Nomes trocados

Google é condenado por relacionar advogada com Surfistinha

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13 de março de 2007, 19h13

O Google foi condenado a pagar 10,8 mil salários mínimos (R$ 4,3 milhões) a uma advogada de Porto Alegre, que teve seu nome na internet associado ao da garota de programa Bruna Surfistinha. Para o juiz Mauro Caum Gonçalves, da 3ª Vara Cível de Porto Alegre, houve dano moral. A ação foi movida contra o escritório Montaury Pimenta Machado e Lioce, que representa a empresa no Brasil. Cabe recurso.

Consta nos autos, que a conexão indesejada entre os nomes da advogada Deborah Pierini Cidade de Sá e da garota de programa Raquel Pacheco, mais conhecida como Bruna Surfistinha, foi descoberta em 2005. No pedido de indenização, a autora esclarece que é advogada há seis anos, casada, mãe de dois filhos e que também atua como psicóloga. Descrição que a distanciaria de qualquer relação com Bruna Surfistinha. As informações são do site Espaço Vital.

Para ela, as associações encontradas feitas pelo Google são “não condizentes com sua conduta social, ofensivas à sua honra e plagadas de termos e expressões de baixo calão e de conotação extremamente vulgar”. No blog, Bruna Surfistinha fala sobre o seu livro O Doce Veneno do Escorpião, em que conta suas experiências e vivências durante a época em que trabalhou como garota de programa.

Em dezembro de 2005, a advogada e seu pai, colega de profissão, entraram com um pedido de liminar para que o juiz determinasse a criação de um filtro para corrigir o erro que fazia a ligação de seu nome com o blog. O juiz acolheu os argumentos e determinou o uso do filtro, sob pena de multa diária de R$ 30 mil. Intimada em janeiro de 2006, a empresa representante da Google cumpriu a liminar em 24 horas.

No julgamento do mérito, na semana passada, o juiz Mauro Caum Gonçalves, da 3ª Vara Cível de Porto Alegre, julgou antecipadamente o feito. Para ele, “o dano moral foi decorrente da injúria e da difamação sofridas pela autora”. O juiz avaliou as agravantes de “o nome da vítima ter estado associado a materiais de cunho vulgar e depreciativo à sua honra, agregado ao alcance mundial da lesão, provocando dano gravíssimo e irreparável à esfera pessoal da autora”.

A condenação compreende ainda as custas processuais, mais honorários advocatícios de 20% (R$ 876,9 mil).

Ao decidir sobre o valor da indenização, o juiz ressaltou: “em que pese a inexistência de critérios objetivos para a quantificação da verba indenizatória a título de danos morais, deve o julgador, munido da lógica do razoável, examinar certos elementos, entre os quais encontram-se a gravidade e repercussão do dano sofrido, a reprovabilidade da conduta e a capacidade das partes”.

O juiz se baseou nas condições sociais da autora da ação — casada, mãe, advogada e psicóloga — e também no poder econômica do Google, “empresa multinacional que, como é sabido por todos, aufere lucros gigantescos em todo o planeta”.

Leia a sentença

Espécie: AÇÃO COMINATÓRIA CUMULADA COM AÇÃO INDENIZATÓRIA

Requerente: D.P.C.S.

Requerida: MONTAURY PIMENTA MACHADO E LIOCE S.C. LTDA

Data da Prolação: 09 DE MARÇO DE 2007

Juiz Prolator: MAURO CAUM GONÇALVES

Vistos etc.

1.0) RELATÓRIO:

D.P.C.S., qualificada na inicial, moveu Ação que nominou Indenizatória por danos morais, com pedido de antecipação de tutela, em face de MONTAURY PIMENTA MACHADO E LIOCE S.C. LTDA, também qualificada, alegando ter realizado a consulta de seu nome no saite www.google.com.br, cujo domínio foi registrado no Brasil em nome da demandada, e constatado que estava vinculada a páginas não condizentes com sua conduta social, ofensivas à sua honra e plagadas de termos e expressões de baixo calão e de conotação extremamente vulgar. Pretende, liminarmente, a exclusão dos conteúdos que associam seu nome a conteúdo de cunho pejorativo e injurioso, assim como indenização pelos danos morais sofridos. Juntou documentos (fls. 10 a 50).

À fl. 53 foi deferida a liminar para exclusão de resultados de pesquisa que relacionavam o nome da autora ao material ofensivo a sua reputação.

Citada, a requerida compareceu aos autos e nomeou à autoria (fls. 71/97) a empresa Google Brasil Internet Ltda., alegando não ser responsável pelo saite que motivou o ajuizamento da presente ação, mas apenas prestar o serviço de registro de direitos de propriedade intelectual para a empresa Google Inc no Brasil.

A autora recusou a nomeação à autoria, do que o juízo declarou a ausência de efeito desta, determinando que a requerida apresentasse contestação (fl. 100). A demandada contestou, argüindo, como preliminar, ilegitimidade passiva sob o argumento de ser uma prestadora de serviços da empresa Google Inc. e alegando uma possível inviabilidade futura no cumprimento de eventual condenação em obrigação de fazer. Alegou ser mero escritório comercial no Brasil, sem qualquer controle ou acesso ao banco de dados do saite www.google.com.br.


No mérito, discorreu sobre a limitação de responsabilidade dos provedores de serviço de Internet e ratificou a impossibilidade de ingerência técnica em dados relativos às pesquisas realizadas. Requereu, em não sendo acolhida a preliminar, a improcedência da ação.

Sobreveio réplica à contestação (fls. 126/237).

Foi o relatório.

Passo a motivar a decisão.

2.0) FUNDAMENTAÇÃO:

A matéria a ser analisada é de fato e de direito, mas não há necessidade de se produzirem outras provas em audiência, devendo-se proceder ao julgamento antecipado da lide, nos termos do disposto no art. 330, I, do CPC.

2.1) Da Preliminar de Ilegitimidade Passiva:

Analiso a preliminar de ilegitimidade passiva, argüida pela demandada.

O fato do domínio www.google.com.br estar registrado no Brasil em nome da requerida restou incontroverso. Em tendo esta apontado que Google Inc. é a empresa responsável pela disponibilização da página www.google.com restou evidente que ambas empresas possuem os mesmos interesses financeiros, sendo a demandada a representante daquela no país.

Nesse mesmo entendimento, o julgamento de Agravo de Instrumento proferido pela Des. Marilene Bonzanini Bernardi, em caso semelhante.

RESPONSABILIDADE CIVIL. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. ORKUT. COMUNIDADE VIRTUAL. UTILIZAÇÃO DE FOTO ALHEIA SEM AUTORIZAÇÃO, DE FORMA PEJORATIVA. DETERMINAÇÃO PARA REMOÇÃO. GOOGLE BRASIL – ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE DE SER DESTINATÁRIO DA DETERMINAÇÃO DO JUÍZO REFERENTE AO ORKUT. Verificando-se que a ré participa do mesmo grupo econômico e se apresenta ao consumidor de idêntica forma que a empresa sediada nos EUA que detém o comando do ORKUT, não procede a sua alegação de impossibilidade de ser destinatária de determinações referentes ao ORKUT. Aplicação da teoria da aparência. DETERMINAÇÃO PARA REMOÇÃO DE FOTO UTILIZADA PARA ILUSTRAR PÁGINA DE COMUNIDADE. Não há qualquer óbice ao cumprimento da determinação de exclusão da foto que supostamente seria da autora e que foi utilizada para ilustrar Comunidade do ORKUT, evitando, assim, maiores dissabores e danos à autora, sem que haja, de outro lado, qualquer prejuízo ao demandado. VEDAÇÃO DE OCORRÊNCIAS FUTURAS RELACIONADAS À AUTORA. Parece complicado que a recorrente possa impedir a divulgação futura de imagem da agravada, uma vez que as informações postas no site Orkut são definidas pelos usuários, e não pela empresa. E não se cogita de suspensão de todo o serviço apenas para proteger a imagem da demandante, gerando a medida, neste caso, ônus excessivo em relação ao direito que se visa tutelar. FIXAÇÃO DE ASTREINTES Tratando-se de obrigação de fazer, perfeitamente cabível a incidência das astreintes, em consonância com o art. 461, § 5º, do CPC. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70015755952, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, Julgado em 09/08/2006)

No que pertine aos argumentos lançados pela demandada, acerca da impossibilidade técnica de ingerência no banco de dados do saite para exclusão das referências ofensivas à autora, entendo ter a requerida legitimidade e, por via de conseqüência, efetivas condições de atender o comando judicial da exclusão (já tendo tomado tal providência), pois é a demandada representante da empresa que cita como responsável, no Brasil.

Ante às considerações já manifestadas, entendendo ser a demandada, representante legal da empresa norte-americana no país e, por isso, solidariamente, responsável, pelos atos daquela.

Afasto, assim, a preliminar de ilegitimidade invocada, consubstanciado na Teoria da Aparência.

2.2) Do Mérito:

Em que pese tenha a ação sido nominada apenas como indenizatória, se verifica que a pretensão é de cominar obrigação de fazer (a exclusão dos sites que associam o nome da autora a conteúdos de cunho pejorativo e injurioso da página da demandada), cumulada com indenização (por dano moral).

Analiso, pois, a demanda sob tais aspectos.

2.2.1) Da Cominação de Obrigação de não fazer:

No caso em tela, foram trazidas aos autos provas inequívocas do vínculo entre o nome da autora e sites não condizentes com sua conduta social. Sua imagem e sua honra, direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5° X, foram gravemente violados, considerando o teor dos documentos e o alcance mundial da humilhação.

Assim, deve a requerida fazer cessar qualquer veiculação em nome da autora relacionada a questões pejorativas ao seu caráter e que a relacionem com material ofensivo à sensibilidade social.

2.2.2) Dos Danos Morais:

Frise-se que a ocorrência dos danos morais, no caso em epígrafe, é presumida, ou seja, deriva do próprio fato ofensivo, de maneira que, provada a ofensa, no caso a divulgação de conteúdo ofensivo à honra da autora, resta demonstrado o dano.


Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa.

Destarte, tenho como caracterizados os danos morais causados à demandante, devendo a requerida ser condenada ao pagamento de indenização, cujo montante passo a delimitar.

Em que pese a inexistência de critérios objetivos para a quantificação da verba indenizatória a título de danos morais, deve o julgador, munido da lógica do razoável, examinar certos elementos, entre os quais encontram-se a gravidade e repercussão do dano sofrido, a reprovabilidade da conduta e a capacidade das partes.

Segundo Carlos Alberto Bitar, em artigo publicado no Caderno de Doutrina/Tribuna da Magistratura, em julho de 1996, sobre a definição do valor da indenização por Danos Morais: “… parece-nos de bom alvitre analisar-se, primeiro: a) a repercussão na esfera do lesado, depois, b) o potencial econômico-social do lesante e c) as circunstâncias do caso, para finalmente se definir o valor da indenização…”

No caso em tela, o dano moral foi decorrente da injúria e da difamação sofridas pela autora. Frise-se que esta é mulher casada, mãe de família e profissional nas áreas do Direito e da Psicologia. O fato de seu nome ter estado associado a materiais de cunho vulgar e depreciativo à sua honra, agregado ao alcance mundial da lesão, provocou dano gravíssimo e irreparável à esfera pessoal da autora.

De acordo com os ensinamentos do emérito doutrinador Galeno Lacerda, nos casos de dano moral ocasionado por crime tipificado no Código Penal, como observado no caso em questão, devemos, considerando a unicidade do sistema jurídico, analisar conjuntamente o que dispõe o Código Penal em relação às multas decorrentes de ilícitos.

Transcrevo, pela pertinência, a argumentação do ilustre professor, em artigo publicado em junho de 1996 (RT-728, p. 94 a 101):

“… o máximo da pena de multa que, em tese, poder-se-á, no sistema atual do Código Penal, atribuir a qualquer delito, inclusive calúnia ou injúria, paradigma da lei civil (art. 1547) é de 5.400 salários mínimos, valor que se obtém seguindo o roteiro legal, senão vejamos:

O artigo 49 do Código Penal diz que a multa máxima corresponderá a 360 dias-multa. E o valor máximo do dia-multa, diz o §1°, daquele artigo, é cinco salários mínimos. Então, 360 x 5 = 1.800 salários mínimos.

Mas o artigo 60 §1°do mesmo CP salienta que “a multa pode ser aumentada até o triplo, se o juiz considerar que, em virtude da situação econômica do réu, é ineficaz, embora aplicada no máximo”.

Então, a multa máxima do Código Penal para qualquer delito, inclusive a injúria e a calúnia, repita-se, é de 5.400 salários mínimos.

E como o artigo 1.547, parágrafo único, do Código Civil, prevê o dobro da pena pecuniária criminal, chega-se a um total máximo, no cível, de 10.800 salários mínimos”.

O entendimento do emérito doutrinador é compartilhado por este juízo, com o objetivo de fixar um valor indenizatório justo, considerando a gravidade dos danos sofridos pela autora e a condição da demandada, empresa multinacional que, como é sabido por todos, aufere lucros gigantescos em todo o planeta.

Assim, além da intensidade do sofrimento causado, é de ser considerado o poderio econômico da requerida na fixação da verba indenizatória, para que não perca o seu caráter de sanção, vez que a pena deve sempre trazer uma desvantagem maior que a vantagem auferida pelo crime/ilícito, para que exerça a prevenção sobre o ato danoso (Teoria da Prevenção).

Considerando a doutrina de Galeno Lacerda, tem-se que, sendo certo que o dano é irreparável, é justo que haja ao menos uma compensação em virtude do erro da demandada. Compensação esta que fixo em valor equivalente a 10.800 salários-mínimos, vigentes na data da publicação da presente, isto é, R$ 3.780,000,00, a serem corrigidos, desta data, monetariamente, pelo IGP-M, e acrescidos de juros de mora de 12% ao ano, desde a data de cometimento do ilícito (publicação do conteúdo ofensivo à honra da autora).

3.0) DISPOSITIVO:

Isso posto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados por D.B.C.S. nos autos da Ação Cominatória cumulada com Ação Indenizatória, que moveu contra MONTAURY PIMENTA MACHADO E LIOCE S.C. LTDA, e comino à requerida a obrigação de fazer a exclusão dos sites que associam o nome da autora a conteúdos de cunho pejorativo e injurioso, de sua página de buscas, tornando definitiva a antecipação de tutela concedida à fl. 53; e condenando a requerida ao pagamento de uma indenização, por dano moral, no valor de R$ 3.780,000,00, corrigidos monetariamente pelo IGP-M desta data; acrescidos de juros de mora de 12% ao ano, desde a data da verificação da presença do nome da autora relacionado a material não condizente com sua conduta social (11/10/2005 – fls 35-40).

Condeno, ainda, a requerida a arcar com as custas processuais e com os honorários advocatícios devidos ao patrono do autor, que fixo em 20% sobre o valor da condenação pecuniária, forte no §3º, do art. 20, do CPC.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

Porto Alegre, 09 de março de 2007.

MAURO CAUM GONÇALVES, Juiz de Direito da 3ª Vara Cível, 1º Juizado.

Leia a liminar

Liminar contra GOOGLE.

Aplicação de Filtro

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul

Número do Processo: 10524409130

Julgador: Mauro Caum Gonçalves

Despacho: Vistos.

1) Para concessão de pedido liminar, de exclusão do nome da Autora do saite da requerida, de acordo com os preceitos do artigo 273 do CPC, é necessário prova inequívoca da verossimilhança das alegações, o que está consubstanciado nos autos; e que também haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. No caso em tela, ambos os pressupostos se fazem presentes, por consubstanciada a verossimilhança nos documentos juntados às folhas 35/44, sendo que o risco de dano irreparável ou de difícil reparação se dá em razão das consultas efetuadas por terceiros, onde constará o nome da Autora vinculados a saites não condizentes com a sua conduta em sociedade.

2) Assim, concedo a tutela antecipada com a finalidade de fazer cessar, imediatamente, qualquer veiculação em nome da Autora, relacionado à questões de zoofilia ou similares no saite www.catar.com.br, tanto de solteira, quanto de casada, sendo esses respectivamente, Deborah Pierini Cidade e Deborah Pierini Cidade de Sá, cabendo ao demandado cumprir a medida no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, pena de multa diária em valor equivalente a 100 Salários Mínimos, para o caso de descumprimento. Expeça-se mandado para o cumprimento da liminar e citação com urgência, pelo plantão se necessário.

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