Movido a etanol

Etanol: Estados Unidos precisam do Brasil mais do que o inverso

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8 de março de 2007, 20h31

O presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, inicia esta semana visita a alguns países da América Latina, dentre os quais o Brasil. O intuito oficial do encontro seria rever a política americana com relação aos países latino-americanos, cuja relação com os Estados Unidos encontra-se debilitada em vista da ideologia política dos líderes envolvidos. A Casa Branca espera reverter esse cenário.

No campo das relações entre os Estados Unidos e o Brasil, um dos grandes motivos da visita do presidente será a negociação de um acordo de cooperação técnica e investimentos na área de pesquisa de biocombustíveis. Contudo, deve-se ter em mente o cenário internacional em que esses encontros acontecerão.

As relações comerciais brasileiras com os Estados Unidos têm crescido em níveis modestos nos últimos anos. No campo das negociações comerciais, por exemplo, para quebra de barreiras tarifárias, subsídios e acesso aos mercados, tanto do lado da negociação bilateral, Alca, quanto da multilateral, Doha, as propostas ainda se encontram emperradas, longe de qualquer acerto a curto prazo.

As reuniões ministeriais de Cancun e Hong-Kong, realizadas em 2003 e 2005, respectivamente, resultaram em grandes fiascos. Blocos de países com interesses distintos (G-20, Europa e Estados Unidos) sequer conseguiram chegar a um consenso acerca das modalidades de produtos agrícolas para redução e eliminação de subsídios à exportação e subsídios internos. Enquanto os Estados Unidos e a Europa ofereciam uma lista de particular interesse, o G-20, formado por países em desenvolvimento com grande interesse em acesso a mercados para seus produtos agrícolas, demandavam a eliminação total dos subsídios à exportação, conforme previsto na agenda de negociações. O impasse foi uma das principais razões para a suspensão das negociações no meio do ano passado, somente retomadas em fevereiro.

Paralelamente a esse cenário, surge a crescente — e tardia — conscientização americana sobre os problemas ambientais. Um número crescente de vozes, incluindo congressistas americanos de peso, clamam por uma redefinição da política energética americana. A Casa Branca adotou um discurso de redefinição dessa política no começo do ano que alterou significativamente o preços das commodities internacionais. O anúncio da intenção de reversão de aproximadamente 20% da utilização de combustíveis fósseis para o etanol — base de milho no caso americano — no prazo de 10 anos, tem gerado não somente um aumento direto do preço da soja e outros produtos agrícolas, como também um efeito cruzado relevante criando uma expectativa de aumento de preços na carne de frango, suína e bovina.

A meta da Casa Branca é ousada demais para seus padrões técnicos atuais — aumentar sua produção em sete vezes até 2017. Para cumprimento dessa meta, os Estados Unidos precisam do Brasil, principalmente de sua cooperação técnica, uma vez que possuímos a mais avançada tecnologia de etanol proveniente da cana de açúcar, um programa desenvolvido já há algumas décadas. Os Estados Unidos precisam aprender como o Brasil conseguiu atingir patamares de 40% de sua frota movida a etanol, e como foi capaz de inserir no mercado a tecnologia flex, que representa atualmente 70% dos novos automóveis produzidos no país.

Obviamente, o Brasil poderia também se beneficiar de um eventual acordo, investindo no desenvolvimento de tecnologia para aumento de sua eficiência produtiva, como por exemplo, no desenvolvimento de técnicas de produção de etanol a partir do bagaço da cana. Com um incremento produtivo relevante, o Brasil poderia até mesmo, no futuro, abrir seu mercado de etanol, tecnologia e equipamentos de produção para outros países como a China e Índia.

Atualmente, a exportação brasileira do etanol é inviável em vista da demanda interna. Desenvolver nossa tecnologia também parece ser de interesse americano, como forma de garantir o cumprimento de sua meta ambiciosa de renovação através de possíveis importações.

O problema é que ainda os mercados de energia renováveis são demasiadamente protegidos, pois nações querem garantir a inserção de seus agricultores nesses programas. Washington ainda desconversa acerca de qualquer negociação sobre as tarifas aplicadas pelos Estados Unidos sobre o etanol brasileiro, apesar de discussões internas sobre o tema terem sido suscitadas informalmente no Congresso americano e, ao que nos parece, encontram-se na pauta de discussões do presidente Lula.

O interesse americano no acordo parece sondar dois eixos principais, a saber: transferência de tecnologia e garantia de acesso ao mercado brasileiro, caso os americanos não consigam cumprir com sua meta internamente. Aparentemente, os Estados Unidos precisam do Brasil mais do que o inverso, ao menos no quesito tecnologia de produção de etanol. Isso garante ao Brasil uma vantagem significativa nessa área poucas vezes observada na relação entre os países. Não obstante, é verdade, que o Brasil precisa muito dos Estados Unidos para retomar as discussões no campo das negociações multilaterais comerciais, principalmente no tópico da agricultura.

O Brasil, como um dos lideres do G-20, deveria refletir acerca da vantagem comparativa que possui e cooperação buscada pelos Estados Unidos, bem como de suas necessidades no campo de acesso a mercados para seus produtos agrícolas. Talvez fosse essa a oportunidade para alavancar uma renegociação dos temas sensíveis da agricultura nas relações multilaterais.

Não resta duvida de que vincular um eventual acordo de cooperação técnica e de investimentos na área de biocombustível a um acordo comercial com as amplitudes das negociações agrícolas de Doha é um passo largo e de extrema complexidade. Porém exige-se das autoridades brasileiras, ao menos, uma reflexão acerca do oportunismo e conveniência do cenário mundial, momento político das relações latino-americanas e vantagens comparativas observadas pelo Brasil, a fim de se determinar o tamanho do poder de barganha brasileiro.

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