Ação e punição

Gravidade do crime não é suficiente para justificar prisão

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12 de março de 2007, 13h43

O decreto de prisão não pode se fundamentar apenas na natureza hedionda do crime. O entendimento é do ministro Hamilton Carvalhido, da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Ele permitiu que o policial militar Samuel da Assunção Neto, condenado a 15 anos e seis meses de prisão por homicídio e ocultação de cadáver, responda ao processo em liberdade.

Para o ministro, fundamentar a prisão apenas na natureza do crime cometido, e não na concreta necessidade de manter preso o réu, é afrontar a Constituição Federal. Carvalhido considerou que os bons antecedentes e a desnecessidade da prisão preventiva também são suficientes para que o réu responda à apelação em liberdade.

O soldado e outros três policiais foram condenados pela acusação de terem espancado até a morte o taxista Luís Isaac Costa do Nascimento. O crime aconteceu em 17 de dezembro de 1992. O Tribunal de Justiça do Paraná rejeitou o pedido de liberdade. Por isso, a defesa recorreu ao STJ.

Em princípio, o pedido de liminar foi indeferido. No entanto, o ministro Hamilton Carvalhido reconsiderou a decisão ao apreciar o mérito da questão.

O ministro destacou que a prisão cautelar só se admite em casos legais de sua necessidade, quando certas a autoria e a existência do crime. Tal prisão deve vir fundamentada, explica o ministro. Carvalhido destacou que o Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pela concessão da liberdade.

Com esse entendimento, o ministro deferiu o pedido, assegurando ao policial o direito de recorrer de sua condenação em liberdade. Determinou ainda o recolhimento do mandado de prisão expedido contra Samuel Neto.

Leia a decisão

Superior Tribunal de Justiça

HABEAS CORPUS Nº 61.688 – PA (2006/0139453-7)

RELATOR : MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO

IMPETRANTE : HILÁRIO CARVALHO MONTEIRO JUNIOR

IMPETRADO : PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL ISOLADA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ

PACIENTE : SAMUEL DA ASSUNÇÃO NETO (PRESO)

DECISÃO

Habeas corpus contra a Primeira Câmara Criminal Isolada do Tribunal de Justiça do Estado do Pará que, improvendo o apelo de Samuel da Assunção Neto, preservou a pena de 15 anos e 6 meses de reclusão, que lhe foi imposta pela prática dos delitos de homicídio e ocultação de cadáver, determinando-se-lhe, ainda, expedição de mandado de prisão.

A ilegalidade da expedição do mandado de prisão contra o paciente antes do trânsito em julgado da condenação, dá motivação ao writ. Alega o impetrante que “(…) em que pese os argumentos do ilustre Relator, determinou a prisão do paciente, fundados em entendimento que não se constitui ofensa ao princípio da presunção da inocência o recolhimento à prisão de condenado antes do trânsito em julgado da decisão condenatória, crer-se que referida decisão teve o condão de contrariar o que já é questão pacífica nos Tribunais Superiores, qual seja, antes de transitar em julgado decisão condenatória não haverá recolhimento à prisão de forma antecipatória para fins de cumprimento de sentença, já que esse modalidade não possui previsão legal, havendo tão somente exceção se demonstrada a necessidade do decreto preventivo provada sua cautelaridade ” (fl. 4).

Sustenta, mais,que “(…) no caso em tela o paciente continua na sua luta pelo reconhecimento que não lhe fizeram justiça no julgamento popular, razão pela qual interpôs Recurso Especial em tramitação de admissibilidade pelo Tribunal de Justiça do Estado, portanto, comprovadamente sem trânsito em julgado da referida decisão condenatória, constituindo-se sua segregação provisória em inegável constrangimento ilegal, passível de concessão do Writ para restabelecer sua liberdade ” (fl. 4).

Pugna pela expedição de alvará de soltura em favor do paciente. Liminar indeferida (fls. 20/21).

Pedido de reconsideração acolhido, para “(…) assegurar a liberdade do paciente, até o julgamento do presente writ.” (fls. 168/173). O Ministério Público Federal veio pela concessão da ordem, em parecer assim sumariado:

“HABEAS CORPUS . CRIMES DE HOMICÍDIO QUALIFICADO E OCULTAÇÃO DE CADÁVER, LEVADOS A CABO EM CO-AUTORIA, POR POLICIAIS MILITARES (ARTS. 121, § 2º, IV, E 211, CC. O ART. 29, TODOS DO CP). RECONHECIMENTO, NA PRONÚNCIA, DA PRIMARIEDADE E DOS BONS ANTECEDENTES DOS ACUSADOS, SENDO-LHES CONFERIDO O DIREITO DE AGUARDAREM EM LIBERDADE, O JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. CONDENAÇÃO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA, COM O IMEDIATO CUMPRIMENTO DO MANDADO DE PRISÃO EXPEDIDO EM DESFAVOR DO PACIENTE. RECEBIMENTO DE APELO CONDICIONADO AO SEU PRÉVIO RECOLHIMENTO AO CÁRCERE. WRIT CONCEDIDO AO RÉU, LOGO EM SEGUIDA, OUTORGANDO-LHE O BENEFÍCIO DE AGUARDAR SOLTO O JULGAMENTO DO RECURSO INTERPOSTO. INSURGÊNCIA JULGADA PELO TRIBUNAL A QUO, QUE LHE NEGOU PROVIMENTO, CULMINANDO, INCLUSIVE, CO A DECRETAÇÃO DA PRISÃO DO APELANTE. PENDÊNCIA DE RECURSO ESPECIAL. PRETENSÃO DE QUE O RÉU AGUARDE SOLTO O TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO, ALEGATIVAS DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE NÃO-CULPABILIDADE E INEXISTÊNCIA DE QUALQUER DAS HIPÓTESES DO ART. 312, DO CPP. PROCEDÊNCIA. REQUISITOS PREVISTOS NAQUELA NORMA NÃO DEMONSTRADOS . RECONHECIMENTO, PELO STJ, EM SEDE DE MANDAMUS IMPETRADO POR CO-RÉU, DO DIREITO AO RECURSO EM LIBERDADE. PARECER PELO CONHECIMENTO E PELA CONCESSÃO DO WRIT. PARA QUE O PACIENTE POSSA AGUARDAR SOLTO, ATÉ O TRÂNSITO EM JULGADO. “(fls. 177/178).


Tudo visto e examinado.

DECIDO.

A excepcionalidade da prisão cautelar, no sistema de direito positivo pátrio, é necessária conseqüência da presunção de não-culpabilidade, insculpida como garantia individual na Constituição da República, somente se a admitindo nos casos legais de sua necessidade, quando certas a autoria e a existência do crime (Código de Processo Penal, artigo 312).

Tal necessidade, por certo, sem ofensa aos princípios regentes do Estado Democrático e Social de Direito, pode ser presumida em lei ou na própria Constituição, admitindo, ou não, prova em contrário, segundo se cuide de presunção juris tantum , como nos casos de inafiançabilidade de que trata o artigo 323 do Código de Processo Penal, ou de presunção iuris et de iure, como no caso do inciso II do artigo 2º da Lei dos Crimes Hediondos.

A inafiançabilidade do delito é, pois, expressão legal, no sistema normativo processual penal em vigor, de custódia cautelar de necessidade presumida, cuja desconstituição, quando admitida, como o é nos casos de necessidade presumida júris tantum , reclama prova efetiva da desnecessidade da medida, a demonstrar seguras a ordem pública, a instrução criminal e a aplicação da lei penal, sendo desenganadamente do réu o ônus de sua produção (Código de Processo Penal, artigo 310, parágrafo único).

Por certo, não oferecendo o auto de prisão em flagrante senão a notícia que lhe é própria, vale dizer, do crime flagrante que determinou a prisão do agente, não se há de exigir do juiz que demonstre a necessidade da preservação da constrição cautelar, até porque presumido em lei.

Como no magistério de Weber Martins Batista, “Para ser mais exato, o juiz não precisa verificar se a prisão é necessária, pois essa necessidade se presume júris tantum : o que deve fazer é examinar se ela não é desnecessária, ou seja, se há prova em contrário, mostrando que, no caso, inexiste o periculum in mora.” (in Liberdade Provisória, 2ª edição, página 74, Forense, Rio).

Daí por que a liberdade provisória de que cuida o artigo 310, parágrafo único, do Código de Processo Penal, no caso, pois, de prisão em flagrante, está subordinada à certeza da inocorrência de qualquer das hipóteses que autorizam a prisão preventiva, decorrente dos elementos existentes nos autos ou de prova da parte onerada, bastante para afastar a presunção legal de necessidade da custódia.

A Lei nº 8.072/90, que deu cumprimento ao inciso XLIII do artigo 5º da Constituição da República fez, de seu lado, insuscetíveis de “fiança e liberdade provisória” os crimes hediondos, a prática de tortura, o tráfico de entorpecentes e o terrorismo, estabelecendo caso de prisão cautelar de necessidade presumida iuris et de iure, na hipótese de prisão decorrente de flagrante delito.

A propósito do tema, assim se manifestou o Supremo Tribunal Federal, no voto do ilustre Ministro Sepúlveda Pertence, condutor da decisão denegatória unânime do Habeas Corpus nº 83.468/ES, verbis:

“VOTO

(…)

Conheço, pois, da impetração.

Entendo, contudo, que o STJ decidiu corretamente a questão de fundo, à vista do art. 2°, II, da Lei dos Crimes Hediondos e na linha da jurisprudência dominante do Supremo Tribunal (HC 78820, 16.3.99, Pertence; HC 82316, 11.02.03, Sanches).

A proibição legal de concessão da liberdade provisória seria inócua, se a afastasse o juízo da não ocorrência, no caso concreto, dos motivos autorizadores da prisão preventiva: precisamente porque a inocorrência deles é uma das hipóteses de liberdade provisória do preso em flagrante (CPrPen, art. 310, parág. único cf. L. 6416/77), o que a L. 8072 a vedou, se se cuida de prisão em flagrante de crime hediondo.

De outro lado, a proibição da liberdade provisória, nessa hipótese, deriva logicamente do preceito constitucional que impõe a inafiançabilidade das referidas infrações penais: como acentuou, com respaldo na doutrina, o voto vencido, no Tribunal do Espírito Santo, do il. Desemb. Sérgio Teixeira Gama, seria ilógico que, vedada pelo art. 5°, XLIII, da Constituição, a liberdade provisória mediante fiança nos crimes hediondos, fosse ela admissível nos casos legais de liberdade provisória sem fiança.

Conheço do habeas corpus , mas o indefiro: é o meu voto.” (in DJ 23/4/2004).

Mostra-se, assim, incompatível com a Lei e com a Constituição Federal a interpretação que, à luz do disposto no artigo 310, parágrafo único, do Código de Processo Penal, conclui pela admissibilidade, no caso de qualquer desses crimes, da conversão da prisão cautelar decorrente de flagrante delito em liberdade provisória.

Hipóteses legais diversas são as dos artigos 393, inciso I, combinado com o artigo 594, e 408, parágrafo 2º, todos do Código de Processo Penal, que positivam constrições cautelares de necessidade presumida juris tantum, nas quais, em se cuidando de réu primário e de bons antecedentes, que respondeu ao processo da ação penal em liberdade, a necessidade de sua custódia deve emergir dos elementos existentes nos autos e ser demonstrada cumpridamente pelo Juiz.


Esta Corte Superior de Justiça, por outro lado, à luz da disciplina constitucional da liberdade, vem mitigando os termos estritos dos artigos 393, inciso I, combinado com o artigo 594, e 408, parágrafo 2º, todos do Código de Processo Penal, para estender a presunção juris tantum da desnecessidade da constrição cautelar, que milita em favor do réu primário e de bons antecedentes a todo aquele que, solto, responde ao processo da ação penal e que assim deve permanecer mesmo após o decreto condenatório, ressalvadas as hipóteses de presença dos pressupostos e motivos da custódia cautelar elencadas no artigo 312 do Código de Processo Penal, suficientemente demonstrados pelo Juiz.

Este, o leading case:

“PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ARTIGO 594 DO CPP. RÉUS QUE PERMANECERAM SOLTOS DURANTE TODO O TRANSCORRER DA AÇÃO PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DE APELAÇÃO CONDICIONADO AO RECOLHIMENTO À PRISÃO EM VIRTUDE DE ANTECEDENTES TIDOS COMO NEGATIVOS. IMPOSSIBILIDADE. NÃO DEMONSTRAÇÃO DA NECESSIDADE DA MEDIDA.

1. Em princípio, o réu que esteve em liberdade durante o transcorrer da ação penal tem o direito de aguardar solto o julgamento do recurso que interponha contra a sentença que o condenou.

2. A prisão cautelar, de natureza processual, só pode ser decretada em se mostrando a absoluta necessidade de sua adoção.

3. Ordem de habeas corpus concedida” (HC nº 17.208/CE, Relator p/ acórdão Ministro Paulo Gallotti, in DJ 18/2/2002).

Confiram-se, ainda:

“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. CRIME DE ESTUPRO. FIXAÇÃO DA PENA. FUNDAMENTAÇÃO. APELO EM LIBERDADE. RÉU QUE PERMANECEU SOLTO DURANTE TODO O PROCESSO. CRIME HEDIONDO.

I – A pena deve ser fixada com fundamentação concreta e vinculada, tal como exige o próprio princípio do livre convencimento fundamentado (arts. 157, 381 e 387 do CPP c/c o art. 93, inciso IX, segunda parte da Lex Maxima ). Ela não pode ser estabelecida acima do mínimo com supedâneo em referências vagas e dados não explicitados.

II – Configura-se ilegal a decisão que, sem qualquer fundamentação, determina seja expedido mandado de prisão contra o réu condenado por crime hediondo, cerceando-lhe o direito de apelar em liberdade, se este respondeu solto ao processo, além do que foi reconhecido como primário pela sentença. (Precedentes .) Ordem concedida.” (HC nº 21.795/PB, Relator Ministro Felix Fischer, in DJ 17/2/2003).

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. CONDENAÇÃO. INDEFERIMENTO DO APELO EM LIBERDADE. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. RECURSO PROVIDO.

1. À luz da disciplina constitucional da liberdade, se o réu respondeu solto ao processo da ação penal, assim deve permanecer até o exaurimento da instância recursal ordinária, ressalvadas as hipóteses de presença dos pressupostos e requisitos da custódia cautelar (artigo 312 do Código de Processo Penal), suficientemente demonstrados pelo magistrado.

2. Recurso provido” (RHC nº 16.259/RJ, da minha Relatoria, in DJ 6/2/2006). Por imperativo lógico e decorrência da inafastável incompatibilidade da execução provisória da resposta penal com a garantia constitucional da presunção de não-culpabilidade, esse entendimento há de projetar a sua eficácia também na instância excepcional, posição que passo a adotar doravante, embora já estivesse presente, faz muito, como tenho declinado sucessivas vezes, na minha compreensão da essência de um sistema processual penal ajustado aos imperativos do Estado de Direito.

Havia, contudo, como há ainda, o óbice do enunciado nº 267 da Súmula deste Superior Tribunal de Justiça, de observância obrigatória pelos seus Ministros, que afasto, porque vencido sistematicamente na Sexta Turma e porque inviabilizados, no âmbito da Terceira Seção, os instrumentos regimentais de uniformização de jurisprudência, mostrando-se evidente uma espécie de cultivo da divergência, estranha, por certo, à função constitucional desta Corte Superior, mas de razão evidente em tempos de transformação, como os que estamos a viver. Uma tal situação, porque se consolidou, compreendida objetivamente como deve ser, impõe o entendimento que passo a aplicar em minhas decisões, enquanto expressa evolução do sistema processual penal e, por isso, deve se transformar, pelo menos, em predominante.

Em resumo, nos casos de presunção juris tantum da desnecessidade da custódia cautelar, quais sejam, de réu solto, primário e de bons antecedentes, como na Lei, ou de réu que responde, solto, ao processo da ação penal, ainda que de maus antecedentes e reincidente, como na jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, a sua prisão, até o trânsito em julgado de sua condenação, somente será legal e conforme a Constituição da República, se demonstrada a sua necessidade pelo Juiz. De um modo geral, conclua-se, em remate, em não se fazendo presentes os motivos legais da prisão preventiva, que reclamam demonstração efetiva e concreta, prevalece o princípio da presunção de não-culpabilidade, até o trânsito em julgado da sentença condenatória.


No mesmo sentido, o seguinte precedente do Egrégio Supremo Tribunal Federal, noticiado no Informativo nº 403 daquela Corte: “A Turma concedeu liminar em habeas corpus para assegurar a condenado pelo crime do art. 157, § 2º, II, do CP, o direito a liberdade provisória até que seja julgado pelo Plenário o HC 85591/SP, no qual se discute a constitucionalidade da execução provisória da pena, diante do princípio da presunção da não-culpabilidade. No caso, o STJ, por entender que, esgotados os recursos sem efeito suspensivo, é lícita a execução da pena, denegou o writ lá impetrado contra acórdão do Tribunal de Justiça local que, ao manter condenação de 1º grau, determinara a prisão do paciente.

Ressaltou-se, ainda, que esse acórdão do Tribunal de Justiça não declinara fundamentos para a prisão cautelar, que não era a hipótese, já que a ordem de prisão derivara da circunstância de haver título passível de execução, embora não transitado em julgado. HC 86328/RS, rel. Min. Eros Grau, 27.9.2005. “

Tal compreensão, fundada na incompatibilidade da execução provisória da resposta penal com a presunção de não-culpabilidade insculpida na Constituição da República, afora harmonizar-se com as exigências do Estado Social e Democrático de Direito, em nada desserve ou prejudica a defesa da sociedade, devendo e podendo, como pode e deve o magistrado, de qualquer grau da jurisdição, decretar a prisão do réu no curso do processo da ação penal, já esteja ou não condenado, ainda que na instância recursal ordinária ou excepcional, sempre que se fizer presente motivo legal de prisão preventiva, sem deslembrar, sempre e sempre, que tal decisão excepcional deve ser efetiva e concretamente fundamentada, à luz dos fatos da vida, do concreto homem-autor e do fato-crime cometido, não lhe servindo, para tanto, opiniões pessoais e considerações de ordem genérica, ainda que tisnadas de gravidade.

Com efeito, a toda evidência, a fundamentação das decisões do Poder Judiciário, tal como resulta da letra do inciso IX do artigo 93 da Constituição Federal, é condição absoluta de sua validade e, portanto, pressuposto da sua eficácia, substanciando-se na definição suficiente dos fatos e do direito que a sustentam, de modo a certificar a realização da hipótese de incidência da norma e os efeitos dela resultantes.

Tal fundamentação, repise-se, deve ser deduzida em relação necessária com as questões de direito e de fato postas na pretensão e na sua resistência, dentro dos limites do pedido, não se confundindo, de modo algum, com a simples reprodução de expressões ou termos legais, postos em relação não raramente com fatos e juízos abstratos, inidôneos à incidência da norma invocada.

E em se tratando de prisão preventiva, a regra com incidência é a do artigo 312 do Código de Processo Penal, em cujo texto são elencados, além de seus pressupostos, os motivos que a autorizam, verbis:

“Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. “

In casu, sem motivação outra qualquer, a prisão do paciente está fundada exclusivamente na natureza hedionda do crime e no fato do exaurimento da instância recursal ordinária e, não, na concreta necessidade da sua prisão cautelar, contrapondo-se à lei e à Constituição Federal, verbis:

“(…)

3- conheço das apelações de LEONARDO SANTIAGO GIBSON ALVES, SAMUEL DA ASSUNÇÃO NETO e MÁRIO JORGE PAMPLONA DA SILVA e, no mérito, nego-lhes provimento, para manter na íntegra os vereditos de primeiro grau.

Analisados os apelos, ainda cabe observar que esta Corte tem orientado sua jurisprudência no sentido que, uma vez ratificada nesta segunda instância a deliberação do tribunal do júri, determinar a prisão dos réus condenados – postura essa que vem sendo confirmada pelo c. Superior Tribunal de Justiça, inclusive ao apreciar pedidos de habeas corpus impetrados justamente contra as decisões emanadas do Judiciário paraense. A boa doutrina leciona que ‘no caso de apelação em decorrência de condenação por crime hediondo ou equiparado, a regra a seguir é que os réus recorram presos, tendo em vista as penas normalmente elevadas para tais delitos e a imposição do regime fechado integral’ (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005, p. 557).

O excerto acima diz respeito ao recurso de apelação, quando existe apenas o provimento condenatório de primeira instância. Com maior razão há de se aplicar a prisão quando a própria apelação tenha sido julgada, como é o presente caso, posto já ter havido exame da decisão. É certo que, diante da possibilidade de interposição de recursos especial e extraordinário, a decisão em tela esta longe de transitar em julgado. Por outro lado também é sabido que esses recursos são excepcionais e limitados: só admitem o debate de matéria de direito, o que inviabiliza boa parte das alegações agora expendidas, posto serem centradas essencialmente na análise de fatos e provas. Outrossim, tais recursos exigem a demonstração de que a lei federal ou a própria Constituição tenha sido violada. Mais importante, ainda, é o fato de que nenhum dos dois é recebido no efeito suspensivo, normalmente, por isso que, mesmo diante da interposição dos mesmos, é lícito o cumprimento da sentença existente e esta é a condenatória.

Diante disso, entendo que só resta fazer cumprir a decisão soberana do Tribunal do júri, dando-lhe eficácia, eis que já devidamente preservada pela instância recursal. Eis precedente do c. Superior Tribunal de Justiça se pronuncia no mesmo sentido:

‘Processo HC 37844/RS; HABEAS CORPUS 2004/0119622-9

Relator Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA

Órgão Julgador T5 – QUINTA TURMA

Data do Julgamento 05/10/2004

Data da Publicação/Fonte DF 08.11.2004 p. 647

Ementa: ‘ Habeas Corpus. Direito de recorrer em liberdade. Recurso Especial e Extraordinário. Ausência de efeito suspensivo. Violação do princípio da presunção de inocência. Constrangimento ilegal inexistente. A prisão decorrente de mandado prisional expedido após o julgamento de recurso de apelação em 2º grau, com a possibilidade de início de cumprimento da pena, constitui-se em mero efeito da condenação, não se cogitando, entretanto, de qualquer violação ao princípio constitucional da presunção de inocência ou da não-culpabilidade.

Tanto o recurso especial quanto o recurso extraordinário não têm, de regra, efeito suspensivo, razão pela qual sua eventual interposição não tem o condão de impedir a imediata execução do julgado, com a expedição de mandado de prisão contra o réu para o início do cumprimento da pena. Precedentes do STJ e do STF.’. Ordem denegada.

Ante o exposto, decreto a prisão de EMANUEL LOPES, LEONARDO SANTIAGO ALVES, SAMUEL DA ASSUNÇÃO NETO e MÁRIO JORGE PAMPLONA DA SILVA, determinando a expedição dos respectivos mandados. (…)” (fls. 10/11 – nossos os grifos).

Pelo exposto, com fundamento no artigo 557, parágrafo 1-A, do Código de Processo Civil, combinado com o artigo 3º do Código de Processo Penal e acolhendo o parecer do Ministério Público Federal, concedo a ordem de habeas corpus, para assegurar ao paciente o direito de, em liberdade, recorrer de sua condenação, determinando que se recolha o mandado de prisão.

Publique-se.

Intime-se.

Brasília, 07 de fevereiro de 2007.

Ministro Hamilton Carvalhido, Relator

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