Crise no ar

Decisão sobre instalação de CPI do Apagão Aéreo é adiada

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14 de março de 2007, 22h08

O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, pediu informações à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados e ao presidente da Casa, Arlindo Chinaglia (PT-SP), antes de decidir se determina ou não a instalação da CPI do Apagão Aéreo.

De acordo com o ministro, é importante requisitar informações, principalmente porque Chinaglia “reconheceu atendidos os requisitos constitucionais necessários à criação da CPI em causa”. Depois da chegada das informações, Celso de Mello analisará se o direito das minorias legislativas foi ferido, como alegam os autores do pedido — deputados federais Antônio Carlos Pannunzio (PSDB-SP), Fernando Coruja (PPS-SC), Júlio Redecker (PSDB-RS) e Onyx Lorenzoni (PFL-RS).

Na Câmara dos Deputados, o requerimento da CPI foi protocolado pelos deputados tucanos Vanderlei Macris (SP) e Otávio Leite (RJ). Nele, constavam 211 assinaturas de parlamentares de quase todos os partidos, exceto do PT. O presidente Lula, inclusive, já se posicionou contra a abertura da CPI.

Na semana passada, durante a sessão em que o presidente da Câmara anunciou a abertura da CPI, o líder petista na Câmara, Luiz Sérgio (RJ), levantou uma questão de ordem. O parlamentar argumentou que o requerimento para a criação da comissão não cumpria requisitos constitucionais, como a existência de um fato determinado. Com o argumento, consegui a suspensão da instauração no plenário e entrou com recurso na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania para impedir a abertura da CPI. Como houve pedido de vista, a matéria ainda voltará a ser analisada pelos deputados da Comissão.

Instaure-se a CPI

Na última decisão sobre CPIs, em 9 de março último, o STF negou pedido de liminar para garantir instalação da CPI do Metrô na Assembléia Legislativa de São Paulo. Mas quando entendeu que o direito das minorias estava sendo violado, o Supremo enquadrou o Legislativo.

Foi o que aconteceu na CPI dos Bingos, quando o ministro Celso de Mello sustentou que a investigação parlamentar é um instrumento constitucional colocado à disposição das minorias legislativas. Por essa razão, não se poderia condicionar a criação de CPIs à aprovação da maioria parlamentar. “No momento em que submete um instrumento como esse ao controle da maioria, o exercício concreto do direito de oposição é frustrado”, afirmou o ministro.

Relator da matéria, o ministro Celso de Mello, sustentou o direito de oposição da minoria e que, mesmo em inferioridade numérica, prevalece o direito de investigar o Poder Executivo — ainda que contra a vontade do grupo dominante. O ministro descartou a alegação do então presidente do Senado, José Sarney, de que a discussão da instauração de CPI seja assunto interna corporis regulado pelo regimento da causa, demonstrando que a questão é eminentemente constitucional.

O ministro reafirmou o mesmo entendimento no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pelo PT contra o regimento interno da Assembléia Legislativa de São Paulo. Ao acolher o pedido do PT, o plenário do Supremo revogou dispositivos que exigiam a apreciação dos pedidos de instalação das CPIs pelo Plenário da Assembléia. O entendimento é o de que as comissões de investigação podem ser criadas com um terço dos votos da Casa. O relator da questão foi o ministro Eros Grau.

Na ocasião, Celso de Mello afirmou que as normas da Assembléia Legislativa paulista “vulneram, gravemente, o exercício — pelas minorias parlamentares que atuam no âmbito do Poder Legislativo do Estado de São Paulo — do direito de fiscalizar, de investigar e de promover o pertinente inquérito parlamentar, ferindo, de modo frontal, a norma de garantia instituída pelo § 3º do art. 58 da Constituição da República, que se estende a todas as esferas do Poder Legislativo: ao Congresso Nacional, às Assembléias Legislativas e às Câmaras Municipais”.

Leia a decisão sobre a CPI do Apagão Aéreo

MED. CAUT. EM MANDADO DE SEGURANÇA 26.441-1 DISTRITO FEDERAL


RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

IMPETRANTE(S): ANTÔNIO CARLOS PANNUNZIO E OUTRO(A/S)

ADVOGADO(A/S): AFONSO ASSIS RIBEIRO E OUTRO(A/S)

IMPETRANTE(S): FERNANDO CORUJA

ADVOGADO(A/S): JOSÉ VIGILATO DA CUNHA NETO

IMPETRANTE(S): ONYX LORENZONI

ADVOGADO(A/S): THIAGO FERNANDES BOVERIO E OUTRO(A/S)

IMPETRADO(A/S): MESA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

IMPETRADO(A/S): PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

DESPACHO: O tema que se veicula no presente mandado de segurança pode revestir-se de indiscutível relevo, se se configurar a existência, na espécie, de questão impregnada de significado constitucional, como propõem os ilustres impetrantes, que sustentam haver sido transgredido, no caso, o direito das minorias parlamentares — fundado no texto da Constituição da República — à investigação legislativa.

É que — conforme alegado nesta impetração — o eventual provimento, pelo Plenário da Câmara dos Deputados, do recurso (Recurso nº 14/2007 – fls. 17) interposto contra o indeferimento, pelo Senhor Presidente dessa Casa Legislativa, da questão de ordem (Questão de Ordem nº 31/2007 – fls. 13v.) suscitada pelo Senhor Líder do Partido dos Trabalhadores (PT) terá, como conseqüência imediata, a própria extinção da investigação parlamentar objeto do Requerimento de instituição de CPI (RCP) nº 01/2007 (fls. 17v./19).

Os ora impetrantes, ao deduzirem a sua pretensão mandamental, registram que os autores do mencionado Requerimento nº 01/2007, invocando o art. 58, § 3º, da Constituição da República, solicitama instituição de Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar as causas, conseqüências e responsáveis pela crise do sistema de tráfego aéreo brasileiro, chamada de ‘apagão aéreo’, desencadeada após o acidente aéreo ocorrido no dia 29 de setembro de 2006 envolvendo um Boeing 737-800, da Gol (Vôo 1907) e um jato Legacy, da América ExcelAire, com mais de uma centena de vítimas” (fls. 17v.).

A E. Presidência da Câmara dos Deputados, mediante ato formal, assim se pronunciou (fls. 25v.):

Ato da Presidência.

Satisfeitos os requisitos do art. 35, ‘caput’, e § 1º do Regimento Interno, para o requerimento de instituição de CPI nº 1, de 2007, do Sr. Vanderlei Macris e outros, esta Presidência dá conhecimento ao Plenário da criação da Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar as causas, conseqüências e responsáveis pela crise do Sistema de Tráfego Aéreo Brasileiro, desencadeada após o acidente aéreo ocorrido no dia 29 de setembro de 2006, envolvendo um Boeing 737-800, da Gol, vôo 1907, e um jato Legacy, da American Excelsior Line, com mais de uma centena de vítimas.

A Comissão será composta de 23 membros titulares e de igual número de suplentes, mais um titular e um suplente, atendendo ao rodízio entre as bancadas não contempladas, designados de acordo com os §§ 1º e 2º do art. 33 do Regimento Interno. (…).” (grifei)

O Senhor Líder do Partido dos Trabalhadores, por entender não satisfeita a exigência concernente ao fato determinado, à indicação do número de membros da referida Comissão e à estipulação de prazo certo, discordou do Requerimento em questão (RCP nº 01/2007), suscitando, em conseqüência, a já mencionada questão de ordem, que foi indeferida pelo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados, em decisão na qual reconheceu presentes os requisitos constitucionais necessários à criação da CPI em causa (fls. 27/28).


Tal deliberação, como referido, sofreu a interposição de recurso por parte do Senhor Líder do Partido dos Trabalhadores, que conseguiu, do Plenário, nos termos do art. 95, § 9º, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, fosse atribuída eficácia suspensiva a essa impugnação recursal.

O exame preliminar dos fundamentos em que se apóia esta impetração mandamental parece sugerir, em sumária cognição, que, na Câmara dos Deputados, o direito da minoria de investigar o Governo, mediante utilização do instrumento constitucional da CPI, ficaria, em última análise, presente o contexto em causa, inexoravelmente dependente da deliberação dos grupos majoritários que atuam no âmbito da instituição parlamentar, eis que — consoante sustentado pelos impetrantes — a criação da mencionada Comissão estaria sujeita à aquiescência da maioria legislativa resultante da votação, em Plenário, do recurso interposto pelo Senhor Líder do Partido dos Trabalhadores.

É inegável que a matéria suscitada nesta impetração (desde que efetivamente presentes, na espécie, quanto a ela, os elementos que lhe dão substância) pode revestir-se de extrema relevância jurídica, poiscomo enfatizado pelo magistério da doutrina (J. M. SILVA LEITÃO, “Constituição e Direito de Oposição”, 1987, Almedina, Coimbra; J. J. GOMES CANOTILHO, “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, p. 309/312, 1998, Almedina, Coimbra; DERLY BARRETO E SILVA FILHO, “Controle dos Atos Parlamentares pelo Poder Judiciário”, p. 131/134, item n. 3.1, 2003, Malheiros; JOSÉ WANDERLEY BEZERRA ALVES, “Comissões Parlamentares de Inquérito: Poderes e Limites de Atuação”, p. 169/170, item n. 2.1.2, 2004, Fabris; UADI LAMMÊGO BULOS, “Comissão Parlamentar de Inquérito”, p. 216, item n. 5, 2001, Saraiva; MANOEL MESSIAS PEIXINHO/RICARDO GUANABARA, “Comissões Parlamentares de Inquérito: Princípios, Poderes e Limites”, p. 76/77, item n. 4.2.3, 2001, Lumen Juris; MARCOS EVANDRO CARDOSO SANTI, “Criação de Comissões Parlamentares de Inquérito: Tensão entre o direito constitucional de minorias e os interesses políticos da maioria”, 2007, Fabris Editor, v.g.) — existe, em nosso sistema político-jurídico, tal como já o reconheceu a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (ADI 3.619/SP, Rel. Min. EROS GRAU – MS 24.831/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 24.847/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), verdadeiro estatuto constitucional das minorias legislativas, o que viabiliza, por isso mesmo, na perspectiva do regime democrático, a proteção jurisdicional ao direito de oposição (que tem, na CPI, um poderoso instrumento de concretização), que deve ser amparado no contexto da prática republicana das instituições parlamentares.

Tornou-se necessário explicitar as razões que venho de expor, pelo fato de elas ensejarem o reconhecimento, ao menos nesta fase preliminar, da possibilidade de cognição do presente mandado de segurança. É que, tal como enfatizado pelos ilustres impetrantes, a alegação de ofensa a direitos impregnados de qualificação constitucional legitimaria — superada eventual objeção fundada no caráter “interna corporis” dos atos questionados — o exercício, pelo Supremo Tribunal Federal, da jurisdição que lhe é inerente, considerada a natureza mesma da controvérsia ora em exame (RTJ 173/805-810, 806, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno).

Assentadas tais premissas, e tendo presente o alto significado que assume, em nosso sistema político-jurídico, o postulado constitucional da separação de poderes (CF, art. 2º), entendo prudente, antes de qualquer decisão, requisitar informações à eminente autoridade ora apontada como coatora, notadamente porque Sua Excelência, na condição de Presidente de uma das Casas do Congresso Nacional, reconheceu atendidos os requisitos constitucionais necessários à criação da CPI em causa.

Prestadas tais informações, apreciarei, então, o pedido de medida cautelar.

Publique-se.

Brasília, 14 de março de 2007 (21h15).

Ministro CELSO DE MELLO

Relator

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