Contencioso internacional

Visita de Bush traz à tona questões pendentes entre EUA e Brasil

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8 de março de 2007, 13h06

A visita do presidente norte-americano George W. Bush ao Brasil, nesta quinta-feira (8/3), coloca em destaque uma longa lista de temas pendentes entre os dois países em matéria legal e comercial. Mais do que ressaltar divergências, elas são resultado do incremento do intercâmbio comercial bilateral. Estão relacionadas principalmente ao aumento das exportações brasileiras para os EUA, que é o segundo principal destino dos produtos brasileiros, atrás apenas da União Européia (entre os países, os Estados Unidos estão em primeiro lugar).

No encontro entre o presidente Lula e o Bush, que acontece na sexta-feira (9/3), entidades empresariais que atuam fortemente nas relações bilaterais entre Brasil e Estados Unidos vão entregar um documento sugerindo uma agenda mais ambiciosa entre o Brasil e os Estados Unidos, concentrada em três temas estratégicos para as duas nações: negociações comerciais, acordo para evitar bitributação e biocombustíveis.

Para as entidades, a cooperação bilateral Brasil-EUA tem sido insuficiente. Por isso, pedem um tratamento diferenciado, comparável ao existente entre os Estados Unidos e outros países emergentes, como China e Índia. (Leia o documento no final desta notícia).

Muitas das divergências entre Brasil e EUA já chegaram à Organização Mundial do Comércio (OMC), que analisa as denúncias de concorrência desleal entre os países membros. A tarifa sobre a importação de etanol, de U$ 0,51 por barril, deve chegar em breve ao organismo internacional. Esse valor é concedido como restituição de imposto de renda às refinarias e distribuidores que misturam o etanol. A tarifa é altíssima e pode inviabilizar a exportação do combustível. Etanol será o prato principal na mesa de conversações de Bush e Lula, mas a tarifa protecionista americana é um ingrediente indigesto.

De acordo com relatório sobre as barreiras a produtos e restrições a serviços brasileiros feito pelo Secretariado da OMC, o déficit comercial norte-americano de US$ 782 bilhões em 2005, é um bom indicativo do grau de abertura de sua economia. A mesma pesquisa mostra que os subsídios persistem em poucas, mas relevantes áreas. Segundo o embaixador do Brasil em Washington, Roberto Abdenur, esse é um motivo de grande preocupação, uma vez que atinge a área agrícola em que os brasileiros são altamente competitivos.

Apesar de apontar baixas médias de tarifação para entrada de produtos industrializados, o relatório mostra altos picos tarifários. Para as exportações acima da cota de açúcar, a tarifa cobrada é de 164%. No caso do etanol ou do suco de laranja, a tarifa para entrada do produto no país era de 50% em 2005. A mais alta taxa brasileira para importação de industrializados é de 35%.

No entanto, os Estados Unidos dá sinais positivos em relação à redução dessas barreiras comerciais. Na Rodada Doha de 2005, o país apresentou proposta de redução de 53% nas soma do limite permitido de seus subsídios à agricultura. Na prática, isso ainda não aconteceu. Em 2004, o subsídio era de US$ 10,57 bilhões. Um anos depois, passou para US$ 20,18 bilhões. Do total de subsídios, 90% é destinado à produção de milho, algodão, trigo, soja e arroz.

Há um ano atrás, aprovaram ainda a revogação da chamada Emenda Byrd. Essa legislação previa que recursos decorrentes da aplicação de direitos compensatórios e de anti-dumping fossem distribuídos às empresas que tenham pedido a abertura das investigações contra concorrentes estrangeiros. Antes dessa emenda, os recursos recolhidos iam para a conta do Tesouro dos EUA. A revogação tem validade a partir de outubro de 2007.

Outra questão pendente e preocupante é a permanência do Brasil no Sistema Geral de Preferências (SGP). Nele, países têm preferência na exportação de determinados produtos ou quantidade de produtos com isenção de impostos. Em 2006, o Brasil corria sério risco de sair dessa lista. Segundo o tributarista Roberto Pasqualin, a Amcham (Câmara Americana do Comércio) e a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) fizeram diversos contatos com parlamentares norte-americanos e conseguiram adiar a decisão sobre a exclusão do país.

No entanto, o risco ainda é iminente. A legislação norte-americana do SGP prevê, entre as condições para concessão de tratamento preferencial, a proteção adequada à propriedade intelectual dos Estados Unidos. A ameaça se dá quantidade e rapidez da pirataria encontrada nas ruas brasileiras.

No ano passado, os negócios entre Brasil e Estados Unidos atingiram recorde histórico: US$ 39,1 bilhões. Segundo a Agência Brasil, esse valor representou 17,4% da balança comercial brasileira, com saldo positivo de US$ 9,7 bilhões para o Brasil. As exportações brasileiras para lá cresceram 8,7%, totalizando US$ 24,4 bilhões. O Brasil será o primeiro destino da visita que o presidente norte-americano George W. Bush fará à América Latina.

Embates políticos

A Alca (Área de Livre Comércio das Américas) permanece na pauta do contencioso jurídico-legal Brasil – Estados Unidos. “Politicamente parece um assunto terminado, mas ainda pode ser ressuscitado”, de acordo com o tributarista Pasqualin.

Há ainda a questão do Mercosul. O presidente Lula demonstra querer dar um status maior ao grupo, com a inclusão da Venezuela e a possibilidade de a Bolívia também passar a integrá-lo. No entanto, pelo acordo do Mercosul nenhum país pode fazer acordo isolado. Há uma certa tensão no ar, quando se fala no grupo inteiro aceitar negociar com os Estados Unidos.

Em 2008, George W. Bush não estará mais no governo. Por isso, há uma possibilidade do país negociar e abaixar a guarda em relação aos países do Mercosul.

Leia o comunicado das entidades empresariais

COMUNICADO CONJUNTO

As relações econômicas entre o Brasil e os Estados Unidos tornaram-se diversificadas e complexas ao longo das últimas décadas, graças ao crescimento dos fluxos de comércio e de investimentos, aos desdobramentos das inovações tecnológicas nos diversos campos do conhecimento humano e à própria evolução política e econômica nos planos global e hemisférico.

No entanto, os mecanismos bilaterais de cooperação, existentes em diversos setores, não acompanharam, na dimensão necessária, esta evolução e têm sido insuficientes para promover o aprofundamento, a um nível estratégico, das relações bilaterais.

Nos últimos anos, essas relações se caracterizaram por diversas iniciativas oficiais. Essas iniciativas, embora importantes, não foram suficientes para sinalizar uma mudança na qualidade das relações bilaterais e gerar sinergias e ações de vulto tanto no setor privado quanto no setor público.

Entendemos que se torna indispensável estabelecer, na relação entre os dois paises, um tratamento diferenciado comparável ao que hoje caracteriza as relações entre os Estados Unidos e outros grandes países emergentes, como a China e a Índia. Acreditamos que os Brasil e Estados Unidos devem adotar uma agenda mais ambiciosa, concentrando os esforços de cooperação em alguns temas estratégicos, em que os dois países sejam atores relevantes e em relação aos quais seja possível encontrar soluções benéficas para ambos. Essa agenda deverá necessariamente incluir os seguintes temas:

– Negociações comerciais: Brasil e Estados Unidos têm papel de liderança na OMC e devem buscar construir uma aliança para a conclusão bem sucedida, equilibrada e ambiciosa da Rodada Doha. A cooperação na esfera multilateral deve ser complementada pelo relançamento das negociações comerciais preferenciais entre os dois países, em âmbito hemisférico ou bilateral, com o objetivo de assegurar maior acesso aos mercados para bens e serviços, fomentar os investimentos, a competitividade e a inovação, bem como proteger os direitos de propriedade.

– Acordo para evitar a bitributação: a negociação e a assinatura de um tratado para evitar a bitributação justificam-se pelo significativo patamar atingido no relacionamento bilateral e, em particular, pelo crescimento dos investimentos brasileiros nos Estados Unidos, nos últimos anos. A segurança jurídica que deriva do tratamento dessa matéria no âmbito de um acordo é relevante para incentivar novos fluxos de investimentos entre os dois países.

– Biocombustíveis: o Brasil e os EUA estão conscientes da relevância desse tema em suas agendas hemisférica e bilateral e nas agendas multilaterais de comércio, energia e meio ambiente. O memorando de entendimento a ser assinado pelos dois países é um primeiro passo no sentido de um programa de cooperação que deve incluir a pesquisa e desenvolvimento nas fases agrícola e industrial, o estabelecimento de normas e padrões globais para o produto, investimentos bilaterais e em terceiros mercados, infra-estrutura e acesso aos mercados através da redução das barreiras tarifárias aos fluxos comerciais dos biocombustíveis.

O encontro dos Presidentes do Brasil e dos Estados Unidos enseja esta manifestação em favor da construção de um relacionamento estratégico que possibilite a ampliação expressiva do fluxo de comércio e de investimento, bem como a sintonia da ação política e econômica, tanto no âmbito mundial como no hemisférico, resguardadas as especificidades de cada uma das nações.

O setor privado brasileiro deseja ter um papel ativo nessa tarefa, formulando sugestões para o setor público e participando em mecanismos de acompanhamento público-privado já existentes e nos que deverão ser criados para auxiliar a consecução desses complexos e importantes objetivos.

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