Privacidade e marca

Entrevista: Marcela Waksman Ejnisman, advogada

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11 de março de 2007, 0h01

Marcela Ejnisman - por SpaccaSpacca" data-GUID="marcela_ejnisman.jpeg">Os cadastros de restrição ao crédito, tipo Serasa e SPC, trazem malefícios indizíveis aos infelizes que neles são inscritos mas só beneficiam os cumpridores de seus deveres por exclusão. Por que não fazer uma Serasa do bem, um cadastro com os bons hábitos de quem costuma pagar suas contas em dia? A idéia é defendida, em entrevista à Consultor Jurídico pela advogada Marcela Waksman Ejnisman, especialista em propriedade intelectual e sócia do escritório Tozzini, Freire, Teixeira e Silva Advogados.

Em seu dia-a-adia, que inclui contratos, tecnologia da informação e propriedade intelectual, Marcela se preocupa com as questões da privacidade, latentes na prática de fazer cadastros de consumidores, quer sejam eles maus ou bons pagadores. Prestigiar os bons, é sem dúvida, um passo à frente na valorização da cidadania.

Como deverá ser a adesão do Brasil ao Protocolo de Madri para o Registro Internacional de Marcas. Marcela acredita que essa medida trará benefícios não só para as grandes empresas como também para as pequenas. Com ele em vigor, um empresário, ao registrar sua marca no Instituto Nacional de Propriedade Industrial, estará garantindo seus direitos nos demais países signatários do prtocolo que ele mesmo determinar. Os custos de registro diminuirão de maneira drástica.

A questão é cada vez mais importante em um mundo em que mesmo marcas de produtos pouco significativos desconhecem os limites geográficos do comércio internacional. Além disso, ao aderir ao protocolo o Brasil seria obrigado a se adaptar aos procedimentos comuns para o registro de marca. Hoje, a demora no balcão do INPI para o registro de marcas é de até seis anos. Com o protocolo, o tempo terá de cair para no máximo um ano. No momento, um pré-projeto está sendo discutido na Casa Civil. Em breve, a proposta deve chegar ao Congresso.

Para a advogada, a propriedade intelectual na informática e na internet não necessita de leis novas. A rede de computadores não passa apenas de um veiculo de comunicação como o jornal e a televisão. É preciso, na verdade, novas interpretações da lei sobre como melhorar o controle na troca de informações. Não no sentido de restringir, mas com relação à punição para quem comete crimes pela a internet ou pratica pirataria.

Participaram também da entrevista os jornalistas Aline Pinheiro, Marina Ito, e Mauricio Cardoso.

ConJur — A senhora defende o cadastro positivo. O quem vem a ser isso?

Marcela Waksman Ejnisman — No Brasil, o que existe em matéria de crédito é apenas o cadastro negativo. Há empresas, como a Serasa e o SPC, que apresentam informações de crédito de consumidores inadimplentes. Mas existe a possibilidade do cadastro positivo que mostra o histórico favorável da pessoa. Este cadastro vai mostrar que o cidadão obteve um financiamento no banco e pagou de acordo. Apresenta o valor das compras e como cumpriu o contrato. Para os bancos, isso é um avanço. Em principio pode causar até uma revisão de juros. Seria um beneficio para economia.

ConJur — O que falta para implantar a idéia?

Marcela — O assunto ainda está em discussão. Seria preciso avisar ou não o consumidor que está no cadastro positivo? A grande questão relacionada com o cadastro é a privacidade do individuo. Mas já existem alguns projetos de lei no Congresso. Falou-se que a matéria faria parte da MP do Bem, depois se especulou que seria incluída no PAC. No final, não saiu em lugar nenhum. Mas é importante o assunto está em discussão. É uma coisa que tem interesse para o Brasil. É mais um avanço que a gente pode ter.

ConJur — O que o cadastro positivo tem a ver com o direito à privacidade?

Marcela — No cadastro, o que se usa são os dados pessoais. Hoje em dia, quando você cria um banco de dados, você tem obrigação de informar ao consumidor que ele será inserido nesse banco. No banco de dados de crédito positivo, entendo que você tem que avisar que vai inserir nele as informações dessa pessoa.

ConJur — O cadastro positivo funciona em outros países?

Marcela — O cadastro positivo já é uma coisa muito comum nos Estados Unidos. Mesmo porque todo americano tem dívida, isso faz parte da cultura deles. O beneficio é tanto para o consumidor, que vai mostrar que é bom pagador, quanto para quem concede o crédito, que vai saber para quem está emprestando.

ConJur — O cadastro negativo pune o mau pagador mas não traz nenhum beneficio para o bom pagador.

Marcela — Você está pensando apenas no consumidor que tem problema. Mas para quem não tem problema, o cadastro traz benefícios, sim. O fato de não estar no cadastro de inadimplente mostra para a empresa quem é bom pagador.


ConJur — Existem mecanismos que permitem o individuo se proteger deste sistema?

Marcela — Você tem de ser obrigatoriamente informado ao ser incluído em um banco de dados de inadimplentes. E tem o direito de retificar a informação incorreta enquanto ela permanecer no banco de dados. Você pode discutir até judicialmente, pedir um Habeas Data, saber em que banco de dados está, o que está escrito lá. Não pode haver informações além das comuns como nome, telefone, endereço. Isto está no direito de privacidade. Toda vez que a gente vai no supermercado ou em uma loja e eles pedem para preencher os seus dados, você está autorizando o uso desses dados. Normalmente você vai encontrar lá no finalzinho algo como “autorizo a inserir meu cadastro no banco de dados ou a receber mensagens da empresa”. Isso é mais um capitulo sobre a questão da privacidade. É importante que haja controle como a gente já tem. Mas, também é preciso novos avanços. O Brasil necessita de mecanismos como usados lá fora para a proteção da economia.

ConJur — Falando agora de marcas e patentes, o Brasil avançou nas negociações em relação à adesão ao Protocolo de Madri?

Marcela — A aprovação está a um passo. O grupo de estudo interministerial criado pelo governo federal para encaminhar o assunto considerou importante a adesão ao protocolo, inclusive recomendou a sua aprovação para a Câmara de Comércio Exterior [do Ministério do Desenvolvimento, Industria e Comércio Exterior]. A proposta deve estar agora na Casa Civil para ser encaminhada em seguida ao Congresso. O comentário entre o pessoal da área, é que será aprovada até o final do ano.

ConJur — Quais as implicações da adesão ao Protocolo?

Marcela A aprovação do protocolo de Madri está relacionada diretamente com o aparelhamento do INPI [Instituto Nacional de Propriedade Intelectual]. O instituto não tem todo o pessoal que precisa ainda. Estão programando uma contratação grande, cerca de 60 novos funcionários, o que é um número razoável para o Brasil se adaptar ao protocolo. Além disso, já está funcionando o registro eletrônico de marca, que é mais um mecanismo para facilitar o processo.

ConJur — Mas o registro eletrônico está difícil de pegar, não é?

Marcela — Registro eletrônico de marca é importante. A gente vai ter que se adaptar. Seremos obrigados a fazer alguns ajustes. Tudo que simplifica a papelada, a burocracia, é bom para o direito e a economia. A gente está fazendo bastante eletrônico no escritório. E funciona. O pedido de registro é um formulário simples que não exige muitos documentos. O problema é o registro de marca, que pede diversos anexos. De vez em quando é preciso fazer por escrito mesmo.

ConJur — E eles ainda aceitam?

Marcela — Aceitam. Nem todos se ajustaram ainda. Não tem como não continuar aceitando um pouco mais até todos estarem adaptados. Até porque estão surgindo várias questões. Quando você vai registrar uma marca, tem que descrever o serviço que está associado àquela marca. Em alguns casos, o pessoal do INPI está acostumado com o procedimento, em outros, ele ficam um pouco irritados. Mas é importante arrumar a casa. Por exemplo, recentemente, o INPI lançou uma convocatória para detentores de marcas solicitando que informassem se queriam ou não continuar. Houve uma pequena controvérsia com isso. Teve quem se sentiu prejudicado, porque se não avisar, perde a marca. Por causa disso, o instituto mudou um pouco o sentido da convocatória. Primeiro, aumentou o prazo. No final, o INPI comentou que grande parte tinha respondido e apenas 28% não tinha informado nada. Este pessoal teve outro prazo para avisar da desistência e o procedimento era gratuito. Mas foi uma medida para dimuniur a fila. Tem muito registro de marca parada e, à vezes, o INPI perde tempo analisando algo em que ninguém está mais interessado.

ConJur — Tem gente que registra uma marca só para impedir que o concorrente use?

Marcela — Acontece. Posso dizer que os meus clientes não têm essa prática. Eles registram quando a marca é da empresa. Porque isso tem custo relacionado, tem um processo burocrático. Mas acontece de a pessoa registrar não para impedir o concorrente, mas para se prevenir. De inicio, você quer apenas atuar em um seguimento com aquele produto, mas pode ser que daqui um ou dois anos você use aquele nome para outro setor.

ConJur — O que o Brasil tem de fazer para aderir ao protocolo?

Marcela — O protocolo exige que o país signatário responda aos pedidos de registro em 12 meses. Então, como é que funciona o protocolo? A empresa entra com pedido em determinado país para registrar a marca. Ela precisa que o efeito da exclusividade atinja outros países signatários. O INPI faz a verificação se a marca já tem dono, dentro de um prazo legal. SE não responder nesse prazo, o registro é feito automaticamente.


Conjur — O que acontece se o INPI não der uma resposta no prazo?

Marcela — O INPI precisa simplesmente informar que está analisando para interromper o prazo. Uma das discussões sobre o protocolo é a de que seria inconstitucional, com o argumento de que iria favorecer marcas estrangeiras, em prejuízo das brasileiras, porque eles conseguiriam o registro mais rápido. Na verdade, isso não acontece.

ConJur — Vamos supor que o Brasil adere ao protocolo de Madri e alguém de fora pede o registro de uma que já está registrada aqui. O instituto demora a responder e a marca é registrada automaticamente. O que acontece?

Marcela — Você vai ter que discutir. Isso pode acontecer hoje, mesmo antes do Protocolo, por conta de falhas no sistema de registro, e nestes casos se alega anterioridade. Teve um caso “múltiplo”, que é da francesa Hermès e de uma empresa brasileira que registrou a marca Hermes. Durante muito tempo teve esse embate. No final, consideraram que cada uma atuava em um segmento diferente. Se você já tem um registro legal, você tem a anterioridade. É relativamente simples comprovar que o pedido foi feito posteriormente. No entanto, é preciso analisar várias coisas. Ver exatamente se é a mesma marca, o mesmo segmento, se atinge o mesmo grupo de pessoas, se pode haver confusão entre uma marca e outra.

ConJur — Recentemente, a fabricante de computadores Apple conseguiu resolver dois casos de coincidência de marcas…

Marcela — Um caso foi com a gravadora dos Beatles. Um cliente nosso está com um problema no mesmo sentido. Existe uma marca nacional, de uma empresa grande, que tem um nome parecido com a do nosso cliente, que é do exterior. Estamos discutindo o assunto. As duas representam um produto especifico que não tem como não serem parecidos, já que têm um pedaço do nome na marca. Mas cada empresa tem uma história interessante. Não se trata de um ter procurado imitar a marca do outro. As duas empresas estão negociando uma saída com a preocupação de não causar problemas para o consumidor. O importante é não permitir uma situação em que ele possa comprar um produto achando que é o outro.

ConJur — Os critérios para analisar são os mesmos no Brasil e em outros países. O protocolo não pode trazer confusão?

Marcela — A análise para o protocolo é feita conforme as regras do Brasil. De qualquer forma, a questão da coexistência é uma questão contratual. No caso do meu cliente, eles estão se entendendo. Um chega e fala “você continua com a marca em uma classe x ou continua na classe y, você não pode apresentar a sua marca de uma forma, eu não posso apresentar de outra forma”. Às vezes, o entendimento fica além do que o INPI aceitaria.

ConJur — Com a globalização, com o desenvolvimento da tecnologia, essa questão da propriedade intelectual ficou muito mais complexa?

Marcela — Claro. Não diria que ela é mais importante, mas hoje em dia as pessoas dão mais relevância a esses ativos intangíveis. Antigamente, achavam que não era importante pedir o registro da marca, não era importante proteger a criação de um projeto cientifico, de uma invenção. Não havia muito percepção de que se não fizesse isso a marca estaria desprotegida. O protocolo é importante, porque é difícil para um pequeno empresário brasileiro ir lá fora e proteger a marca. Para cada país ele tem que representar um pedido separado, pagar para cada um deles. É caro até mesmo para uma empresa grande. Com o protocolo, o custo dilui muito. Não tem comparação.

ConJur — Existe uma tendência para evitar a disputa judicial por marca?

Marcela — Já participamos de algumas negociações por marca. A maioria das grandes empresas quer evitar o conflito. Não vale a pena ter um embate judicial. Para que ela vai ficar brigando anos e anos discutindo alguma coisa? Se ela tiver chance de negociar e aceitar de maneira amigável, é muito melhor. Não diria que é uma tendência, mas a negociação é um grande aliado de grandes empresas. Quando as empresas de um lado e de outro têm participação mundial razoável, ela se sentem mais confortáveis para negociar. Se existe uma diferença muito grande entre as empresas, o acordo é mais difícil. Se a marca dela da pessoa não significa tanto para ela quanto para a outra, é mais difícil ter esse acordo. Então normalmente a coisa vai para o Judiciário.

ConJur — Como o Judiciário tem se comportado nessa área?

Marcela Ejnisman — A função do advogado é orientar o Judiciário, mostrar como estamos de acordo com a lei, de fazer o juiz entender a matéria que tratamos. É claro que se houvesse mais juizes preparados para resolver esse assunto, seria melhor, porque o registro de marca é muito especifico.

ConJur — Só a Justiça do Rio de Janeiro tem vara especializada, não é?


Marcela — Porque lá está o INPI. Isto facilita o contato entre as pessoas da área. Uma das advogadas que trabalha no nosso escritório fica lá para ter contato direto com o INPI. É mais fácil você lidar com juiz que só trata disso e que se especializou.

ConJur — Como se protege um programa de computador?

Marcela — O software é uma criação intelectual. Como não exige uma posição especifica, não é preciso um registro. Como se comprova a autoria de um programa de computador? Com o código, com o programa em si, com o suporte dado para a criação.

Então, é como qualquer criação literária. Existem algumas empresas que registram o software. Não é garantia de autoria, mas é uma proteção a mais. Se você imagina que vai ter um conflito no futuro, você deve fazer.

ConJur — E a questão do software livre?

Marcela — Vejo a iniciativa do software livre como algo positivo que pode beneficiar alas do governo e da população carente. Ele está relacionado à inclusão social e digital. Mas, você precisa analisar a situação. Software livre não é gratuito. Ele tem preço. Não podemos criar um mito de que software livre é barato e coloca o Brasil em situação de igualdade com outros países. O uso do software livre deve ser determinado quando realmente ele for a melhor opção. É preciso lembrar que é o governo que está adotando a bandeira do software livre. As empresas ainda não têm a percepção de que é melhor o software livre..

ConJur — A internet é um grande desafio da propriedade intelectual?

Marcela Ejnisman — Internet é um caso interessante. No começo era uma coisa diferente e nova. Todo mundo ficou meio perdido, queria criar lei, disciplinar. Mas na verdade não é nada disso. Era só mais um veículo, mais uma mídia. Assim como existem jornais que veiculam noticias e informações, a internet também tem essa função. O controle da internet é mais difícil. Na área de direitos autorais já existem regras. As pessoas já têm consciência de que na internet a lei é igual.

ConJur — E no caso do YouTube, a legislação existente é suficiente para resolver esses problemas?

Marcela — O YouTube é um caso diferente. Começaram a surgir tecnologias novas as situações vão sendo criadas e a gente vai se acomodando. Mas não é preciso ter uma legislação específica para cada nova tecnologia. O princípio da lei não é esse. Ela tem que ser de tal forma ampla que consiga adequar todas as situações.

ConJur — Como resolver a questão da territorialidade. Você pode processar uma informação em um servidor na Eslováquia onde as leis não são a mesma coisa daqui?

Marcela — A questão da territorialidade vem diminuindo. Se a informação afeta um brasileiro, ou está relacionada ao Brasil, você tem maneiras de criar uma conexão.

ConJur — Nessa área, a negociação vai ser mais importante do que a legislação.

Marcela — Muitos casos não chegam à via judicial. As pessoas tentam se entender. O país seria um caos se o Judiciário tivesse que decidir todas as questões.

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