Crime e castigo

TJ paulista ignora STF e barra progressão em crime hediondo

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11 de março de 2007, 0h01

Depois de travar guerra com o Conselho Nacional de Justiça, o Tribunal de Justiça de São Paulo resolveu enfrentar o Supremo Tribunal Federal. Ignorou a corte e decidiu: não há inconstitucionalidade na lei que proíbe a progressão de regime para condenados por crimes hediondos.

A posição foi firmada pelo Órgão Especial do TJ paulista no dia 28 de fevereiro e é, no mínino, ousada. O Plenário do STF decidiu, ao analisar um pedido de Habeas Corpus, que a vedação da progressão viola a Constituição Federal.

Embora a decisão tenha efeito apenas para o HC em questão, mostra de que maneira o Supremo — responsável pela palavra final quando o assunto é Justiça — vai se posicionar se chegar às suas mãos uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a proibição da progressão (artigo 2º, parágrafo 1º da Lei 8.072/90, a chamada Lei dos Crimes Hediondos).

Não é a primeira vez que a decisão do Supremo sobre crimes hediondos é contestada. O juiz da Vara de Execuções Penais de Rio Branco também decidiu, recentemente, que a decisão do STF não tem efeito vinculante. Contra a decisão do juiz, a Defensoria Pública ajuizou Reclamação no Supremo.

Ao votar, o ministro Gilmar Mendes equiparou o controle de constitucionalidade direto ao incidental. Ou seja, entendeu que quando o Supremo decide que determinada lei é inconstitucional, ainda que em pedido de Habeas Corpus, a decisão não depende da chancela do Senado para gerar efeitos sobre as demais instâncias da Justiça. “A própria decisão da Corte contém essa força normativa”, disse.

O julgamento da Reclamação contra a decisão do juiz foi suspenso por pedido de vista do ministro Eros Grau.

A permissão de progressão de regime para condenados por crimes hediondos deve virar Súmula Vinculante. Ainda assim, o TJ paulista decidiu que é constitucional o dispositivo que veda a progressão.

A discussão foi levada ao Órgão Especial da Justiça paulista pela 3ª Câmara Criminal do TJ, que suscitou incidente de inconstitucionalidade ao analisar pedido de Habeas Corpus. O desembargador Ivan Sartori, relator designado, se baseou na Súmula 698 do Supremo, que diz: “Não se estende aos demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão no regime de execução da pena aplicada ao crime de tortura”.

A jurisprudência foi aprovada em setembro de 2003, dois anos e meio antes do Plenário firmar seu novo entendimento sobre a progressão de regime. Antes, também, de a Corte manifestar a vontade de aplicar Súmula Vinculante sobre o assunto.

Para o desembargador Ivan Sartori, a vedação da progressão de regime encontra respaldo no artigo 5º da Constituição Federal da República. Sartori considerou que tanto a individualização da pena, princípio usado pelo Supremo para declarar a vedação de progressão inconstitucional, como o tratamento diferenciado para condenado por crime hediondo estão contemplados no artigo 5º da Constituição Federal. Para ele, os dois princípios têm “o mesmo quilate”.

Há a necessidade, então, de se encontrar uma “interpretação harmônica”, esclareceu Sartori, ainda que contrarie o que a corte máxima resolveu. “A diferenciação de tratamento em questão traduz autêntica diretriz de política criminal a ser observada pelo legislador, que, inclusive, tem a faculdade de complementar o rol constitucional.”

Veja o voto de Sartori

INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE nº 142.384-0/8-00

Comarca: SÃO PAULO

Órgão Julgador: Órgão Especial

Sucte: 3ª CÂMARA DO 2º GRUPO DA SEÇÃO CRIMINAL DO TJ

Sucdo: CRISTIANO ULYSSES DE CARVALHO e SIDNEY EMERSON DA SILVA

Relator

VOTO DO RELATOR

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade – Art. 2º, parágrafo 1º, da Lei 8.072/90 – Dispositivo a encontrar respaldo no art. 5º, XLIII, da CF – Tratamento diferenciado constitucional para os chamados crimes hediondos – Inexistência de pronunciamento concentrado do STF – Prevalência da Súmula 698 daquela Corte – Incidente julgado improcedente, por maioria.

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade levantado em sede de “habeas corpus” pela Eg. Câmara suso epigrafada, com vistas à apreciação da constitucionalidade do art. 2º, parágrafo 1º, da Lei 8.072/90, que veda a progressão de regime prisional. Sustenta o órgão fracionário argüente a possibilidade de não estar dita disposição conforme o princípio constitucional da individualização da pena.

A Procuradoria Geral de Justiça é pela constitucionalidade da norma.

Esse é o relatório.

Não se vislumbra inconstitucionalidade no art. 2º, parágrafo 1º, da Lei 8.072/90, dês que a própria Carta da República prevê tratamento diferenciado para os ali chamados crimes hediondos e assemelhados (art. 5º, inciso XLIII).

Esse entendimento, aliás, é objeto da Súmula 698 do Supremo Tribunal Federal, Corte essa que, embora venha revendo essa posição por maioria apertada e em casos isolados, a exemplo do HC 82.959-7, não cancelou ainda aludido verbete, nem lançou decisão em decorrência de ação direta de inconstitucionalidade, a ponto de cogitar-se de caráter vinculante “erga omnes”.

Escreve Fábio Galindo Silvestre:

“Parece-nos que a melhor interpretação jurídica do preceito insculpido no parágrafo 1º., do art. 2º da Lei 8.072/1990 frente à Constituição é aquela que sustenta a sua total compatibilidade com o atual ordenamento constitucional. Isto porque, na linha dos votos-vencidos [HC 82.959-7], o referido dispositivo encontra-se nas dobras do disposto no art. 5º, inciso XLIII, da Constituição da República, que impõe tratamento diferenciado e mais severo aos crimes hediondos e seus assemelhados (tráfico de entorpencentes, tortura e terrorismo). Esse tratamento diferenciado e mais rigoroso atende também ao secular critério de isonomia e ao moderno conceito de razoabiliade/proporcionalidade.” (Inconstitucionalidade do Regime Integralmente Fechado aos Condenados por Crimes Hediondos, “in” RDPP no. 37 – abr-maio/2006 – Assunto Especial – Doutrina, págs. 07/19).

A tese contrária mais se esteia no princípio constitucional da individualização e humanização das penas (art. 5º, inciso XLVI c/c art. 1º, III, da CF).

Ocorre que tanto o tratamento diferenciado em relevo como essa individualização vêm contemplados no art. 5º, como visto, sendo ambas as normas, portanto, de ordem pétrea e produto do Poder Constituinte originário, sucedendo que se está diante de dispositivos de mesmo quilate.

Daí por que que nem mesmo a arriscada tese da inconstitucionalidade de dispositivo constitucional pode ter lugar na espécie, impondo-se sim interpretação harmônica, como, de resto, é de verificar-se em regra.

E argumentos outros, como, v.g., de que o desconto da pena em regime integralmente fechado seria cruel ou desumano, nada têm de jurídico, sendo produto de avaliação subjetiva íntima não positivada no ordenamento jurídico.

Na verdade, a diferenciação de tratamento em questão traduz autêntica diretriz de política criminal a ser observada pelo legislador, que, inclusive, tem a faculdade de complementar o rol constitucional.

Nesse contexto, bem respaldada constitucionalmente a norma em discussão, disso resultando que sua inobservância é o mesmo que negar vigência, por via reflexa, a previsão da Lei Suprema.

Julga-se improcedente o incidente, reconhecida a constitucionalidade do art. 2º, parágrafo 1º, da Lei 8.072/90.

Des. IVAN SARTORI

Relator Designado

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