Reforma trabalhista

Emenda 3 é conversa fiada vestida de paramentos de jurídicos

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16 de março de 2007, 15h06

Depois de anos em que a grande imprensa tocava as trombetas todos os dias clamando pela reforma trabalhista, o alarido vem cessando e a expressão parece ter sido expulsa do pantanoso território das pautas. Ficamos todos com a falsa sensação de que serenou aquela sede de sangue que empolgava a nossa mídia tupiniquim. A sensação de calmaria, contudo, esconde do observador o fato de que para a grande empresa de mídia, a reforma trabalhista já foi providenciada.

Muito simples. Enquanto aqui fora, os ingênuos ficam falando de CLT, CF, OIT, etc., lá dentro daqueles muros discretos, encontrou-se a fórmula mágica: acima de um patamar médio, o empregado é obrigado a ser contratado como pessoa jurídica. Numa mágica documental, o repórter transforma-se na empresa Manoel das Couves S/C ou ME, ou coisa que o valha, passando a carregar consigo uma dualidade perversa. Muito embora continue no velho padrão de pessoalidade, continuidade, remuneração e subordinação, o indivíduo, por um sinistro passe de mágica, passa ser uma empresa.

Aqueles próprios trabalhadores que passaram a usar esta roupagem contratual para não perder o posto de trabalho, criaram uma pitoresca alcunha para este fenômeno que se espraia como incêndio em mato seco:pejotização. Os “pejotizados” transformam-se na alegria dos advogados trabalhistas porque, em grande parte, somente esperam o dia em que são demitidos para ir reclamar ao Judiciário, o justo reconhecimento do vínculo empregatício. Pura ilusão. Veja-se em recente notícia divulgada pelo TRT de São Paulo, que somente uma da empresas jornalísticas que afundou em anos recentes, responde a 2.971 execuções trabalhistas que sempre esbarram em bens não encontrados e sócios desaparecidos.

É claro que este mecanismo fraudulento tão atrativo não poderia ficar enterrado como bem guardado segredo, dentro das empresas de um único setor. Ao contrário, o uso desta forma de fraude espalhou-se por todos os lados, vicejando como erva daninha. Nesta fase, aliás, em que as cooperfraudes estão começando a ficar instáveis porque a jurisprudência firmou-se em repudiá-las, os empresários do ramo arregalam os olhos em direção à pejotização.

É a “reforma trabalhista” sendo feita pela porta dos fundos. Ao invés de se mudar a lei, encontra-se uma forma segura de praticar a burla. Daí porque se fala tanto nos dias de hoje em “segurança jurídica”, buscando-se validade para os contratos firmados com o intuito de fraude. O coroamento desta busca por “segurança” é o momentoso episódio recente em que o Congresso Nacional aprovou uma norma legal garantindo a blindagem para aqueles que aderiram a esta Reforma Trabalhista: a famigerada Emenda 3 à lei da Super Receita, estipulando que somente o Judiciário pode incomodar a empresa que usa destas práticas.

A norma vai para a mesa presidencial e o país inteiro fica em polvorosa como numa novela televisiva. O Presidente diante da encruzilhada se deveria ou não assinar a norma que proíbe os agentes fiscais de autuar as empresas surpreendidas praticando este tipo de delito parece aquele incauto diante da Esfinge que o advertia: “decifra-me ou te devoro”.

O pitoresco é que o Código Penal define como crime o uso de fraude para burlar direitos trabalhistas e a legislação previdenciária, da mesma forma, descreve como crime a prática de não registrar o empregado. No entanto, a polícia jamais entrou pelas portas de uma empresa para prender o criminoso que comete esta modalidade de delito. Quem entrava, de vez em quando, a pedido de algum sindicato mais assanhado, era a fiscalização. Daí porque este empenho em proibir a administração pública de cumprir com seu dever legal.

Entre os mais esdrúxulos argumentos que vem sendo veiculados sobre o assunto, o mais cínico é aquele de que somente o Judiciário pode decretar a desconstituição da pessoa jurídica. O caso é de desconsideração da pessoa jurídica, o que é fenômeno inteiramente diferente. Ao demais, até esta expressão importada da doutrina anglo-saxônica em anos mais recentes, constitui somente um enfeite elegante (disregard) para aquilo que artigo 9º da vetusta e “anacrônica” CLT já definia há mais de meio século: são nulos de pleno direito os atos praticados para frustrar mediante fraude os direitos dos trabalhadores.

No momento em que escrevemos, a tempestade do dinheiro distribui trovões por todos os lados: anúncios na televisão, páginas inteiras de matérias pagas nos principais órgãos de imprensa. Tudo em favor da blindagem para a burla. No dia seguinte ao da decisão, com certeza, os vencidos vão amanhecer batendo às portas do STF alegando a inconstitucionalidade, seja da sanção, seja do veto. A tragédia por detrás das cortinas do poder da publicidade, é que o povo brasileiro esteja sendo submetido a este festival do engodo, bombardeado com tanta conversa fiada vestida de luxuosos paramentos de juridicidade.

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