Poder em formação

STF briga com Ministério Público para definir limites

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7 de março de 2007, 0h01

O Ministério Público, depois da Constituição de 1988, obteve forças incomensuráveis nos conflitos encetados com outros setores do poder público e de particulares. Na medida em que a instituição saiu da Constituinte blindada contra censura externa, o único órgão a refrear suas atividades investigatórias, exceção feita ao Poder Judiciário, isso em raríssimas oportunidades, é o denominado Conselho Nacional, gerado a partir da Emenda Constitucional 45 e, independentemente dos bons propósitos, provido, em maioria, pelo próprio Ministério Público.

Daquela época a esta, os membros do parquet investiram agressivamente pela tomada de posições, a ponto de partirem, agora, para investigação criminal paralela e supletiva, num comportamento que vem preocupando seriamente a classe jurídica nacional. O movimento da respeitada Instituição é, então, procedimental e ideológico.

A primeira vertente diz à potencialização das denominadas tarefas inquisitoriais, entre as quais se inclui, muita vez, a própria tratativa concernente à denominada delação premiada, agendada seguidamente no gabinete dos promotores encarregados das negociações. De outra parte, cuidando-se do Poder Judiciário como órgão quase estático, vivendo e revivendo a custa de provocação das partes, há uma sofisticada aproximação dos persecutores nas providências referentes à interceptação dita telefônica e ambiental, extrapolando-se em muito, depois de obtida autorização genérica, o prazo fixado em lei para tal espiolhamento.

Não se entenda o comentário como crítica à atividade da corporação. Deve-se admitir, pragmaticamente, que segmentos do poder, legitimado ou não, combatem rotineiramente pela aquisição do maior espaço possível. Isso diz com a raça humana, certamente, mas tem, estruturalmente, exemplos nas próprias espécies inferiores. Portanto, fique de lado qualquer discussão quanto aos aspectos éticos desse galopante aquinhoamento de espaços que, tocante à comunidade racional, recebe a denominação política de autoritarismo ou exercício da autocracia. Houve alguns, no entremeio, que vaticinaram um combate mais sério entre a Instituição do Ministério Público e o grau maior de competência no Poder Judiciário, ou seja, o Supremo Tribunal Federal. Ali, fatalmente, a briga encontraria seu desiderato, porque a Suprema Corte, no fim de tudo, é aquele setor que, nos países democráticos, diz o Direito com dose maior de procedência. Essa disputa já existe, acentuando-se aos poucos enquanto se debate, no Supremo Tribunal Federal, questão intricada correspondente aos limites de atribuições do parquet na atividade pré-processual.

Entende-se, frente ao problema, que a Suprema Corte deveria ser constituída por juízes inalteráveis nos compostos emocionais. Um ministro do Supremo Tribunal Federal, segundo consenso, deve manter conduta estática enquanto discute teses jurídicas postas à apreciação do pleno ou das turmas. Não é bem assim. Há oportunidades, acentue-se, em que um Gilmar Mendes, ou um Peluso, ou até um Marco Aurélio, trocam farpas entre si e visando terceiros, principalmente quando o assunto exige definição aberta de cada juiz.

Assim, na sessão do dia 1º de março último, Gilmar Mendes se irritou com comportamento da procuradora da República que movera ação visando declaração de improbidade com finalidade de resultados políticos, pessoais ou corporativistas, o que não era louvável. Citou-a nominalmente, deixando referências, também, a outros dois eminentes representantes do Ministério Público sediado em Brasília. Foi, nisso, secundado pelo Ministro Peluso.

O revide chegou logo, porque o procurador-geral da República se pôs em defesa dos colegas que, de seu lado, também repudiaram as imputações.

Na verdade, o incidente revela que o Supremo Tribunal Federal se dispõe a definir muito bem as atribuições novas — e novas são — incorporadas pelo Ministério Público na Constituição de 1988, sendo importante notar que o desdobramento daqueles poderes, no estímulo do conflito diário entre perseguição/reação, é extremamente angustiante. Tem a Suprema Corte, a título de termômetro, série grande de Habeas Corpus ajuizados contra medidas autoritárias obtidas nos graus inferiores de Jurisdição para espionamento de terceiros, incrustando-se, nos exemplos, segmentos intimamente ligados à própria Jurisdição.

Percebe-se, e a Suprema Corte não o ignora, que o Brasil é, hoje, líder mundial na violação da privacidade dos cidadãos, extrapolando-se ilegalmente as mais pessimistas previsões. Dentro do contexto, o assunto há de ser resolvido com alguma brevidade, não se ignorando que a OAB moveu a ação adequada a censurar conduta corporativista do Conselho Nacional do Ministério Público. É esperar para ver.

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