Polícia que dá lucro

Onde o estado e o município ganham, outros sofrem....

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12 de março de 2007, 11h48

Localiza-se na Avenida Indianópolis, 3.303 , bairro do Jabaquara, nesta Capital, a única Delegacia de Polícia do país que dá lucro para o estado e para o município.

Apesar ou por causa disso, todas as pessoas são obrigadas a freqüentar um prédio que deveria ser interditado pela Vigilância Sanitária, pois apresenta inúmeros riscos para a segurança e a saúde das pessoas.

Funcionários públicos concursados, portadores de diploma de nível universitário, trabalham num “porão fedorento” ou numa “cobertura” improvisada, com divisórias de madeira, canos de esgoto pingando sobre mesas, documentos e pessoas, em ambientes que colocam em risco a saúde e a segurança de todos. Trata-se de um prédio que já apelidamos de “cortiço fazendário”.

O termo “porão fedorento” foi utilizado em artigo aqui publicado em 9 de novembro de 2006, enquanto a expressão “cortiço fazendário” é o título de artigo de 22 de junho de 2005.

Pode ser que as autoridades maiores do nosso Estado odeiem funcionários cujo trabalho gera lucros ou, quem sabe, odeiem a Polícia Civil. Esse ódio, contudo, já é suficientemente satisfeito através dos ridículos salários que se lhes pagam.

Além do mais, poderiam ser poupadas desse sofrimento as pessoas que são obrigadas a dirigir-se a tal Delegacia, como os Agentes Fiscais, os contribuintes (ainda que presumidos sonegadores), os contadores e as testemunhas. Nós, advogados e jornalistas, já estamos de certa forma habituados ao ódio das autoridades e nem deveríamos reclamar muito. Mas ainda somos a única voz que pode gritar contra essa, digamos, incoerência.

Sem dúvida, é incoerente a Polícia Civil negar as mínimas condições de trabalho a servidores de uma repartição que pode gerar lucros e, ao mesmo tempo, investir apenas em distritos policiais na periferia. Claro que os cidadãos da periferia merecem ser atendidos num distrito limpo, confortável e eficiente. Mas isso não implica em se “esquecer” da importante Divisão de Investigações sobre Crimes Fazendários.

Na Delegacia localizada na Avenida Indianópolis os escrivães trabalham num porão, originalmente destinado à garagem de um edifício esculhambado, onde velhos canos de esgoto chegam a gotejar sobre mesas e processos. O cheiro, especialmente no verão, é um pouco pior do que o que se sente em alguns banheiros públicos.

Nos espaços que deveriam ser cartórios, milhares de autos de inquéritos se acumulam até no chão e escrivães se amontoam em espaços exíguos, delimitados por improvisadas divisões de madeira.

Lá no Jabaquara , num prédio onde é difícil ter higiene (embora os faxineiros se esforcem) um escrivão, funcionário concursado de nível superior, trabalha em menos de 3 (três) metros quadrados, onde tem que acomodar a mesa, o computador, a impressora, a prateleira para amontoar inquéritos, a sua cadeira e ainda pelo menos uma outra para ser utilizada quando alguém presta depoimento. Se o depoente estiver acompanhado de advogado, um dos dois ficará de pé. É mais do que uma vergonha: é ridículo, é triste, é nojento!

Registre-se, por oportuno, que a quase totalidade dos equipamentos de informática é de propriedade dos servidores. A Secretaria da Segurança Pública sequer fornece aos seus funcionários os equipamentos necessários!

Os investigadores também se amontoam, mas numa “cobertura” improvisada, provavelmente obra clandestina, pois não obedece a qualquer norma de segurança ou de engenharia. A essa “cobertura” tem-se acesso por uma escada estreita, íngreme, com degraus de medidas totalmente fora dos padrões adotados pela Associação Brasileira de Normas Técnicas, enfim uma escada perigosa, que coloca em risco a segurança das pessoas.

Se o prédio da Avenida Indianópolis, 3.303 fosse particular ou se o prefeito fizesse oposição política ao governador, teria de ser interditado, inclusive pela Vigilância Sanitária.

A Constituição Federal , no artigo 7º, inciso XXII diz que um dos direitos dos trabalhadores é a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”.Colocar funcionários públicos inclusive portadores de nível universitário nesse ambiente é também submetê-los a tratamento “degradante”, proibido pelo artigo 5º, inciso III.

Todo mundo sabe que aquela repartição está no lugar errado. No sítio da Secretaria da Segurança ( ver em www.policialcivil.sp.gov.br/decap-dir.htm) registra-se que ela se localiza na Avenida Higenópolis (sic) nº 3.303 – Jabaquara. Como se sabe, a Higienópolis não tem esse número e nem fica no Jabaquara… Chega a ser irônico o erro, pois o “site” é produzido pela “Unidade de Inteligência Policial”. Quem produz o “site” é inteligente mesmo, pois reconhece que a Delegacia está no lugar errado…

Pode à primeira vista parecer estranho que uma Delegacia de Polícia traga lucros para o Governo. Ao combater o crime de sonegação, cuja punibilidade se extingue com o pagamento do tributo sonegado, aquela repartição tem provocado a arrecadação de milhões e milhões de reais.

Sei muito bem do que estou falando. Sou testemunha de vários casos em que empresários preferiram recolher o tributo que poderiam discutir apenas para se livrar do inquérito policial. Como se sabe, a discussão de um auto de infração na esfera administrativa envolve gastos muitas vezes elevados com honorários advocatícios e a defesa criminal em casos de sonegação também custa muito caro. Um cliente de meu escritório pagou cerca de 2 milhões de reais, embora o auto de infração fosse ilegal e injusto, simplesmente porque achou mais conveniente não expor o seu bom nome à execração pública.

Como se sabe, reputações já foram destruídas com a divulgação de notícias de sonegação fiscal. Em 1995, por exemplo, uma empresa importadora de veículos foi autuada pelo Fisco Federal sob a acusação de sub-faturamento.

Servidores públicos ávidos por promoção pessoal fizeram um verdadeiro “carnaval” com as autuações, que dois anos depois foram julgadas improcedentes pela própria fiscalização, pois o contribuinte conseguiu provar sua inocência. Afinal, estamos num país onde empresários são sempre culpados, até que consigam provar sua inocência…

Mas, felizmente, parece que as pessoas que trabalham naquele “porão fedorendo” e naquela “cobertura” improvisada, podem ter alguma esperança!

Com as recentes mudanças havidas na Secretaria da Segurança, assumiu a chefia daquele setor um Delegado que já demonstrou sua preocupação com o assunto. E mais que isso: trabalhava anteriormente na Zona Norte, onde, no ano passado, um Distrito Policial (o 9º DP – Carandiru) foi considerado o melhor da América Latina! Em reportagem na imprensa (Estadão, 9/2/2007, página 6-C) noticiou-se que esse DP foi escolhido por uma ONG holandesa como o melhor, numa pesquisa envolvendo 470 delegacias de 23 países!

Diante dessa notícia, estive recentemente na Delegacia de Crimes Fazendários e um funcionário me informou que estão planejando uma ampla reforma no prédio. Essa reforma não vai resolver o problema. O prédio não tem espaço suficiente para acomodar todos os funcionários, nem para atender adequadamente os cidadãos e está no lugar errado, longe de tudo.

Como é público e notório, o trabalho de fiscalização de tributos está crescendo cada vez mais. Além dos tributos estaduais, a Delegacia em questão também cuida de sonegação dos tributos municipais.

Para que se tenha uma idéia do problema, só em matéria de supostas sonegações de ISS – Imposto sobre Serviço – consta que existem cerca de 5.000 inquéritos em andamento. Em cada inquérito há pelo menos 3 pessoas a ouvir : um fiscal , um dos sócios da empresa e uma testemunha ou o contador. São 15.000 pessoas a depor. Na área do ICMS o número de inquéritos é maior.

Quando alguém comparece para ser ouvido, seu depoimento deve ser tomado em sigilo, na forma da lei vigente. Os documentos apreendidos precisam ser conservados em segurança. Advogados que examinam inquéritos não contam com a mínima condição de bem desempenhar suas funções.

Enfim, por melhor que seja a reforma do prédio, não vai resolver o problema. É o mesmo que reformar uma quitinete de 30 metros quadrados, na esperança de dar conforto a uma família de 10 pessoas!

A melhor solução é mudar a Delegacia para outro local, de preferência para o centro da Capital, próximo à Secretaria de Fazenda (Avenida Rangel Pestana) e Secretaria de Finanças do Município (Rua Pedro Américo).

Já existe o lugar ideal, sem despesa para o Estado: é o prédio da Rua Venceslau Braz, onde funcionou a Corregedoria da Polícia Civil, cujos elevadores foram modernizados e que hoje serve apenas como arquivo. Outras opções seriam o prédio da Polícia na Rua Brigadeiro Tobias ou mesmo um dos edifícios que o Estado tem sem uso no centro da cidade, onde haveria mais facilidades para contribuintes, funcionários, fiscais e advogados, com melhor oferta de transporte e estacionamentos, além da proximidade de outras repartições e serviços (cartórios, copiadoras, etc) com os quais os assuntos fazendários possuem uma sinergia óbvia.

A mudança da Delegacia de Crimes Fazendários para o Centro já foi pedida pela OAB-SP. Na gestão anterior, contudo, não houve tempo suficiente para que o assunto merecesse a necessária atenção das autoridades envolvidas.

Mas agora, que o presidente da seccional paulista da Ordem, Luiz Flávio Borges D’Urso faz parte do Conselho Consultivo da Ouvidoria da Polícia Civil, é provável que a questão possa ter um encaminhamento melhor.

No próximo dia 19 de março, quando haverá reunião do Conselho Seccional da OAB-SP, entregaremos pessoalmente ao nosso presidente, agora também Conselheiro da Polícia, mais esta proposta, desta vez com mais chances de sucesso, pois deve receber o apoio de todos os que conhecem as dificuldades dos que trabalham ou são atendidos na mencionada Delegacia.

Esperamos que neste novo governo os servidores cujo trabalho vem trazendo tantos resultados positivos para o Estado mereçam sair do “porão fedorento” e não tenham mais que trabalhar num “cortiço fazendário”.

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