Democracia em risco

Ao usar arbitrariedade fiscal, Executivo ameaça cidadania

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15 de março de 2007, 13h48

Assim que assumiu a Advocacia-Geral da União, José Antônio Dias Tóffoli compareceu ao gabinete da presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Ellen Grace, em companhia do ministro Guido Mantega, transmitindo-lhe o interesse do Executivo por dois projetos de lei que serão encaminhados ao Congresso no começo de abril.

Ao que consta, o presidente da República está empenhado em promover a agilidade das cobranças dos tributos, sem que isso ocorra por meio da via própria, que é o Judiciário.

O argumento trazido pelo ministro Guido Mantega é que a União somente consegue recuperar 1% do total devido. Assim, com a criação da Lei Geral de Transações, que modificará a Lei de Execução Fiscal, será possível alcançar pelo menos 5% dos débitos. A iniciativa importará na realização de penhora sem autorização da Justiça, à exceção dos casos de indisponibilidade geral dos bens do devedor e bloqueio do faturamento das empresas com dívidas em execução judicial.

Na vigência do regime militar, foi instituída a execução extrajudicial. Naquele processo, o devedor sofria a constrição do Estado, sendo despojado de seus bens sem poder recorrer ao Judiciário em defesa dos seus direitos. Naquele regime de exceção, como ainda hoje acontece, a Constituição prescrevia que nenhuma lesão ao direito individual poderia escapar à apreciação da Justiça.

Causa espécie a justificativa oferecida pelo procurador-geral da Fazenda Nacional de que a nova lei dará maior facilidade ao contribuinte para suspender “processo de cobrança na Justiça”, pois este, após receber a notificação, disporia de prazo de 90 dias para apresentação de parcelamento do débito que lhe está sendo exigido.

Assim, com a criação da Câmara de Conciliação da Fazenda Pública, a dívida que, em princípio, seria incobrável, deixará de ser “uma bola de neve por causa de multas, juros e encargos, o que colocou o devedor em situação de inviabilidade”.

Tudo indica que o respeito à Constituição, a esta altura, não passa de uma ficção e o compromisso assumido pelo presidente da República, no ato de sua posse em defendê-la, importou somente num compromisso transitório, que deve ser esquecido o quanto antes.

É de se estranhar, ainda, que o novo advogado-geral da União, ao invés de esforçar-se no sentido de que a União não continue a recorrer sistematicamente das decisões que lhe são desfavoráveis, esteja mais interessado em aumentar o caixa do Tesouro, pretextando com a dívida ativa em curso que soma R$ 600 bilhões.

O Brasil é tido e havido como país que tem a maior carga tributária do mundo. O que é reconhecido, inclusive, pelos nossos credores internacionais.

Importa num desatino pretender impedir que o devedor fiscal não possa defender seus direitos por meio do devido processo legal, ficando, doravante, sujeito a um novo sistema que traz a esdrúxula justificativa de que, com a sua implantação, serão reduzidos, em 15 anos, 75% do número de processos de execução tramitando na Justiça.

Quanto à anunciada Câmara de Conciliação, que terá autonomia para decidir sobre dívidas de até R$10 milhões, convém ressaltar que a sua composição contará apenas com procuradores da Fazenda, auditores da Receita Federal e membros do Tribunal de Contas da União, sendo de se estranhar que dela não participem os contribuintes e a classe dos advogados.

Conforme advertiu Gandhi, “uma civilização é julgada pelo tratamento que dispensa às minorias”.

Se o Executivo pretende adotar métodos arbitrários, visando maior arrecadação, através do direito da força que exercia no Congresso, e não da força do direito que promana da Constituição, a cidadania enfrentará sério risco.

É sinal de que a minoria de que falava Gandhi e o próprio povo não têm para um governo que se dizia portador de um projeto social, importância alguma, a não ser às vésperas das eleições.

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