenso o prazo: 21 dias

02. Ofício CADE nº 0979/03, de 17/04/03

Fls. dos autos: 2072

Destinatário: Distribuidores de Alimentos Ltda.

Objeto: solicita manifestação sobre natureza e extensão das supostas alterações que teriam ocorrido na política de distribuição dos produtos Garoto com objetivo de apurar eventual descumprimento do APRO

Início da suposta suspensão de prazo: 17/04/03

Final da suposta suspensão de prazo: 30/04/03

Número de dias em que teria sido suspenso o prazo: 14 dias

03. Ofício CADE nº 1289, de 27/05/03

Fls. dos autos: 147 do volume “Denúncias de descumprimento do APRO”

Destinatário: Nestlé Brasil Ltda.

Objeto: solicita manifestação acerca de denúncias de descumprimento do APRO


Início da suposta suspensão de prazo: 27/05/03

Final da suposta suspensão de prazo: 16/06/03

Número de dias em que teria sido suspenso o prazo: 21 dias

04. Ofício CADE nº 1605, de 27/06/03

Fls. dos autos: 167 do volume “Denúncias de descumprimento do APRO”

Destinatário: Jotacê Representações e Distribuições Ltda.

Objeto: solicita manifestação sobre resposta da Nestlé à denúncia de descumprimento do APRO

Início da suposta suspensão de prazo: 27/06/03

Final da suposta suspensão de prazo: 28/07/03

Número de dias em que teria sido suspenso o prazo: 32 dias

Observação específica desse ofício:

No caso o objetivo do ofício era apenas a manifestação de terceiro sobre a resposta das Autoras à denúncia de descumprimento do APRO e o próprio ofício não considera imprescindível a manifestação pois assinala que a empresa pode manifestar-se, “caso julgue oportuno”;

Houve pedido de dilação de prazo por parte do terceiro, indicando, mais uma vez, que o CADE admitiu a interferência de pessoa alheia ao caso no curso da deliberação sobre o ato de concentração, e por uma razão absolutamente estranha aos autos.

05. Ofício CADE nº 1839, de 30/07/03

Fls. dos autos: 3069

Destinatário: Nestlé Brasil Ltda.

Objeto: agenda audiência com Sr. Ivan Zurita e solicita manifestação acerca das denúncias de descumprimento do APRO

Início da suposta suspensão de prazo: 30/07/03

Final da suposta suspensão de prazo: 11/08/03

Número de dias em que teria sido suspenso o prazo: 13 dias

06. Ofício CADE nº 1929, de 08/08/03

Fls. dos autos: 241 do volume “Denúncias de descumprimento do APRO”

Destinatário: Nestlé Brasil Ltda.

Objeto: solicita manifestação sobre da denúncia feita pela Kraft Foods Brasil S/A alegando descumprimento do APRO

Início da suposta suspensão de prazo: 08/08/03

Final da suposta suspensão de prazo: 15/08/03

Número de dias em que teria sido suspenso o prazo: 08 dias

07. Ofício CADE nº 2178, de 09/09/03

Fls. dos autos: 313 do volume “Denúncias de descumprimento do APRO”

Destinatário: Nestlé Brasil Ltda.

Objeto: solicita manifestação acerca das denúncias da Kraft Foods Brasil S/A de descumprimento do APRO e do requerimento do Ministério Público Federal.

Início da suposta suspensão de prazo: 09/09/03

Final da suposta suspensão de prazo: 25/09/03

Número de dias em que teria sido suspenso o prazo: 17 dias

Os ofícios deste grupo tratam de questão paralela, autônoma, externa ao processo e sem qualquer influência na análise do ato de concentração, pois eventual descumprimento do APRO não poderia repercutir na avaliação do ato de concentração, e vice-versa.

De fato, o APRO possui objeto distinto do processo principal (ato de concentração). Esclarecimentos de denúncias de descumprimento do APRO não constituem matéria própria do processo que analisa o ato de concentração. Trata-se de questão subjacente e autônoma, analisada em separado e em autos próprios.

Observe-se que a operação poderia ter sido aprovada sem restrições pelo CADE e, independentemente disso, a empresa ter sido punida por desrespeitar o APRO. Da mesma forma, cumpridas todas as condições impostas pelo APRO, o ato de concentração poderia, ainda assim, não ser aprovado. Aliás, a situação dos autos é justamente essa.

O Conselheiro-Relator, inclusive, reconheceu que questões relativos a APRO são alheias aos autos principais quando determinou o desentranhamento (despacho de fls. 3403, de 14 de agosto de 2003 – doc. 36) das infundadas denúncias de violação do APRO.

Em conclusão, nenhum dos ofícios do Grupo (ii), porque relativos a matéria estranha ao mérito do ato de concentração, têm o efeito de suspender a fluência do prazo de que trata o § 8º do art. 54 da Lei 8884/94.

GRUPO (iii):

01. Ofício CADE nº 0737/03, de 27/03/03

Fls. dos autos: 2047

Destinatário: Nestlé Brasil Ltda.

Objeto: em razão de pedido da Kraft Foods Brasil S/A solicita à Nestlé sua “manifestação sobre a possibilidade de atendimento do pedido de vista e cópia dos documentos apresentados pelas Requerentes na Audiência Pública ocorrida no Plenário do CAE em 20 de março de 2003, inclusive aqueles para os quais se solicitou confidencialidade.”

Início da suposta suspensão de prazo: 27/03/03

Final da suposta suspensão de prazo: 07/04/03

Número de dias em que teria sido suspenso o prazo: 12 dias

Observação específica desse ofício:

A autorização, ou não, das Autoras para que terceiros pudessem ter vista de documentos juntados aos autos, alguns deles confidenciais, certamente não pode ser considerada imprescindível para a análise do caso. Ao relator caberia decidir e não remeter à parte a condução da questão.


02. Ofício CADE nº 1237, de 20/05/03

Fls. dos autos: 2171

Destinatário: Kraft Foods Brasil S/A

Objeto: solicita versão pública de estudos juntados.

Início da suposta suspensão de prazo: 20/05/03

Final da suposta suspensão de prazo: 30/05/03

Número de dias em que teria sido suspenso o prazo: 11 dias

03. Ofício CADE nº 1421, de 10/06/03

Fls. dos autos: 2579

Destinatário: Nestlé Brasil Ltda.

Objeto: solicita versão pública dos estudos apresentados

Início da suposta suspensão de prazo: 10/06/03

Final da suposta suspensão de prazo: 24/06/03

Número de dias em que teria sido suspenso o prazo: 15 dias

04. Ofício CADE nº 1989, de 20/08/03

Fls. dos autos: 3866

Destinatário: Nestlé Brasil Ltda.

Objeto: solicita versão pública do relatório Trevisan

Início da suposta suspensão de prazo: 20 de agosto de 2003

Final da suposta suspensão de prazo: 05 de setembro de 2003

Número de dias em que teria sido suspenso o prazo: 17 dias

Com relação aqueles ofícios do Grupo (iii), que solicitavam versões públicas de documentos, as informações necessárias, embora confidenciais, já estavam em poder do Conselheiro-Relator, que delas podia dispor para formar seu convencimento.

Nenhum esclarecimento ou documento novo integrou os autos. As Autoras/terceiros apenas entregaram a versão pública de alguns documentos, que é uma cópia literal do que já havia sido entregue ao Relator, com a única finalidade de omitir dados confidenciais, permitindo que terceiros tivessem acesso ao documento.

Essa versão pública, então, somente se destina a possibilitar que terceiros tenham acesso aos dados, o que, definitivamente, não era imprescindível para a solução da demanda. Não tem, pois, qualquer utilidade para a análise do Relator ou dos demais conselheiros que se utilizam dos dados da versão confidencial, mais completas e esclarecedoras que as chamadas versões públicas.

GRUPO (iv)

01. Ofício CADE nº 2541, de 20/11/03

Fls. dos autos: 4263

Destinatário: SDE

Objeto: Relator comunica participação de servidor da SDE em audiência já realizada anteriormente (14/10/03)

Início da suposta suspensão de prazo: 20/11/03

Final da suposta suspensão de prazo: 08/12/03

Número de dias em que teria sido suspenso o prazo: 19 dias

O único ofício deste grupo cuida de comunicação feita pelo Conselheiro-Relator à SDE de que utilizou da ajuda técnica de um dos servidores daquele órgão durante a realização de uma audiência e que pretende continuar a contar ocasionalmente com o referido servidor. Trata-se de providência de caráter administrativo–funcional sem qualquer pertinência à análise do ato de concentração e muito menos imprescindível a essa análise.

GRUPO (v)

01. Ofício CADE nº 1136, de 08/05/03

Fls. dos autos: 2100

Destinatário: Kraft Foods Brasil S/A

Objeto: solicitava que esse terceiro apresentasse: (i) descrição da metodologia dos estudos PEM da IPSOS; (ii) análise dos efeitos de simulação de comportamento rivais e cooperativos de preços; (iii) estimativa de custos de distribuição; (iv) estudo sobre as eficiências que podem ser geradas por uma operação como a aquisição da Garoto pela Nestlé.

Início da suposta suspensão de prazo: 08/05/03

Final da suposta suspensão de prazo: 12/08/03

Número de dias em que teria sido suspenso o prazo: 97 dias

No que diz respeito ao único ofício do Grupo (v), o interesse econômico da Kraft na reprovação da operação, além de ser visto com ressalvas, confere a qualquer manifestação sua caráter meramente opinativo, não sendo imprescindível para a análise do ato de concentração.

Cumpre observar ainda, em relação à diligência em análise, que iniciado o prazo de 30 dias em 09/05/03, ele expirou em 09/06/03 (segunda-feira). Contudo, a Kraft não o respondeu no prazo fixado e, somente no dia 02/07/03, apresentou pedido de prorrogação. A par de ser insustentável a suspensão do prazo em razão dessa diligência, certo é que do dia 10/06/03 até 01/07/03 (22 dias) não houve qualquer razão para que o prazo para deliberação estivesse suspenso, mesmo que por absurdo se entendesse ser a diligência imprescindível.

Os sucessivos pleitos de dilação de prazo apresentados por terceiro alheio aos autos, pedidos esses feitos, inclusive, quando já expirado o prazo concedido pelo CADE, jamais poderiam justificar a suspensão do prazo legal, sob pena de se permitir que estes terceiros conduzam o processo, atribuindo-se-lhes mais poder que o próprio Relator!!!

Demais disso, todas essas informações e análises já haviam sido fornecidas pelas Requerentes, a saber:

os esclarecimentos sobre a metodologia dos estudos PEM da IPSOS foram prestados por dois representantes do próprio instituto de pesquisa em audiência realizada em 15.05.2003;


a análise dos efeitos de simulação de comportamento rivais e cooperativos de preços foi apresentada pela Nestlé ao CADE na audiência realizada no Plenário em 20.03.2003 e na forma de pareceres da Profa. Elizabeth Farina e da LCA Consultores juntados aos autos naquele mesmo mês;

informações detalhadas sobre custos de distribuição foram fornecidas pela Nestlé à SEAE, em 21 de junho de 2002, na sua resposta ao Ofício SEAE n. 1945;

relatório de consultoria independente atestando as eficiências efetivamente geradas pela aquisição da Garoto pela Nestlé também apresentado na audiência realizada no Plenário, em 20.03.2003, e na forma de pareceres juntados aos autos,

Dessa forma, o objetivo do ofício não era obter esclarecimentos imprescindíveis para a análise do processo, já constantes dos autos, mas sim receber estudos de um terceiro confessadamente interessado economicamente na rejeição do ato de concentração. A propósito dessa solicitação, que mais parece uma curiosidade sobre o que pensaria terceiro a respeito dos estudos apresentados pela NESTLÉ, não é a solicitação imprescindível à análise do caso.

Impossível cogitar que a deliberação sobre o ato de concentração fique condicionada à boa vontade de terceiros ou, no caso, má vontade de um concorrente, cujo interesse era claramente o de postergar ao máximo o processo (podendo, enquanto isto, beneficiar-se da vulnerabilidade da Garoto). Tanto isso é verdade que o ofício em referência veio a ser atendido pela Kraft somente depois de vários e intempestivos pedidos de dilação de prazo, quando já decorridos mais de 90 dias da data em que solicitadas as informações.

Aceitar essa diligência como causa suspensiva do prazo para deliberação significaria que o Conselheiro-Relator atestaria sua incompetência técnica para julgar os esclarecimentos e informações prestadas pelas Autoras, tendo que recorrer a uma ilegal delegação de competência a um terceiro (absolutamente parcial, diga-se de passagem) para fazer aquilo que lhe competia.

GRUPO (vi)

01. Ofício CADE nº 2386, de 17/10/03

Fls. dos autos: 4024

Destinatário: ACNielsen

Objeto: solicita dados de evolução de preços no mercado de chocolates nos últimos 3 anos

Início da suposta suspensão de prazo: 17/10/03

Final da suposta suspensão de prazo: 03/11/03

Número de dias em que teria sido suspenso o prazo: 18 dias

02. Ofício CADE nº 2459, de 04/11/03

Fls. dos autos: 4253

Destinatário: Nestlé Brasil Ltda.

Objeto: solicita dados de evolução de preços médios no mercado de chocolates nos últimos 3 anos

Início da suposta suspensão de prazo: 04/11/03

Final da suposta suspensão de prazo: 24/11/03

Número de dias em que teria sido suspenso o prazo: 21 dias

03. Ofício CADE nº 2549, de 25/11/03

Fls. dos autos: 4265

Destinatário: Nestlé Brasil Ltda.

Objeto: solicita série de preços deflacionados pelos índices IGP, INPC e INPC-A

Início da suposta suspensão de prazo: 25/11/03

Final da suposta suspensão de prazo: 04/11/03

Número de dias em que teria sido suspenso o prazo: 09 dias

04. Ofício CADE nº 2649, de 09/12/03

Fls. dos autos: 4554

Destinatário: Kraft Foods Brasil S/A

Objeto: solicita série de preços deflacionados pelos índices IGP, INPC e INPC-A

Início da suposta suspensão de prazo: 09/12/03

Final da suposta suspensão de prazo: 19/12/03

Número de dias em que teria sido suspenso o prazo: 11 dias

Quanto aos ofícios do Grupo (vi), sua irrelevância sobressai porque as informações pedidas não mereceram qualquer consideração na decisão proferida, não sendo aptos para suspender o decurso do prazo. Do contrário, as Autoras estariam diante da absurda hipótese de serem apenadas pela excessiva demora do órgão, justificada pelo pedido de informações inúteis.

GRUPO (vii)

01. Ofício CADE nº 2723/03, de 18/12/03

Fls. dos autos 4612

Destinatário: Nestlé Brasil Ltda.

Objeto: concede prazo para a Nestlé se manifestar, caso entenda oportuno, sobre documentos juntados pela Kraft Foods Brasil S/A

Início da suposta suspensão de prazo: 18/12/03

Término da suposta suspensão de prazo:15/01/04

Número de dias em que teria sido suspenso o prazo: 28 dias

02. Ofício CADE nº 051, de 15/01/2004

Fls. dos autos 4873

Objeto: concede prazo para a Nestlé se manifestar, caso entenda oportuno, sobre documentos juntados pela Kraft Foods Brasil S/A

Início da suposta suspensão de prazo: 15/01/04

Término da suposta suspensão de prazo: 30/01/04

Número de dias em que teria sido suspenso o prazo: 16 dias

Os ofícios acima mencionados apenas facultaram à Nestlé manifestar-se sobre documentos juntados por terceiro. Vale dizer, justamente por ser facultativa, ou seja, vinculada ao juízo de oportunidade das Autoras, a manifestação em nada interferiria na análise do caso. O próprio Relator classificou a resposta da Nestlé como sendo prescindível, na medida em que sua ausência não impediria a análise e julgamento do caso.


Não restam dúvidas, assim, que todos os 21 ofícios anteriormente analisados não podem ser qualificados como imprescindíveis e, portanto, não suspenderam o prazo legal de que trata o § 6º do art. 54 da Lei 8.884/94. No ponto, a manifestação da professora Odete Medauar no já citado parecer (Anexo I), verbis:

“Não é esta a condição de grande parte das diligências solicitadas pelo Conselheiro-Relator Thompson, o qual pretendia qualificar a todas como imprescindíveis, o que fere frontalmente a lei e as regras de interpretação. A consulente elencou, com pertinência e razão, inúmeras diligências desnecessárias, algumas até sem a obtenção de resposta, o que não impediu a decisão: a) ofícios não respondidos e reiterados a duas cadeias de comércio varejista; b) ofícios sobre o descumprimento do APRO – questão autônoma do objeto do ato de concentração; c) ofícios solicitando versão pública de documentos já juntados, o que não representa motivo de suspensão, porque o Conselheiro já dispunha dos documentos originais; d) ofício formalizando a participação de técnico da SDE, o qual já vinha trabalhando há mais de um mês, à disposição do Conselheiro-Relator; e) ofício solicitando estudos de terceiro (Kraft Foods), que já tinham sido apresentados pelas Requerentes.

Se tais diligências desnecessárias fogem à qualificação legal, as suspensões decorrentes deixam de ser computadas como causa de descontinuidade na contagem do prazo de sessenta dias.”

Dessa forma, a partir da análise dos ofícios constantes da certidão emitida pelo CADE, conclui-se indubitavelmente que o prazo legal de 60 (sessenta) dias estatuído no parágrafo 6º do artigo 54 da Lei n.º 8.884/94 expirou em 28 de abril de 2003, ou seja, exatamente 282 (duzentos e oitenta e dois) dias antes, portanto, da data do julgamento do “Ato de Concentração” (ocorrido em 04/02/2004), o que fica evidenciado no gráfico em anexo (Anexo III) em que se explicita dia a dia todas os eventos ocorridos desde a chegada dos autos no CADE até o seu julgamento.

Inquestionável, portanto, que a operação já havia sido aprovada por decurso de prazo, nos termos do art. 54, §§ 6º e 7º, da Lei nº 8.884/94, sendo nulas as decisões proferidas pelo Réu que rejeitaram tanto o Ato de Concentração quanto o pedido de reapreciação.”

O CADE impugna tais alegações, basicamente, alegando a preclusão de tal argüição, vez que não foram alegadas no curso do procedimento administrativo bem como o fato de que “ponderar e definir o que vem a ser uma providência útil, importante ou imprescindível para a formação de seu convencimento é algo que somente o julgador poderá qualificar”. (fls. 3.365)

Ora, preclusão não ocorreu. Até por que não há esta previsão na lei que trata do procedimento administrativo. Além disso, como se verá mais adiante, o ato em si de determinação da diligência estava eivado de nulidade. Por fim, a pretensa preclusão “administrativa” não induz, por óbvio, preclusão judicial.

O Ministério Público assim tratou a questão atinente ao decurso do prazo (fls. 3.733/3.735):

“Com efeito, suspender o prazo processual ou procedimental significa deter sua contagem até que o impedimento termine. No caso em debate, não se está a discutir o prazo para cumprimento das diligências consideradas imprescindíveis pelo CADE, mas sim o efeito suspensivo por elas causado.

Ou seja, a contagem da suspensão deve incluir o dia do ato suspensivo devendo ser retomada a contagem apenas no primeiro dia útil após o prazo consignado para a realização da diligência, por aplicação analógica do art. 179 do Código de Processo Civil (“Art. 179. A superveniência de férias suspenderá o curso do prazo; o que lhe sobejar recomeçará a correr do primeiro dia útil seguinte ao termo das férias.”).

Por outro lado, há que se reconhecer a razão do CADE ao afirmar que a questão acerca da prescindibilidade ou não da diligência está afeta ao mérito administrativo.

De fato, cabe ao órgão judicante, ainda que administrativo, a presidência do processo. Se fora considerada a necessidade de instrução excepcional do processo – o que denota uma certa falha nas fases anteriores – está na alçada do administrador-julgador definir quais elementos seriam necessários à perfeita compreensão da causa.

Assim, uma vez regularmente determinada a diligência de instrução, incide a hipótese de suspensão prevista na lei. Se pretender definir quais dados o órgão judicante poderá ou não ter acesso significa uma intromissão em sua competência administrativa, substituindo-se a valoração dos Conselheiros do CADE pela das autoras.

Ao se analisar a prescindiblidade ou não da diligência, o órgão judicante administrativo está proferindo um juízo de valor sobre os autos, considerando que o seu convencimento somente tomará ares de definitividade após a realização da diligência instrutória.


A prova é destinada à Adminsitração-Juíza, e cabe a ela definir quais são os elementos de fato que precedem a sua análise.

Por certo, a diligência pode ou não lograr sucesso. De outro lado, a ausência de resposta também pode contribuir à formação do convencimento do julgador. No caso concreto isso foi tão verdade que reiteradamente foram solicitados mais dados, de modo ao se construir um quadro fático a partir do qual se pudesse proferir um sólido julgamento sobre a questão.

Daí surge a dúvida: tudo que o CADE decidir como sendo imprescindível será tomado como causa de suspensão? Creio que não.

O controle das diligências instrutórias do processo administrativo será dado a partir da sua objetiva vinculação com a matéria em análise no processo. O juízo de essencialidade da diligência só será válido e, portanto, insindicável, quando houver um liame lógico entre a requisição/diligência e sua finalidade instrutória.

Vislumbra-se claramente o liame lógico entre a diligência requisitada e a instrução no caso dos ofícios dos Grupos (i), (v), (vi) e (vii), visto que buscam obter maiores informações e opiniões junto aos agentes de mercado. Quaisquer alegações de desnecessidade de tais diligências envolveriam uma revisão do juízo subjetivo do CADE de correlação entre meios e fins.

Da pertinência e imprescidibilidade, do ponto de vista da discricionariedade do CADE, da participação de agentes privados na instrução do processo, decorre a necessidade de obtenção de dados devidamente formatados a dar máxima eficácia à manifestação dos terceiros. Coerente, assim, o vinculo lógico entre a solicitação de versão pública de documentos – Grupo (iii) – e a instrução do processo.

Igualmente, a requisição de servidor para prestar esclarecimentos técnicos no processo – Grupo (iv) – também é diligência vinculada à instrução, não sendo devida intromissão na conveniência e oportunidade do administrador-julgador.

Por outro lado, o CADE não demonstrou de que modo a apuração de fatos acerca de eventual descumprimento do APRO se vincula com a instrução do Ato de Concentração.

É certo que o cumprimento do APRO é pressuposto de eficácia da não autorização do ato de concentração. Entretanto, a prejudicialidade não proporciona, por si só, o vínculo entre a diligência e a formação do convencimento do julgador, do ponto de vista instrutório.

Por tais razões, em princípio, não se vislumbra motivo válido para suspensão do prazo legal de deliberação no decurso das diligências referidas no Grupo (ii).

Merecem ser acolhidas as ponderações do Douto Ministério Público no que tange à apuração de fatos acerca de eventual descumprimento do APRO.

Contudo, melhor sorte não colhe seu parecer no que tange à requisição de servidor para prestar esclarecimentos técnicos no processo – grupo (iv). A requisição de servidores é assunto interno, burocrático da administração e não pode influir em contagem de prazo que tem conseqüência tão séria.

Embora didática e interessante, a classificação apresentada pelas autoras e toda a discussão que em torno dela se estabeleceu torna-se desnecessária para o exame de uma questão que precede aquela que motivou a discussão das partes e do Parquet.

Como bem salientaram o Ministério Público e o CADE a questão acerca da prescindibilidade ou não da diligência está afeta ao mérito administrativo. Cabe, sim, ao órgão administrativo, a presidência do processo. Está na alçada do administrador definir quais elementos seriam necessários à perfeita compreensão da causa.

Trata-se, contudo, não se pode esquecer, de procedimento administrativo. A ele aplica-se, subsidiariamente, a Lei n° 9.784/99 que, entre outros dispositivos, traz o do artigo 50:

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:

I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;

Ora, é óbvio que a determinação de uma diligência que suspende o curso de um prazo fatal, cujo descumprimento favorece o Administrado, afeta “direitos ou interesses”.

As diligências teriam de ser motivadas, portanto.

A inicial trouxe elucidativa razão de veto a projeto de lei que eliminava a grave conseqüência (fls. 15):

“Nas razões do veto lançadas no despacho presidencial (doc. 28) ficou explicitada a importância desse mecanismo de sanção pela eventual morosidade da Administração Pública, necessário “(…) para trazer segurança jurídica à comunidade empresarial no que se refere à notificação de atos de concentração, que, não raras vezes, envolvem operações de elevadíssimo vulto. As empresas requerentes estariam sujeitas a grande incerteza, caso houvesse a possibilidade de se ficar esperando ad infinitum uma decisão do órgão julgador.”


Contudo, é na contestação que se colhe a melhor súmula do que seria de se esperar do CADE. É do próprio representante judicial do CADE a seguinte afirmação (fls. 3.355):

“A finalidade de tal dispositivo, evidentemente, é zelar pela eficiência da Administração Pública, penalizando a inércia da autarquia (CADE) através da supressão de sua competência, quando demonstrada sua inação. Assim, o que a lei visa a evitar é que a Administração se omita ou protele o cumprimento de seus atos e atribuições, sem justificativa.” (Aqui, quem grifou fui eu)

Veja-se que toda a tônica da defesa do CADE, em relação à imprescindibilidade das diligências que teriam suspendido o curso do processo estriba-se em premissas falsas (fls. 3.365/3.366).

“Trata-se aqui de uma questão interpretativa, dada a subjetividade do conceito de “imprescindível”, o que cabe, única e exclusivamente ao julgador. Ponderar e definir o que vem a ser uma providência útil, importante ou imprescindível para a formação de seu convencimento é algo que somente o julgador poderá qualificar, tendo a lei lhe conferido a faculdade de aferir o “imprescindível”, com base em sua avaliação dos elementos do caso concreto. (Eu grifei).

Pretender adentrar no mérito do ato administrativo – da escolha do julgador, seria interferir no seu poder de livre valoração e convicção, ou seja privar o CADE da discricionariedade que lhe foi atribuída, o que não se pode admitir, sob pena de privar esta autarquia da própria competência que lhe é inerente. Neste aspecto, cumpre salientar que incumbe ao Poder Judiciário, na fiscalização dos atos administrativos, avaliar tão somente a legalidade dos mesmos, imiscuir-se no mérito seria, conforme restará demonstrado, ato inconstitucional. (os enfáticos negrito e sublinhado são do original).

Pelo princípio da livre convicção motivada (art. 131 do CPC), que rege a atividade do Juiz e também a dos Conselheiros do CADE – no desempenho de função administrativo-judicante, todas as diligências solicitadas tiveram sua razão de ser, subsumindo-se ao conceito, inevitavelmente subjetivo, de “imprescindível”.

Pode até ser que as diligências tivessem sua razão de ser. Ao CADE competia, a cada diligência, contudo, especialmente atento à grave conseqüência do decurso do prazo, motivar e fundamentar a diligência.

Se o CADE se pretende (como diz a lei n° 8.884/94 com técnica duvidosa) um “órgão judicante”, deve observar a boa técnica jurídica e processual que norteia a atividade judicante.

Ao julgador não é dado, sob a desculpa de que os termos são subjetivos, decidir ao seu talante o que é ou não imprescindível, necessário, útil ou seja o que for, sem indicar, claramente, os motivos e fundamentos do que decide. Poder de livre valoração e convicção, discricionariedade, não são palavras mágicas que servem a abrir as portas do arbítrio.

O Brasil pode orgulhar-se, mesmo em nível internacional, de sua excelente processualística. Na doutrina do processo civil, podemos destacar os seguintes ensinamentos, por tudo aqui cabíveis:

“A motivação do juiz é imprescindível quando se defere ou indefere uma prova sob argumento de o fato ser, ou não, controvertido e pertinente, e de o fato ou a prova ser, ou não, relevante” (LUIZ GUILHERME MARINONI, Manual do Processo de Conhecimento, 4ª edição, Editora Revista dos Tribunais, p. 458)

“Toda prova impõe ao juiz o dever de relacioná-la com o fato que deseja evidenciar. Isso ocorre, com maior clareza, no caso da prova de um fato essencial, mas também está presente quando se pensa na prova de um fato indiciário, uma vez que, antes de o juiz poder raciocinar a partir do fato indiciário para o fato esencial, deve concluir a respeito da relação entre a prova indiciária e o indício (fato indiciário).” (LUIZ GUILHERME MARINONI, Manual do Processo de Conhecimento, 4ª edição, Editora Revista dos Tribunais, p. 464)

É falsa, assim, a premissa de que parte o CADE para concluir que “Além de destinatário e investigador, o Conselheiro do CADE é responsável pela valoração dos elementos carreados aos autos, de modo a formar sua certeza ou convicção a respeito dos fatos, não se vinculando a quaisquer elementos, nem mesmo aos produzidos por ele mesmo”.

Ao contrário do que afirma, “a formação da convicção dos Conselheiros” NÃO é livre. A decisão que determina a realização de diligência – esclarecimentos e juntada de documentos – deve necessariamente ser fundamentada e motivada de forma tal que se possa perquirir se foi baseada neste ou naquele argumento e, especialmente, se é ou não imprescindível. Do contrário, será nula. Não suspenderá o curso do processo.

Veja-se o que diz a boa doutrina de Humberto Theodoro Júnior sobre os sistemas de valoração da prova:


“A prova se destina a produzir a certeza ou convicção do julgador a respeito dos fatos litigiosos. Mas, ao manipular os meios de prova para formar seu convencimento, o juiz não pode agir arbitrariamente; deve, ao contrário, observar um método ou sistema. Três são os sistemas conhecidos na história do direito processual:

a) o critério legal;

b) o da livre convicção;

c) o da persuasão racional.

O critério legal está totalmente superado.

(…)

O sistema da livre convicção é o oposto do critério da prova legal. O que deve prevalecer é a íntima convicção do juiz, que é soberano para investigar a verdade e apreciar as provas. Não há nenhuma regra que condicione essa pesquisa, tanto quanto os meios de prova, como ao método de avaliação.

Vai ao extremo de permitir o convencimento extra-autos e contrário à prova das partes.

Peca o sistema, que encontrou defensores entre os povos germânicos, portanto, por excessos, que chegam mesmo a conflitar com o princípio básico do contraditório, que nenhum direito processual moderno pode desprezar.

O sistema da persuasão racional é fruto da mais atualizada compreensão da atividade jurisdicional.

Mereceu consagração nos Códigos Napoleônicos e prevalece entre nós, como orientação doutrinária e legislativa.

Enquanto no livre convencimento o juiz pode julgar sem atentar, necessariamente, para a prova dos autos, recorrendo a métodos que escapam ao controle das partes, no sistema da persuasão racional, o julgamento deve ser fruto de uma operação lógica armada com base nos elementos de convicção existentes no processo.

Sem a rigidez da prova legal, em que o valor de cada prova é previamente fixado na lei, o juiz, atendo-se apenas às provas do processo, formará seu convencimento com liberdade e segundo a consciência formada. Embora seja livre o exame das provas, não há arbitrariedade, porque a conclusão deve ligar-se logicamente à apreciação jurídica daquilo que restou demonstrado nos autos. E o juiz não pode fugir aos meios científicos que regulam as provas e sua produção, nem tampouco às regras da lógica e da experiência.” (HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, Curso de Direito Processual Civil, 39ª edição, Vol. I, Editora Forense, pp. 378, 379)

A imprescindibilidade da diligência, assim, de qualquer diligência, para induzir à suspensão do § 8°, teria de ser demonstrada em motivação lógica e racional. Trata-se de manipulação da prova. Formação embrionária do que virá a ser a decisão final. E isto – demonstração lógica e racional da imprescindibilidade da prova – é perfeitamente possível, apesar da aparente subjetividade do termo. Advogados e juízes lidam com isso todos os dias, de forma científica, aos milhares, pelo Brasil afora, quando decidem e agravam para pedir a reforma ou manutenção de decisões que deferem ou indeferem provas. E os Tribunais analisam e julgam tais pedidos, com base em critérios técnicos. Científicos. Isto é a ciência do direito.

Note-se que não se está falando de despachos de mero expediente, mas de decisão que tem uma grave conseqüência: suspender o curso de prazo fatal.

O artigo 54 da Lei n° 8.884/94 traz uma grande preocupação com a forma do processo de atuação do CADE, e de modo especial com os prazos. Comina penas para o descumprimento de prazos, tanto pelos particulares quanto pelo próprio Conselho.

A suspensão do curso do processo, portanto, não pode ser vista como algo “que cabe, única e exclusivamente ao julgador (conselheiro do CADE)”. É algo que não pode decorrer de qualquer diligência, mas somente daquelas imprescindíveis à análise do processo. Embora com forte subjetividade, a palavra é, sobretudo, forte. Não se utilizou útil nem necessária, conveniente nem oportuna, mas imprescindível.

A Lei n° 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal e aplica-se subsidiariamente aos processos do CADE, também tem especial zelo pelo cumprimento dos prazos, obrigando, sempre, que eventuais descumprimentos ou dilações sejam justificados ou motivados. Veja-se, a propósito:

Art. 24. Inexistindo disposição específica, os atos do órgão ou autoridade responsável pelo processo e dos administrados que dele participem devem ser praticados no prazo de cinco dias, salvo motivo de força maior.

Parágrafo único. O prazo previsto neste artigo pode ser dilatado até o dobro, mediante comprovada justificação.

De forma enfática:

Art. 67. Salvo motivo de força maior devidamente comprovado, os prazos processuais não se suspendem.

A orientação legislativa vai encontrar sua raiz derradeira no texto constitucional, que em seu artigo 37 estatui:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:”

A única conclusão compatível com o princípio da eficiência é o de que a regra seja o cumprimento do prazo, sua suspensão é a exceção. E o excepcional deve ser justificado, motivado.

Tal não ocorreu com as diligências determinadas pelo CADE. Expediram-se ofícios solicitando as mais diversas e variadas informações, algumas prescindíveis, outras não; foram determinadas inúmeras diligências que levaram um procedimento destinado a durar 60 dias aos 411 dias (mais de um ano).

E nunca se pensou em justificar, motivar, arrazoar a imprescindibilidade de tantas e tantas diligências. É ociosa, assim, a esta altura, a discussão sobre qual diligência teria sido ou não imprescindível. Todas elas são nulas. Sua determinação imotivada afrontou o devido processo legal tipificado no artigo 50, inciso I, da Lei n° 9.784/99. Aquelas diligências não geraram, portanto, a conseqüência do § 8° do art. 54, da Lei 8.884/94. Não se suspendeu, por um só dia, o curso do prazo do § 7º. Por força do artigo 54, § 7º, o ato de concentração está aprovado.

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido das autoras e DECLARO aprovado automaticamente o ato de concentração submetido à apreciação do CADE em 15.3.2002, em virtude de haver decorrido o prazo previsto no art. 54, § 7º, da Lei 8.884/94, sem que tivesse havido decisão da autarquia, tornando sem efeito a decisão de desconstituição da mesma operação. Condeno o CADE a reembolsar às autoras as custas processuais e a pagar-lhes honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) do valor atribuído à causa.

P.R.I.

Brasília, 16 de março de 2007.

ITAGIBA CATTA PRETA NETO

Juiz Federal da 4.ª Vara/DF

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!