Caso de competência

STF reafirma que Justiça Trabalhista não julga servidor

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13 de março de 2007, 20h19

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, reafirmou o entendimento de que a Justiça Trabalhista não julga ação entre o poder público e seus servidores. Ele atendeu o pedido do município de João Pessoa e suspendeu as decisões e o andamento processual de um processo ajuizado por um servidor público no Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região.

O município contestou decisão do TRT tomada em Ação Civil Pública do Ministério Público do Trabalho. O tribunal proibiu, liminarmente, o município de demitir qualquer agente comunitário de saúde e de combate às epidemias.

Na Reclamação entregue ao Supremo, o município de João Pessoa sustentou que as decisões trabalhistas afrontaram decisão do STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.395. No julgamento desta ADI, o Plenário, ao interpretar a nova redação dada ao artigo 114 da Constituição Federal, pela Emenda Constitucional 45/04, afastou a competência da Justiça do Trabalho para o julgamento de causas entre o poder público e seus servidores.

O município afirmou ainda que os agentes comunitários de saúde foram contratados temporariamente devido a um excepcional interesse público e “tal relação seria de caráter jurídico administrativo”, não podendo ser julgado pela justiça trabalhista.

Veja o voto

MED. CAUT. EM RECLAMAÇÃO 4.990-6 PARAÍBA

RELATOR : MIN. GILMAR MENDES

RECLAMANTE(S) : MUNICÍPIO DE JOÃO PESSOA

ADVOGADO(A/S) : GILBERTO CARNEIRO DA GAMA E OUTRO(A/S)

RECLAMADO(A/S) : JUIZ DO TRABALHO DA 7ª VARA DO TRABALHO DE JOÃO PESSOA (PROC Nº 01385.2006.022.13.00-2)

RECLAMADO(A/S) : RELATOR DA MEDIDA CAUTELAR Nº 00064.2007.000.13.00-4 DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 13ª REGIÃO

INTERESSADO(A/S) : MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

DECISÃO: Trata-se de reclamação, como pedido de liminar, ajuizada pelo Município de João Pessoa/PB contra decisões proferidas pelo Juiz do Trabalho da 7ª Vara do Trabalho de João Pessoa/PB nos autos da Ação Civil Pública no 01385.2006.022.13.00-2, e pelo Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região (TRT-13ª) nos autos da Medida Cautelar no 00064.2007.000.13.00-4.

O reclamante narra que, na origem, o Ministério Público do Trabalho da Paraíba ajuizou Ação Civil Pública em face do Município de João Pessoa pleiteando, liminarmente, que este se abstivesse de demitir qualquer agente comunitário de saúde e de combate às endemias até o trânsito em julgado da sentença, sob pena de multa, e, no mérito, o reconhecimento da natureza jurídica celetista da relação estabelecida entre esses agentes e a municipalidade.

O pedido cautelar foi deferido, mas posteriormente suspenso pelo TRT-13ª, tendo em vista o não-cumprimento do disposto no art. 2o da Lei no 8.437/1992 (“No mandado de segurança coletivo e na ação civil pública, a liminar será concedida, quando cabível, após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de setenta e duas horas” — grifei).

Apresentada a contestação pela municipalidade, o juízo da 7ª Vara do Trabalho de João Pessoa/PB proferiu nova decisão, reiterando os termos daquela anteriormente exarada.

O Município de João Pessoa, então, requereu mais uma vez a suspensão da decisão de primeiro grau, no que foi novamente atendido pelo TRT-13ª, em decisão de sua Presidenta, que reconheceu a incompetência da Justiça do Trabalho para o feito, citando expressamente o entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal na ADI-MC no 3.395/DF.

Essa decisão foi agravada pelo Ministério Público do Trabalho da Paraíba que, concomitantemente, ajuizou ação cautelar inominada incidental para conceder efeito suspensivo ao agravo. Tal pleito foi deferido pelo decano do TRT-13ª, em decisão da qual destaco o trecho a seguir (fls. 133-134):

“As circunstâncias relatadas nos autos denotam a iminência de demissão imotivada de diversos agentes comunitários de saúde e de combate às endemias, em razão da suspensão da decisão antecipatória dos efeitos da tutela de mérito, proferida nos autos de Ação Civil Pública intentada pelo Ministério Público do Trabalho, que determinava ao Município de João Pessoa-PB o dever de abster-se de tal conduta até o trânsito em julgado da sentença de mérito.

Da situação relatada, pois, colhe-se a existência de razoável receio de grave lesão a uma das partes envolvidas, que autoriza, no art. 798 do CPC, a concessão do provimento liminar ora pretendido, deferindo-se efeito suspensivo ao agravo ora proposto, como forma de resguardar o bem jurídico ameaçado de lesão até a prolação da decisão referente ao agravo.

Demais disso, vislumbra-se presente o requisito da fumaça do bom direito. Com efeito, a decisão agravada, ao deferir a medida suspensiva, examinando-a à luz do disposto na Lei 8.437/92, entendeu satisfeita a exigibilidade insculpida em seu art. 2º, bem como considerou inexistentes as hipóteses de lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, elencadas em seu artigo 4º, culminando pelo deferimento daquele pleito em virtude da constatação da incompetência material da Justiça do Trabalho, em razão da natureza excepcional da relação havida entre as partes, de caráter jurídico-administrativo.

Não obstante, os argumentos suscitados pelo Ministério Público do Trabalho manifestam a existência de legislação específica aplicável aos agentes comunitários em foco, consubstanciada na Emenda Constitucional nº 51/2006, Lei 11.350/2006, art. 17, e MP 16/2007, art. 2º, que, dispondo acerca da submissão dos mesmos ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho, o que revelaria a competência desta Justiça Especializada para o exame da demanda, de modo que demonstrada a verossimilhança do direito invocado, exame que se leva a efeito, nesta oportunidade, mediante cognição superficial, com é próprio aos provimentos liminares.

Diante do exposto, DEFIRO a liminar pleiteada e determino a imediata suspensão dos efeitos do despacho proferido nos autos do Processo nº 00034.2007.000.13.00-8, restaurando os efeitos da decisão proferida pela 7ª Vara do Trabalho de João Pessoa-PB, nos autos da Ação Civil Pública n.º 1385.2006.022.13.00-2, proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, nos exatos termos em que proferida.

Intimem-se o Ministério Público do Trabalho, o requerido e o Juiz da 7ª Vara do Trabalho de João Pessoa-PB.

João Pessoa, 2 de março de 2007.” (fls. 133-134).

É contra essa decisão, proferida na Medida Cautelar no 00064.2007.000.13.00-4, e aquela por esta restaurada, proferida na Ação Civil Pública no 01385.2006.022.13.00-2, que o reclamante se insurge.

Afirma que os agentes comunitários de saúde e de combate às endemias foram contratados temporariamente, devido a excepcional interesse público, conforme prevêem o art. 37, IX, da Constituição Federal, e a Lei Municipal no 9.584/2001.

Tal relação teria, a seu ver, caráter jurídicoadministrativo. Por essa razão, o reclamante argumenta que o ato impugnado teria afrontado a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na ADI-MC no 3.395/DF, Relator Cezar Peluso, DJ 10.11.2006, cuja ementa é a seguinte:

“EMENTA: INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Competência.

Justiça do Trabalho. Incompetência reconhecida. Causas entre o Poder Público e seus servidores estatutários. Ações que não se reputam oriundas de relação de trabalho. Conceito estrito desta relação. Feitos da competência da Justiça Comum. Interpretaçãodo art. 114, inc. I, da CF, introduzido pela EC 45/2004.

Precedentes. Liminar deferida para excluir outra interpretação.

O disposto no art. 114, I, da Constituição da República, não abrange as causas instauradas entre o Poder Público e servidor que lhe seja vinculado por relação jurídico-estatutária.”

Quanto à urgência da pretensão cautelar (periculum in mora), aduz que “a ACP multicitada está em pleno curso, cuja fase seguinte é a apresentação de alegações finais com a conseqüente sentença, ocasionando, fatalmente, um prejuízo tanto para o jurisdicionado como para a administração, já que a decisão será proferida por um Juiz absolutamente incompetente.” (fl. 10).

Dessa forma, requer a concessão de medida liminar para suspender os efeitos do ato reclamado.

Passo a decidir o pedido de medida liminar.

À primeira vista, sem adentrar na questão relativa à natureza do vínculo estabelecido entre o Município de João Pessoa e os agentes de saúde, entendo que é plausível a alegação de afronta à decisão proferida pelo Tribunal na ADI-MC no 3.395/DF.

Em situações semelhantes, a Corte, reconhecendo o possível desrespeito à decisão na ADI-MC no 3.395/DF, tem concedido a medida liminar para suspender o curso de ações em trâmite na Justiça do Trabalho que tenham como objeto as causas instauradas entre o Poder Público e seus servidores. Cito os seguintes precedentes: Rcl no 4.912/GO, Relatora Carmen Lúcia, DJ 6.3.2007; Rcl no 4.948/MS, Relator Ricardo Lewandowski, DJ 27.2.2007; Rcl no 3.183/PA, Relator Joaquim Barbosa, DJ 15.4.2005; Rcl no 3.737/PA, Relatora Ellen Gracie, DJ 24.8.2005; Rcl no 3.303/PI, Relator Carlos Britto, DJ 29.6.2005 e Rcl no 3.431/PA, Relator Carlos Britto, DJ 8.8.2005.

Ante o exposto, ressalvado melhor juízo, defiro a liminar para suspender, até o julgamento final desta reclamação, os efeitos das decisões proferidas na Ação Civil Pública no 01385.2006.022.13.00-2, da 7ª Vara do Trabalho de João Pessoa/PB, e na Medida Cautelar no 00064.2007.000.13.00-4, do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, bem como o andamento de ambos os processos.

Comunique-se, com urgência.

Solicitem-se informações. Após, abra-se vista à

Procuradoria-Geral da República.

Publique-se.

Brasília, 7 de março de 2007.

Ministro GILMAR MENDES

Relator

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