Idade desprezada

Sul América deve renovar seguro de idoso no termo original

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7 de março de 2007, 13h44

“Às seguradoras interessam os niños, os muchachos, até os adultos. Mas ao nos tornarmos veteranos, o interesse desaparece.” É com essas palavras, baseadas no poema espanhol Pasatiempo de Mario Benedetti, que o juiz Eugênio Facchini Neto critica a posição das seguradoras de aumentar de forma inviável a mensalidade dos seguros de vida e ainda reduzir a cobertura aos idosos.

Em sua decisão, impediu o cancelamento do seguro pela Sul América Saúde Seguros de Vida e Previdência e determinou a renovação do contrato de um seguro de vida de um idoso, em seus termos originais. As informações são do site Espaço Vital.

Em 1991, o autor da ação aderiu a um contrato de seguro de vida em grupo, “tendo desde então honrado religiosamente todos os prêmios devidos”. Consta nos autos que, em abril de 2006, o idoso recebeu um comunicado informando a readequação das carteiras e oferecendo três opções de readequação do plano. Caso ele não aderisse a nenhuma delas, o contrato não seria renovado em novembro de 2006.

O problema apontado pela defesa do idoso é que as alterações contratuais acarretariam reajustes de 200% sobre o valor do contrato no primeiro ano e de até 900% no sétimo ano, além de diminuição das coberturas. O advogado alegou que o aumento é abusivo, com base no Código de Defesa do Consumidor e no Estatuto do Idoso.

A Sul América argumentou que o reenquadramento dos segurados por faixa etária se deu “a fim de compatibilizar a evolução dos prêmios de acordo com o implemento dos riscos”. Caso contrário, sustentou, correria o risco de desequilíbrio do contrato.

Para o juiz Eugênio Facchini Neto, da 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis do Rio Grande do Sul, o Direito deve sempre estar perto dos que são economicamente mais frágeis. Segundo ele, as relações contratuais não podem se pautar apenas pela visão de lucro, mas “também pela ética do equilíbrio e da solidariedade – valores esses que também integram nosso ordenamento jurídico e fazem parte da moderna principiologia contratual”.

Ao ler o recurso, diz ter se lembrado do poema que transcreveu na íntegra em sua decisão (leia abaixo). Os versos tratam do sentimento de transição desde a infância até a velhice.

Na decisão, o juiz concluiu que “quando a morte de um segurado, com o passar do tempo, deixa de ser uma remota possibilidade para se tornar uma possibilidade não tão distante, tal circunstância não pode ser invocada pela seguradora para majorar os prêmios daquele segurado, ou daquela faixa etária de segurados ao qual pertence o autor, uma vez que é do conjunto de segurados que se retira o numerário suficiente para fazer frente aos valores devidos em razão dos previsíveis óbitos que estatisticamente ocorrerão”.

Leia a sentença:

CONTRATO DE SEGURO DE VIDA EM GRUPO. CONTRATO CATIVO DE LONGA DURAÇÃO. “PROGRAMA DE READEQUAÇÃO DA CARTEIRA DE SEGUROS DE PESSOAS”. PRETENSÃO DA SEGURADORA DE NÃO RENOVAR O SEGURO, CASO NÃO HAJA ADESÃO DO SEGURADO A NOVO PLANO DE SEGUROS, COM REAJUSTES VARIÁVEIS DE 200% A 900%. ABUSIVIDADE DA PRETENSÃO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUE CONDENOU A RÉ A MANTER O PLANO ATUALMENTE EM VIGOR ENTRE AS PARTES. RECURSO DESPROVIDO.

1. Em se tratando de contrato de seguro de vida em grupo, configura-se o denominado contrato cativo de longa duração, pois apesar de ser anualmente renovável, trata-se, na verdade, de contrato ao qual o segurado adere com a perspectiva de nele permanecer, em princípio, até sua morte. Isso porque muitas vezes se contrata tal tipo de seguro quando a morte não passa de uma remota possibilidade. Do ponto de vista atuarial, a composição de um grupo de segurados leva em conta todos esses fatores, de modo que as contribuições mensais daqueles que estatisticamente não morrerão durante muitos anos, será suficiente para pagar os valores devidos aqueles que estatisticamente falecerão.

2. Quanto a morte de um segurado, com o passar do tempo, deixa de ser uma remota possibilidade para se tornar uma possibilidade não tão distante, tal circunstância não pode ser invocada pela seguradora para majorar os prêmios daquela faixa de segurados, uma vez que é do conjunto de segurados que se retira o numerário suficiente para fazer frente aos valores devidos em razão dos previsíveis óbitos.

3. Revela-se abusiva a pretensão da seguradora que, após receber de seu segurado os prêmios religiosamente pagos ao longo de mais de 15 anos, subitamente pretende majorar em mais de 200% o valor do prêmio pago, em razão do avançar da idade do segurado, quase que de forma a inviabilizar a manutenção do contrato.

Recurso Inominado – Terceira Turma Recursal Cível

Nº 71001144450 – Comarca de Novo Hamburgo

SUL AMERICA SEGUROS DE VIDA E PREVIDENCIA S/A – RECORRENTE

PAULO ERNESTO SPERB – RECORRIDO


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Juízes de Direito integrantes da Terceira Turma Recursal Cível dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do Sul, à unanimidade, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Dra. Maria José Schmitt Sant Anna (Presidente) e Dr. Carlos Eduardo Richinitti.

Porto Alegre, 27 de fevereiro de 2007.

DR. EUGÊNIO FACCHINI NETO,

Relator.

RELATÓRIO

Narra o autor ter aderido, em 1991, a um contrato de seguro de vida em grupo com a demandada, tendo desde então honrado religiosamente todos os prêmios devidos. Em abril de 2006, recebeu um comunicado informando a readequação das carteiras, ofertando a seguradora três opções de readequação de plano, alertando ao autor que caso não viesse o segurado a optar por uma delas, o contrato não seria renovado a partir de 30-09-2006. Alega que a alteração das cláusulas contratuais nos moldes sugeridos pela ré implica reajustes de 200% sobre o valor do contrato, no primeiro ano, e de até 900% no sétimo ano, além de diminuição das coberturas. Entende, assim, ser abusivo o pretendido aumento, invocando o CDC e o Estatuto do Idoso. Pede, pois, seja deferida antecipação de tutela para não permitir o cancelamento da apólice e, ao final, seja a ré condenada à obrigação de renovar o contrato em seus termos originais.

Alternativamente, requer a devolução de todos os prêmios pagos.

A tutela antecipada foi deferida (fl. 29).

A ré contesta, argüindo, preliminarmente, a impossibilidade jurídica do pedido. No mérito, esclarece que a readequação das carteiras é regulamentada pela SUSEP, que editou resolução e circulares alterando as regras aplicáveis a seguros de pessoas, determinando a adaptação dos contratos até janeiro de 2006. Esclarece que o contrato em vigor entre as partes possibilita sua não-renovação, desde que manifestada por qualquer das partes com antecedência mínima de 30 dias do término da vigência. Argumenta que o contrato mantido com o autor é renovável anualmente, mas depende da vontade das partes para tanto. E, por razões de ordem regulamentar, não pode a seguradora mantê-lo nas mesmas bases. Aduz que o programa de readequação da carteira se presta, dentre outros, a permitir o re-enquadramento dos segurados em razão da faixa etária, a fim de compatibilizar a evolução dos prêmios de acordo com o implemento dos riscos, sob pena de desequilibro do contrato em desfavor da seguradora. Pugna pelo julgamento de improcedência do pedido.

A sentença julgou procedente o pedido, condenando a ré a manter o contrato com o autor, de acordo com as cláusulas originariamente avençadas.

Inconformada, recorre a demandada, insistindo em suas teses.

VOTOS

Dr. Eugênio Facchini Neto (RELATOR)

Tenho que a sentença deve ser mantida, uma vez que bem apreciou a lide e decidiu em conformidade com precedentes adotados nas Turmas Recursais e no nosso Tribunal de Justiça.

Trata-se de contrato de seguro de vida em grupo. Configura-se, nessa hipótese, um verdadeiro contrato cativo de longa duração, pois apesar de ser anualmente renovável, trata-se, na verdade, de contrato ao qual o segurado adere com a perspectiva de nele permanecer, em princípio, até sua morte. Isso porque muitas vezes se contrata tal tipo de seguro quando a morte não passa de uma remota possibilidade. Do ponto de vista atuarial, a composição de um grupo de segurados leva em conta todos esses fatores, de modo que as contribuições mensais daqueles que estatisticamente não morrerão durante muitos anos será suficiente para pagar os valores devidos àqueles que estatisticamente falecerão. Daí a importância de ter um leque abrangente de segurados, esforçando-se para continuamente angariar segurados de faixa etária mais baixa.

Quando a morte de um segurado, com o passar do tempo, deixa de ser uma remota possibilidade para se tornar uma possibilidade não tão distante, tal circunstância não pode ser invocada pela seguradora para majorar os prêmios daquele segurado, ou daquela faixa etária de segurados ao qual pertence o autor, uma vez que é do conjunto de segurados que se retira o numerário suficiente para fazer frente aos valores devidos em razão dos previsíveis óbitos que estatisticamente ocorrerão.

Assim, revela-se abusiva a pretensão da seguradora que, após receber de seu segurado os prêmios religiosamente pagos ao longo de mais de 15 anos, subitamente pretende majorar em mais de 200% o valor do prêmio pago, em razão do avançar da idade do segurado, quase que de forma a inviabilizar a manutenção do contrato.

Tratando-se de exigência abusiva por parte da seguradora, é cabível a intervenção judicial, a fim de afastar tal abusividade, fazendo retornar o equilíbrio contratual.


Nesse sentido a jurisprudência de nossa Turma Recursal, como se vê do seguinte acórdão, assim ementado:

SEGURO DE VIDA. READEQUAÇÃO DE CARTEIRA. RENOVAÇÃO EXCESSIVAMENTE ONEROSA AO CONSUMIDOR.

Estando o consumidor vinculado há muitos anos ao seguro de vida oferecido pela fornecedora, o que inclusive acarreta que porção expressiva da cobertura já tenha sido alcançada pelos prêmios pagos mensalmente, surge para ele a legítima expectativa de permanecer a contratação nas bases vigentes e de não ser atingido por programa de readequação da carteira (ainda que autorizado pela Susep) que implica em alteração substancial das condições do negócio fundado no implemento de idade, tornando o pacto excessivamente oneroso, com redução drástica de cobertuas e aumento expressivo do prêmio. Situação que deve ser distinguida daquela em que o consumidor adere a plano de seguro novo. Sentença confirmada pelos próprios fundamentos. Recurso desprovido. Unânime. (3ª Turma Recursal Cível. Recurso Inominado n. 71001127448, rel. Dr. João Pedro Cavalli Júnior, j. em 09.01.2007)

No mesmo sentido o seguinte acórdão do TJRS:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. SEGURO DE VIDA. READEQUAÇÃO DA CARTEIRA DE SEGUROS. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA.

Prima facie, mostra-se abusivo o comportamento da seguradora que, sob o pretexto de readequação da carteira de seguros, impõe a contratação de novo plano, mais oneroso ao segurado.

Preenchidos os requisitos do art. 273 do CPC, é de se conceder a antecipação de tutela pleiteada, para que a agravada mantenha, em favor do agravante, a vigência da apólice de seguro de vida enquanto tramitar a demanda. (6ª Câm. Cível do TJRS, A.I. n. 70016815730, relator o Des. Artur Arnildo Ludwig, j. em 14.09.2006)

A situação retratada nos autos faz lembrar o realismo do poema Pasatiempo, de Mario Benedetti:

PASATIEMPO

Cuando éramos niños

los viejos tenían como treinta

un charco era un océano

la muerte lisa y llana

no existía

Luego cuando muchachos

los viejos eran gente de cuarenta

un estanque era océano

la muerte solamente

una palabra.

Ya cuando nos casamos

los ancianos estaban en cincuenta

un lago era un océano

la muerte era la muerte

de los otros

Ahora veteranos

ya le dimos alcance a la verdad

el océano es por fin el océano

pero la muerte empieza a ser

la nuestra.

(Mario Benedetti)

Às seguradoras interessam os niños, os muchachos, até os adultos. Mas ao nos tornarmos veteranos, o interesse desaparece. E é por isso que o Direito sempre deverá estar por perto daqueles socialmente mais débeis ou economicamente mais fragilizados, para que as relações contratuais possam continuar a ser regidas não só pela lógica do lucro, como também pela ética do equilíbrio e da solidariedade – valores esses que também integram nosso ordenamento jurídico e fazem parte da moderna principiologia contratual.

Assim, é de ser mantida a sentença.

VOTO, pois, por NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

Suportará o recorrente os ônus sucumbenciais, fixando-se os honorários advocatícios em 20% sobre o valor da causa.

Dr. Carlos Eduardo Richinitti – De acordo.

Dra. Maria José Schmitt Sant Anna (PRESIDENTE) – De acordo.

DRA. MARIA JOSÉ SCHMITT SANT ANNA – Presidente – Recurso Inominado nº 71001144450, Comarca de Novo Hamburgo: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME.”

Juízo de Origem: JUIZADO ESPECIAL CIVEL NOVO HAMBURGO – Comarca de Novo Hamburgo

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