Colarinho branco

Crime econômico causa mais dano que homicídio, diz TJ-SP

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12 de março de 2007, 20h14

Já é tempo da sociedade ter sua consciência despertada para a extrema lesividade dos crimes de colarinho branco. Embora homicídios e roubos possam causar maior impacto emocional, os delitos econômico-financeiros têm potencial muito maior de causar danos à coletividade. Desvios de dinheiro da máquina pública, sonegação de impostos, corrupção, são infrações com muito maior nocividade, porque provocam o descrédito das instituições e sugam recursos que poderiam ser melhor aplicados em educação, saúde e redução da desigualdade social.

Com essa tese, o Tribunal de Justiça de São Paulo condenou dois ex-chefes da Polícia Civil paulista – os delegados Álvaro Luz Franco Pinto e Luiz Paulo Braga Braun – a penas de nove anos, seis meses e 10 dias de reclusão, em regime inicial fechado, além do pagamento de 36 dias-multa, pelos crimes de peculato (quando o funcionário público se apropria de dinheiro público ou particular que está sob sua guarda ou o desvia em proveito próprio) e formação de quadrilha ou bando.

O tribunal, no entanto, declarou extinta a punição pelo crime de formação de quadrilha por causa da prescrição punitiva. Os advogados Paulo Esteves, Eduardo Silveira Melo Rodrigues e Plínio Darci de Barros já apresentaram recurso (embargos de declaração). Os embargos questionam falta de clareza no acórdão (decisão) e servem como preparatório de recursos aos tribunais superiores.

A decisão, por votação unânime da 1ª Câmara Criminal, trata de suposta irregularidade na construção da Delegacia de Polícia de Tejupá (cidade localizada a 357 km da capital). O desvio de dinheiro público teria ocorrido, de acordo com a denúncia, entre fevereiro de 1991 e abril de 1994. Ainda de acordo com a denúncia, teriam sido desviados cerca de US$ 328 mil por meio de aditamentos contratuais e falsas medições.

Álvaro Luz e Luiz Paulo ocuparam o posto de delegado-geral – principal cargo da Polícia Civil de São Paulo – nas administrações de Orestes Quércia (1987-1990) e Luiz Antonio Fleury Filho (1991-1994).

Além dos dois ex-chefes da Polícia, a denúncia atingiu o delegado João Capezzutti Netto (na época presidente da comissão julgadora de licitação), os ex-funcionários da Secretaria da Segurança Pública Reginaldo Passos (ex-responsável pelo Centro de engenharia do Deplan) e Acácio Kato (engenheiro fiscal do Centro de Engenharia do Deplan) e os empresários Celso Eduardo Vieira da Silva Daotro, Ângelo Antonio Villano, Francisco Alves Goulart Filho e Vivaldo Dias de Andrade Júnior, sócios proprietários da empresa Construdaotro Empreendimentos Ltda.

Em primeira instância, a juíza Patrícia Álvares Cruz, da 2ª Vara Criminal da Capital, absolveu Álvaro Luz, Luiz Paulo Braga Braun, Ângelo Antonio Villano e Francisco Alves Goular Filho das acusações e condenou os outros cinco réus pelos crimes de peculato e, destes, quatro por formação de quadrilha ou bando.

O tribunal extinguiu a punição por formação de quadrilha contra João Capezzutti Neto, Acácio Kato, Reginaldo Passos e Celso Eduardo Vieira da Silva e manteve a condenação por peculato dos quatro e de Vivaldo Dias de Andrade Júniro. Votaram os desembargadores Márcio Bártoli (relator), Figueiredo Gonçalves e Marco Nahum.

De acordo com o Ministério Público, os envolvidos se valeram de seus cargos na hierarquia da Polícia Civil para fazer contratações ilegais de empresas de construção civil. Os acusados direcionavam de forma fraudulenta as licitações para construção e reformas de delegacias e cadeias públicas, com o intuito de desviar dinheiro público.

O Ministério Público denunciou os réus por causa do esquema de fraude em licitações e desvio de dinheiro envolvendo 120 delegacias e cadeias públicas no interior do Estado. São cerca de 80 processos que tramitam na Justiça. O valor total do desvio, segundo o Ministério Público, seria de US$ 100 milhões a US$ 150 milhões. Outros 40 casos (entre processos e inquéritos) já foram arquivados.

Defesa

No recurso, os réus condenados reclamaram a reforma da sentença por insuficiência de provas. O Ministério Público pediu a condenação de todos os acusados. Com respeito aos dois chefes da cúpula da Pólicia, sustentou que por causa da condição de delegados experientes e no topo da carreira, não seria razoável aceitar que agiram de modo culposo.

Em sua defesa Álvaro Luz afirmou que as licitações foram autorizadas pelo seu antecessor na Delegacia-Geral, Armândio Malheiros Lopes. Disse que tomou posse como Delegado Geral em 19 de março de 1991, e sua participação na construção da Delegacia de Polícia de Tejupá se limitou à assinatura do contrato.

Álvaro Luz foi diretor do Derin (órgão gestor das delegacias de polícia do interior do Estado) entre janeiro de 1988 e março de 1991, quando assumiu o cargo de Delegado Geral de Polícia.

Luiz Paulo Braga Braun informou ter sido diretor do Deplan (órgão coordenador do Centro de Engenharia da Polícia Civil) entre abril de 1989 e março de 1991. Assumiu o Derin entre março de 1991 e abril de 1994. Sustentou que não era responsável pela elaboração dos convites que era de responsabilidade da comissão de licitação.

Licitações

As licitações consideradas irregulares pelo Ministério Público eram feitas por meio de carta-convite. As empresas eram convidadas a participar da licitação. Em tese, ganhava aquela que apresentava menor preço. As investigações apuraram que sempre as mesmas empresas ganhavam a licitação. Além disso, o processo de licitação foi concluído no prazo de apenas sete dias.

No caso da Delegacia de Tejupá, a fraude consistiu na abertura de licitação em fevereiro de 1991, tendo como base uma planilha orçamentária com valores de referência correspondentes a janeiro de 1990. Com a inflação da época, no mínimo seria necessária a correção monetária. O valor do orçamento de janeiro de 1990 era de Cr$ 8.611.757,00. Se fosse atualizado para fevereiro de 1991, atingiria a cifra de Cr$ 78.501.842,00.

Esse montante exigiria que os responsáveis pela licitação substituíssem a modalidade carta-convite pela de tomada de preços. Nenhum dos contratos assinados passou pela Consultoria Jurídica da Secretaria de Segurança Pública, um procedimento padrão em licitações.

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