A cor do dinheiro

Advogado propõe anistia para repatriação de divisas

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8 de março de 2007, 19h47

Uma montanha de dinheiro estimada em R$ 150 bilhões, que saiu do país nos anos de maior instabilidade monetária do final do século passado, está sujeito às penalidades administrativas e criminais previstas para sonegação fiscal e evasão de divisas.

Para os donos desta fortuna, só existem duas alternativas: ou deixam seus fundos aquecendo a economia de outros países, ou reingressam o dinheiro e se submetem aos rigores da lei. Do ponto de vista econômico, repatriar ou não esses capitais pode ser indiferente para os seus donos. Para as contas e o desenvolvimento nacionais, no entanto, pode fazer a grande diferença.

Diante deste cenário, o advogado Ricardo Tosto, do Leite, Tosto e Barros Advogados Associados, preparou uma proposta de projeto de lei que estabelece anistia para a evasão fiscal e cria um incentivo à legalização de bens não declarados no exterior. O seu anteprojeto já foi recebido pelo senador Delcídio Amaral (PT-MS) e deve ser apresentado até o final de março. “É um projeto polêmico, mas importante”, diz o senador.

A idéia é permitir que os cidadãos — pessoas físicas ou jurídicas — possam trazer o dinheiro para o Brasil, pagar uma quantia pequena de imposto e ficar livre das sanções administrativas e criminais. O cidadão não responderia por evasão de divisas, crime contra a ordem tributária, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Em cima do valor trazido, pagaria 5% de imposto. Nada mais. Não precisaria também de demonstrar a origem do dinheiro.

No entanto, aqueles que já tiverem sido condenados ou que estejam sendo processados por crimes, como corrupção, peculato e extorsão, não poderiam se valer dos benefícios propostos.

Para o autor da proposta, Ricardo Tosto, a estimativa é de que US$ 60 bilhões possam ser repatriados se seu projeto virar lei. “É uma miopia do terceiro mundo achar que esse incentivo à repatriação vai levar à impunidade. Diversos países de primeiro mundo já fizeram isso.” Segundo estudos do advogado, a Itália, por exemplo, repatriou US$ 63 bilhões em 2002 — mais de 10% do valor expatriado, cobrando entre 2,5 e 12% de tributos. Os Estados Unidos passam por processo de repatriação semelhante neste momento.

Para o advogado Antônio Sérgio Pitombo, a anistia de evasão fiscal é uma porta aberta para a lavagem de dinheiro. “Como o governo vai controlar qual dinheiro é fruto de corrupção e qual não é? É uma idéia péssima querer usar o Direito Penal para fazer política”, defende.

Veja o anteprojeto

Proposta de Dr. Ricardo Tosto para Projeto de Lei de Anistia – Evasão de Divisas.

PROJETO DE LEI Nº …………….. DE 2007.

Institui incentivo à legalização de bens não declarados, mantidos no exterior por residentes no País.

Art. 1°. As pessoas, físicas ou jurídicas, residentes no Brasil nos termos da legislação tributária, que possuírem bens no exterior não declarados às autoridades brasileiras competentes, poderão legalizá-los com os benefícios desta Lei.

Art. 2º. Para a legalização dos bens o interessado deverá apresentar, no prazo de 6 (seis) meses, ao órgão da Secretaria da Receita Federal da circunscrição de seu domicílio, declaração de bens retificadora, especificando os bens existentes no exterior e seu respectivo valor.

§ 1º. Na retificação feita nos termos desta Lei, o interessado está dispensado de demonstrar a origem dos recursos necessários à aquisição dos bens declarados na retificação.

§ 2º. Quando os bens declarados na forma desta Lei forem recursos financeiros depositados ou aplicados no exterior, o interessado somente gozará dos benefícios desta Lei se efetivar seu imediato repatriamento, o qual somente poderá ser feito através de instituições financeiras.

§ 3º. O prazo de 6 (seis) meses estabelecido no “caput” deste artigo contar-se-á a partir da publicação da regulamentação da presente Lei.

Art. 3º. São considerados recursos financeiros sujeitos ao repatriamento, como condição para gozo dos benefícios desta Lei:

I – valores depositados no exterior em nome do interessado;

II – valores entregues pelo interessado a “trusts” de quaisquer espécies, inclusive fundações;

III – valores entregues pelo interessado, seja como contribuição de capital seja por qualquer outro motivo, a sociedades estrangeiras;

IV – valores entregues a pessoa física ou jurídica ou, ainda, a qualquer tipo de entidade, personalizada ou não, para guarda ou investimento de que seja beneficiário o interessado ou pessoa por ele designada.

Parágrafo único: Incluem-se no valor a ser repatriado não só o total depositado como todos os rendimentos decorrentes de sua utilização ou aplicação pelo respectivo detentor.

Art. 4º. Juntamente com a declaração retificadora, o interessado recolherá, através de DARF, 5% (cinco por cento) do valor declarado, sendo 3% (três por cento) como imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza e 2 % (dois por cento) destinados ao Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, instituído pelo art. 79, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.


§ 1º. A Secretaria da Receita Federal estabelecerá código de arrecadação próprio para cumprimento da obrigação estabelecida neste artigo.

§ 2º. O recolhimento dos valores referidos no parágrafo anterior far-se-á englobadamente, cabendo à secretaria da Receita Federal repassar ao Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza a quantia a ele correspondente.

§ 3º. No caso de repatriamento de recursos financeiros, o percentual referido no “caput” deste artigo será retido e recolhido, em nome do titular dos recursos, diretamente pela instituição financeira que efetuar o câmbio dos recursos repatriados.

Art. 5º. Com a retificação da declaração de bens prevista no art. 2º e a quitação do valor estabelecido no art. 4º, ambos desta Lei, estará automaticamente extinta a punibilidade para os crimes tipificados no art. 22 da Lei n. 7.492, de 16 de junho de 1986 (evasão de divisas), nos arts. 1º e 2º, da Lei n. 8.137 de 27 de dezembro de 1990 (crime contra a ordem tributária), e na Lei 9.613, de 3 de março de 1998, neste caso somente na hipótese do inciso VI (lavagem de dinheiro quando decorrente de crime contra o sistema financeiro).

§ 1º. A extinção da punibilidade extingue também a punibilidade relativamente ao crime tipificado no art. 288, do Decreto-lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (formação de quadrilha), exclusivamente quando relacionado aos crimes referidos no caput deste artigo .

§ 2º. A extinção da punibilidade prevista no “caput” deste artigo beneficia, também, na hipótese do inciso VI, do art. 1º, da Lei 9.613 de 3 de março de 1998, as, pessoas referidas no § 1º, da referida Lei (quem transformou os recursos em ativos lícitos).

Art. 6º. Com o cumprimento das condições desta Lei o beneficiado estará também eximido de quaisquer punições e restrições jurídicas ou administrativas decorrentes dos atos anistiados.

§ 1º. Verificado, dentro do prazo decadencial, contado a partir da declaração prevista no artigo 2º, desta Lei, que os valores dos bens, quando não forem recursos financeiros, são maiores do que o declarado, sobre o excedente será feito o lançamento do Imposto sobre a Renda e, no caso de pessoas jurídicas, da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, acrescidos das penalidades respectivas.

§ 2º. O pagamento dos tributos referidos no § 1º, deste artigo, mantém a extinção da punibilidade dos crimes especificados no artigo 5º, desta Lei.

Art. 7º. Estão excluídos dos benefícios desta lei os que estejam sendo processados ou tenham sido condenados por qualquer dos crimes tipificados nos artigos 159 (extorsão mediante seqüestro), 312 (peculato), 313 (peculato por erro de outrem), 313-A (inserção de dados falsos nos sistemas públicos para obter vantagem), 316 (concussão – exigir vantagem indevida usando da função pública) e 317 (corrupção passiva), do Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal) ou, ainda, por envolvimento com: narcotráfico, tráfico de armas e tráfico de pessoas.

Parágrafo único. Comprovado a qualquer momento, dentro do prazo prescricional, que os recursos repatriados ou parte deles têm origem em qualquer dos atos impeditivos, relacionados no “caput” deste artigo, o benefício eventualmente já concedido será totalmente nulo.

Art. 8º. As pessoas nas situações referidas no artigo anterior, que não tenham ainda sido condenadas com trânsito em julgado, poderão requerer, na forma do regulamento, os benefícios desta Lei, os quais ficarão suspensos até a decisão final judicial.

Parágrafo único. Na hipótese de absolvição do acusado, estará ele apto a gozar dos benefícios, tendo o prazo de 60 dias, contados do trânsito em julgado. Para apresentar a declaração retificadora, efetuar o pagamento do valor referido no art. 3º com o repatriamento, se for o caso, dos recursos financeiros.

Art. 9º. Todos os atos praticados para gozo dos benefícios desta Lei estão sujeitos ao sigilo fiscal e bancário.

Parágrafo único. A divulgação, por qualquer meio, de nome ou de elemento que possa levar a identificação de qualquer beneficiado por esta Lei, sujeitará o responsável às penas do art. 325, do Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal) e, se funcionário da Administração Pública, direta ou indireta, à pena de demissão.

Art. 10. De modo a evitar prejuízos às exportações em razão da entrada de divisas decorrentes da aplicação da presente Lei, o Poder Executivo fixará, durante o prazo de sua vigência, regras cambiais especiais para o comércio exterior.

Art. 11. A permanência no exterior de bens ou recursos financeiros não declarados na forma estabelecida nesta lei, sujeitará o responsável à cobrança dos tributos respectivos além das penalidades administrativas e criminais estabelecidas na legislação competente.


Art. 12. O Poder Executivo regulamentará, no prazo máximo de 30 dias, a aplicação desta Lei.

Art. 13. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

Ao longo do tempo no Brasil, como nos demais países da América Latina diversos fatores, como instabilidade econômica e/ou instabilidade política, tem levado brasileiros a buscar no exterior proteção para seu patrimônio. Também uma, reconhecidamente elevada, carga tributária propicia a evasão fiscal, com o conseqüente envio ao exterior dos valores decorrentes dessa evasão.

Com isto, o País perdeu um valor muito elevado de divisas – estimado em perto de R$ 150.000.000.000,00 (cento e cinqüenta bilhões de reais), remetidos ilicitamente para o exterior.

Nos últimos tempos, no entanto, com exceção da elevada carga tributária, os demais pontos (instabilidade econômica e/ou política) já não preocupam tanto, favorecendo a permanência em território nacional do patrimônio dos residentes no Brasil. Entretanto, mesmo que já possa confiar no País quem fez a remessa ilegal não tem como repatriar seus recursos sem elevadíssimos riscos patrimoniais e pessoais.

Sob o ângulo tributário o repatriamento implicaria no pagamento de tributos com penalidades e juros de tal ordem que seria verdadeira loucura alguém pensar nisto. No caso de pessoas físicas, por exemplo (em que a tributação é menor), a cobrança confiscaria praticamente todo o valor repatriado. No caso de pessoas jurídicas, onde a tributação é maior, quem repatriasse os bens ilicitamente mantidos no exterior pagaria muito mais do que o que retirou do País.

Além disto, ao trazer de volta os valores remetidos para o exterior estaria o responsável sujeito a penas criminais, decorrentes dos crimes de evasão de divisas, contra a ordem tributária, etc.

Em tais condições, quem apenas procurou proteger seu patrimônio contra a instabilidade nacional, mesmo agora confiando no Brasil, não tem como trazer de volta esses recursos que tanta falta fazem para os investimentos nacionais.

Por outro lado, salvo obra do acaso ou de denúncia, as autoridades brasileiras não têm como descobrir esse patrimônio existente no exterior, não podendo, assim, obter o repatriamento forçado dos valores remetidos (muitas das descobertas originaram-se de brigas familiares).

Vários países enfrentaram a questão, decidindo estabelecer anistia fiscal e criminal como estímulo ao repatriamento de divisas. Fizeram-no, entre outros, a Itália, o México, a Turquia, a Alemanha. Levou-se em conta, para a decisão, o interesse nacional, a necessidade de investimentos.

No Brasil, carente de investimentos e dos capitais respectivos a manutenção da situação atual apenas beneficia entidades financeiras estrangeiras em detrimento do povo brasileiro.

A norma aqui proposta estimula a declaração correta dos valores dos bens não financeiros mantidos no exterior, tributando com o acréscimo das penalidades respectivas o excedente, no caso de declaração de valores menores do que os reais.

Além disto, no caso de manutenção de bens não declarados ou, quando recursos financeiros, declarados a menor, o responsável permanece sujeito às penalidades dos crimes que poderiam ser anistiados, além da cobrança dos tributos e respectivas penalidades sobre os valores não declarados

Por outro lado a medida não poderia ser considerada estímulo a novas remessas pois os controles atualmente existentes, não só no Brasil, mas também os países receptores, tornaram tais remessas bem mais difíceis.

Sala das Sessões, em ………………. de ………. de 2007.

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