Dia do consumidor

Crônica do cliente, a vendedora e o desejo da compra

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14 de março de 2007, 14h12

Sábado de tempo cinza e garoa em São Paulo. Véspera do Dia das Crianças. Shopping centers lotados. Tudo normal. Passeando com a família num dos maiores shoppings da cidade, uma consumidora jovem, descolada, 35 anos, classe média alta, impulsiva e apaixonada por óculos de sol, depara-se na vitrine de uma loja de roupa feminina com um lindo óculos de sol, que “faz a sua cabeça” e aquele torna-se instantaneamente seu grande sonho de consumo. Estava no rosto de um manequim.

Depois de alguns minutos, conseguiu a atenção de uma vendedora, que disse que a loja não vendia óculos. Devido à sua insistência, a cliente ficou sabendo que as peças que enfeitavam os manequins foram gentilmente cedidas por uma loja de acessórios do mesmo shopping.

Arrastando o marido e o filho, a impulsiva consumidora andava apressada, argumentando que merecia também um presente pelo Dia das Crianças. Chegando à loja de acessórios, dirigiu-se à primeira vendedora que avistou e foi direta:

— “Eu quero um daqueles óculos que vocês colocaram nos manequins da loja X.”

— “Como?”, respondeu a vendedora, “Que óculos?, Que manequim?”

A consumidora tentou explicar a situação em detalhes, mas a vendedora não prestava atenção, já que atendia simultaneamente três pessoas. Em vez de procurar informação com alguém, foi logo despachando a cliente.

—“Deve haver um engano. Aqueles óculos não devem ser nossos”.

A consumidora aceitou a provocação. Voltou à loja de roupas e foi tirar isso a limpo. A gerente confirmou o acordo com a tal loja de acessórios e garantiu que as peças dos manequins eram da referida loja.

Por insistência da cliente, abriu a vitrine e anotou a marca, o modelo e até o código dos óculos em questão. A consumidora retornou à loja de acessórios.

— “Os óculos são mesmo de vocês e aqui estão a marca, modelo e código”.

— “Ah, é? Então deve ser coisa da gerente, ou do dono da loja, só que eles não estão aqui agora. Olha, como estou ‘meia’(sic) ocupada, dá uma olhada nessa caixa para ver se encontra o óculos que você quer”.

Entregou à cliente uma caixa de óculos soltos, sem código, mas nenhum deles era o escolhido. A cliente então pediu, já sem nenhuma paciência, para que a vendedora fosse com ela até a loja de roupas, pegar a peça do manequim. Como o preço de todas as peças era igual, não haveria problema.

— “Infelizmente não será possível”, respondeu a vendedora. “Além de não saber nada sobre esse acordo com a tal loja, não posso sair agora. Lamento”.

— “Não, quem lamenta sou eu”, rebateu a cliente frustrada. “Lamento que existam lojas como a sua e vendedoras como você. Eu quero comprar, mas não consigo, apesar da insistência. Depois, você reclama dos clientes, que a loja vende pouco, que ganha mal, que o patrão é isso, que o governo é aquilo.”

A questão é: será que os donos de lojas estão preocupados com o recurso humano que mantém dentro dos seus estabelecimentos? Será que a vendedora em questão é a errada da história? Os lojistas conhecem realmente seu público-alvo? Seus anseios, desejos, hábitos e atitude?

Depois, a realidade é por natureza paradoxal. “Quanto mais certo se está, mais errado se virá a estar” é o primeiro paradoxo apontado por Wacker e Taylor (2000), relativamente ao futuro dos negócios. Vivemos em comunidade e o nosso pensamento individual não é indiferente ou estanque em relação àquilo que os outros pensam. É sempre a mesma coisa com o progresso: primeiro, somos ignorados, depois dizem que somos loucos, depois perigosos, depois há uma pausa e então deixamos de encontrar quem discorda de nós.

Muito se fala, escreve e comenta sobre o comportamento do consumidor, contudo pouco se analisa que esse mesmo consumidor somos nós mesmos.

O relato descrito acima serve para uma excelente reflexão de todos nós, que ora somos funcionários, ora somos consumidores. Pois mesmo os donos de pequenos e grandes varejos não deixam de ser funcionário e consumidor.

Os varejistas ainda têm de ter mais nitidez a respeito do público para o qual estão trabalhando. E de que maneira abastecer esse público do máximo de informação possível. Por exemplo: há uma discrepância muito grande entre o dono da marca e o vendedor da loja.

Muitos me perguntam se existe um modelo administrativo ideal ou “correto” para o varejista seguir. Em suma, o que posso dizer é que o ideal é o que gera resultado. Até aí, não disse absolutamente nada. Na verdade, o que funciona é aquele que realmente acredita no que faz e faz, disse seu meio de sobrevivência e não um mero hobby ou herança.

O varejista ideal é aquele que está sempre buscando antecipar as tendências do mercado em todos os sentidos. Valores emocionais dos seus clientes, estilo de vida pelo que estão passando, desejos e ansiedades, como querem ser atendidos. Qual a tendência da própria moda por si só. Que tipos de ações podem fazer para estar cada vez mais presente na mente do seu consumidor.

Aqui cabe uma pequena dica: liquidação com mais de 5 dias, nenhum cliente merece. Não existe nada mais chato do que procurar sua loja preferida para dar uma pequena conferida nas novidades e deparar com aquela mesma faixa de “queima de estoques” colocada há 10 dias.

Bem, depois de explanar a postura do varejista, logo vem o segundo questionamento: Como seria o vendedor ideal?

O problema continua sendo o mesmo. O varejo continua sempre atrás de fórmulas mágicas que vão nortear o sucesso do seu negócio. Acontece que sucesso é algo intangível, e pela ótica dos materialistas, é claro que pode ser mensurado pelo retorno financeiro, mas nem sempre é isso que se aplica na prática.

Conceituadas marcas perderam toda sua magia meramente porque não souberam trabalhar a própria força que a mesma obtinham. Mas voltando ao assunto vendedor, antes de tudo, ele precisa ser valorizado pelo lojista. Obter constante treinamento, “segredo este, usado nas conceituadas franquias” e depois, ser um consultor de moda.

Para isso, ele deve ter muita informação sobre o que vende, para quem vende e com o que está trabalhando, dentro de um contexto maior. Isso seria muito importante, principalmente na moda masculina.

Eu sempre escuto de vendedores que os homens são os melhores clientes: chegam, escolhem, pagam e pronto. Claro! É preciso ressaltar que aquele perfil do homem machão que odiava comprar roupa está “quase ultrapassado”. Contudo, nosso homem moderno ainda tem horror a experimentar roupa.

Na minha opinião, como consultora e especialista em comportamento do consumidor, esse perfil de detentor tem uma força enorme para influenciar na venda. Um vendedor que não sabe como combinar peças e não sabe como escolher acessórios corretos para uma roupa acaba ficando simplesmente à mercê do cliente.

É essencial que os varejistas percebam com mais clareza que o investimento no vendedor é um investimento no seu próprio negócio.

Confesso que o que mais assusta é ver como o varejista de pequeno, médio e grande porte ainda não despertou para as ações de marketing que são tão banais, mas muito mais viáveis em termos de custos para seu próprio negócio e, no entanto, tão abandonadas.

A maior parte se preocupa em criar sites, catálogos de moda, mala direta, etc. e acabam esquecendo-se do básico: um bom vitrinista e uma boa assessoria de imprensa.

As duas ações podem representar o seu “cartão de visitas”. A vitrine representa o primeiro contato da marca com o consumidor, se a mesma for fraca, ninguém vai entrar para conferir o que tem por dentro.

Com relação à assessoria de imprensa, nos dias atuais, onde mais do que nunca a marca denuncia quem o cliente é qual tribo ele pertence, nada melhor do que constar nos editoriais consagrados de moda, principalmente para o público masculino, que faz do mesmo um referencial para suas escolhas.

Não há investimento e não há ousadia. Parece que o varejo não se deu conta de que o consumidor é exigente e, principalmente, informadíssimo. Pensemos nisso para criarmos um mercado melhor para nosso maior homenageado de hoje: o consumidor.

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