Prova do prejuízo

Improbidade administrativa só é efetiva se houve dano ao erário

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7 de março de 2007, 0h02

A Justiça paulista julgou improcedente a ação por improbidade administrativa contra os empresários Ronan Maria Pinto, Klinger Luiz de Oliveira Souza e outros 11 acusados no caso Celso Daniel. Para que haja improbidade administrativa, é preciso haver dano ao erário. Essa foi a conclusão do juiz José Luiz Silveira de Araújo, da 6ª Vara Cível de Santo André.

A acusação era de participação em processo fraudulento de licitação durante a gestão de Celso Daniel, prefeito de Santo André (SP), mais tarde seqüestrado e assassinado em circunstâncias não esclarecidas. O Ministério Público pedia a suspensão dos contratos fechados pela prefeitura de Santo André e o Serviço Municipal de Saneamento Ambiental de Santo André com a Rotedali Serviço de Limpeza Urbana, de Ronan Maria Pinto.

Na ação, o MP acusa os 13 empresários de lesão ao erário, porque o processo de licitação foi dispensado indevidamente, com base na previsão do artigo 10, VIII, Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade). Como nenhum deles era funcionário público, a procuradoria citou ainda o artigo 3º da norma que diz: as disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

Além da suspensão dos contratos, o MP queria a perda dos direitos políticos de cinco a oito anos dos acusados, o pagamento de multa civil até duas vezes o valor do dano e proibição de contratação com o poder público.

Em sua defesa, os empresários alegaram que a dispensa do processo de licitação foi legítima. Argumentaram ainda que o MP não trouxe nenhuma prova de que realmente houve lesão ao poder público. No mérito, pediram a improcedência da ação civil.

Para julgar a ação improcedente, o juiz José Luiz Silveira de Araújo se baseou em acórdão relatado pelo desembargador Alberto Zvirblis, da 5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo. A decisão é do dia 23 de fevereiro e se tornou conhecida na última quinta-feira (1/3). No dia seguinte, o Ministério Público entrou com nova ação de improbidade administrativa contra Ronan Maria Pinto e Klinger Luiz de Oliveira Souza.

Leia o despacho

Vistos etc.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO promoveu a presente ação civil pública de responsabilidade por ato de improbidade administrativa contra KLINGER LUIZ DE OLIVEIRA SOUSA, MAURICIO MARCOS MINDRISZ, MAURICIO MARCOS MINDRISZ, ANA CARLA ALBIERO, PATRÍCIA HERTEL, WILLIAM GOMES GRIPP, PAULO JOSÉ LAMOGLIA BAPTISTELLA, AMÉLIA YOSHIKO OKUBARO, CLEIDE SODRÉ LOURENÇO MADEIRA, MÁRCIA PINHEIRO LOPES SIEGL, ALDO SIMIONATO, CHEILA APARECIDA GOMES BAILÃO, ROTEDALI – SERVIÇOS DE LIMPEZA URBANA LTDA. e RONAN MARIA PINTO, objetivando, em síntese, anular os contratos n°s 172/99, 212/99, 31/00 e 91/00, firmados entre a Prefeitura Municipal de Santo André (apenas o primeiro) e pelo SEMASA (os demais) com a empresa Rotedali Serviços de Limpeza Urbana Ltda., bem como os respectivos processos administrativos e, conseqüentemente, todos os atos e despesas dele decorrentes, reconhecendo como ímproba a conduta dos réus nos termos do art. 10, “caput” e inciso VIII, cumulado com artigo 3° da Lei n° 8.429/92, condenando os réus Klinger, Mauricio, Ana Carla, Patrícia, William, Paulo José, Amélia, Cleide, Marcia, Aldo e Cheila à perda da função pública, à suspensão de seus direitos políticos de cinco a oito anos, ao pagamento de multa civil no valor de até duas vezes o valor do dano e à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual venha a ser sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos (art. 12, 11, lei 8,429/92); suspensão dos direitos políticos de Ronan Maria Pinto de cinco a oito anos, bem como ao pagamento da multa civil de até duas vezes o valor do dano e à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual venha a ser sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos (art. 12, 11, lei 8.429/92); condenação a empresa Rotedali ao pagamento da multa civil de até duas vezes o valor do dano e à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual venha a ser sócio majoritário, pelo prazo e cinco anos (art. 12, II, lei 8.429/92); condenação solidariamente os réus a ressarcir os cofres do Município de Santo André e do Semasa, pelos valores dos contratos, equivalente às despesas geradas pelos referidos pagamentos, sobre os quais deverão incidir juros e correção monetária, dando à causa o valor de R$ 362.250,00 e instruindo a inicial com documentos (fls. 30/862), formando-se os 2°, 3° e 4° volumes dos autos.


Determinei o ingresso da Prefeitura Municipal de Santo André e do SEMASA na presente ação, como litisconsortes obrigatórios, facultando aos demais requeridos a oferta de manifestações por escrito (fls. 867), ingressando nos autos a Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de São Paulo, justificando sua intervenção nos artigos 49, parágrafo único, da Lei 8.906/94, e 15, do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB, pleiteando a exclusão do pólo passivo das advogadas Cleide Sodré Lourenço Madeira, Amélia Yoshiko Okubaro e Márcia Pinheiro Lopes Siegl (fls. 903/935 e 1005/1038), com procuração e documentos (fls. 936/1003), formando-se o 5° volume dos autos.

Após novas manifestações da OAB/SP, opinou a ilustre Dra. Promotora de Justiça pela não admissão daquela como assistente, por ser completamente estranha à demanda (fls. 1127/1128), nos termos do v. acórdão e das r. decisões que trouxe à colação (fls. 1129/1132), trazendo a OAB/SP v. acórdão em sentido contrário (fls. 1145/1153), manifestando-se novamente para requerer a exclusão do requerido Aldo Simionato do pólo passivo (fls. 1154/1183), com mais documentos (fls. 1184/1238), formando-se o 6° volume dos autos.

A co-ré Rotedali apresentou manifestação à fls. 1243/1284, com documentos (fls. 1285/1435), formando-se o 7° volume dos autos.

Os co-requeridos Klinger Luiz de Oliveira Sousa, Maurício Marcos Mindrisz, Ana Cada Albiero, Patrícia Hertel, William Gomes Gripp, Paulo José Lamoglia Baptistella e Cheila Aparecida Gomes Bailão ofertaram sua manifestação à fls. 1440/1469, instruída com procurações e documentos (fls. 1470/1838), formando-se o 8° volume dos autos.

Recebi a inicial, ordenando as citações (fls. 1846), trazendo a Prefeitura Municipal de Santo André sua contestação (fls. 1901/1924), firmada por ilustres e cultos Procuradores, instruída com documentos (fls. 1925/2626, formando-se os volumes de n°s 9, 10 e 11 dos autos). Argüiu preliminar de impossibilidade jurídica do pedido; ‘no mérito, em síntese, aduziu que não houve nenhuma ilegalidade nas contratações referidas na inicial, pugnando, a final, pela improcedência da presente ação.

Formou-se o 12° volume dos autos.

O Ministério Público apresentou réplica à fls. 2635/2644, sendo as co-requeridas Ana Carla e Cheila citadas por edital (fls. 2677).

Ofertou o Semasa sua contestação à fls. 2679/2692, instruída com procuração a seus ilustres patronos e documentos (fls. 2693/3363, formando-se o 13°, 14° e 15° volumes dos autos). Argüiu, preliminarmente, carência de ação e impropriedade da via eleita; quanto ao mérito, aduziu, em síntese, que as alegações iniciais foram lastreadas em análise simplista, deixando de lado os princípios da eficiência e economicidade que norteiam a atuação do administrador público, de sorte que descabida é a pretendida restituição dos valores decorrentes das despesas geradas com as contratações, que foram perfeitamente legais.

Ofertaram os co-requeridos Klinger Luiz de Oliveira Sousa, Maurício Marcos Mindrisz, Ana Carla Albiero, Patrícia Flertei, William Gomes Gripp, Paulo José Lamoglia Baptistella e Cheila Aparecida Gomes Bailão sua contestação à fls. 3373/3403, aduzindo, em síntese, que a dispensa do processo de licitação foi legítima, não havendo provas de que tais contratações tenham lesado o Poder Público, bem como não restou caracterizada culpa ou dolo nas ações dos ora réus, pugnando, a final, pela improcedência da pretensão inicial.

Contestação da Rotedali à fls. 3404/3461, argüindo, preliminarmente, inconstitucionalidade da Lei 8429/92, ilegitimidade passiva da contestante, ilegitimidade passiva de Ronan Maria Pinto e falta de interesse de agir. No mérito, em síntese, aduziu que a denúncia do Ministério Público, quanto ao ato de improbidade, deu-se em face de equivocada interpretação da Lei 8429/92, pugnando, a final, pelo decreto de improcedência.

A OAB/SP ofertou contestações em defesa de Amélia Yoshiko Okubaro (fls. 3463/3511), e de Cleide Sodré Lourenço Madeira à fls. 3512/3562. Em ambas as peças argüiu preliminares de ilegitimidade de parte no pólo passivo do litígio e, quanto ao mérito, aduziu, sucintamente, que os advogados possuem prerrogativas constitucionais que permitem o exercício da profissão com absoluta liberdade, não respondendo pelas opiniões que emitem, nem mesmo por eventuais erros ou desvirtuamento funcional e requerendo, por fim, a exclusão das contestantes do pólo passivo.

Formou-se o 16° volume dos autos, após o que a OAB/SP ofertou contestações em defesa de Aldo Simionatto (fls. 3566/3616) e de Márcia Pinheiro Lopes Siegl à fls. 3617/3664, nas quais argüiu as mesmas matérias preliminar e de mérito.

Réplica do Ministério Público à fls. 3666/3788, formando-se o 17° volume dos autos.


Instadas a especificar provas, manifestaram-se as partes à fls. 3797/3803, 3804/3805, 3806/3807, 3808/3809, 3810/3811, 3812/3818, 3820/3821, 3822/3825 e 3832/3851. Trouxe a co-ré Rotedali as cópia de fls. 3859/3997, formando-se o 18° volume dos autos, juntando a Municipalidade as cópias de fls. 4006/4293, após o que formou-se o 19° volume dos autos.

Veio aos autos ofício da Cetesb (fls. 4298/4300), sobre o qual manifestaram-se as partes a seguir.

O ilustre representante do Ministério Público, a seu turno, em síntese, requereu a procedência da presente ação (fls. 4376/4408).

É o relatório.

Decido.

Não acolho as preliminares de impossibilidade jurídica do pedido, carência de ação, impropriedade da via eleita, ilegitimidade passiva da Rotedali e de Ronan Maria Pinto, falta de interesse de agir, e ilegitimidade de parte de Amélia Yoshiko Okubaro, Cleide Sodré Lourenço Madeira, Aldo Simionatto e Márcia Pinheiro Lopes Siegl, por inconsistentes.

No mérito, a ação é improcedente, nos termos do v. acórdão juntado à fls. 4441/4447, que deu provimento ao recurso dos réus, por votação unânime, em caso análogo (Apelação Cível n° 584.379-5/7-00, 5ª Câm. de Dir. Público, rel. Des. ALBERTO ZVIRBLIS, j. 23.11.06), cujo teor adoto integralmente como razão de decidir:

“A inicial apontou os réus como incursos no caput do art. 10, inciso VIII, combinado com o art. 3°, ambos da Lei 8.429/92. O alegado julgamento ultra petita não inquina a sentença de nulidade, bastando ser decotado o excesso, se for o caso. A r. sentença afastou a hipótese do caput do art. 10, da Lei de Improbidade Administrativa, subsistindo a condenação pelo inciso VIII do aludido artigo. O caput do art. 10 anuncia a essência de todos atos de improbidade de seus treze incisos, consubstanciados no efetivo dano ao erário, informado pelo elemento subjetivo do dolo. Sob essa ótica é que deve ser analisada a questão dos réus, em relação ao inconformismo com a condenação. Para que uma conduta seja tipificada, portanto, mesmo em um dos incisos do art. 10, deve vir informada com a consubstanciação do dano em correlação com o art. 9° da Lei de Improbidade Administrativa, precisamente com seu inciso li, isto é, com conseqüente enriquecimento ilícito decorrente do prejuízo ao erário. Se os réus realmente infringiram o inciso VIII do art. 10, conforme consta da r. sentença, utilizando-se de um artifício usado para burlar a lei de licitações, uma vez que o § 5° do art. 23 do diploma legal citado impede o fracionamento da licitação para classificá-la numa ou noutra modalidade, desse artifício resultou lesão ao erário segundo a sentença, sem contudo, efetiva demonstração do dano. Como a própria sentença admitiu, o fracionamento é vedado, mas da mesma obra ou serviços, visto que se veda a utilização da modalidade “convite” ou “tomada de preços”, no caso de parcelas de uma mesma obra ou serviço, ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente, sempre que o somatório de seus valores caracterizar o da “tomada de preços”, excepcionando para parcelas de natureza específica que possam ser executadas por pessoas ou empresas de especialidade diversa daquela do executor da obra ou serviço. Não houve o fracionamento da licitação com a utilização da modalidade “convite” ou “tomada de preços” para parcelas da prestação de serviços de limpeza urbana, não estando, portanto, configurada, conseqüentemente, a hipótese prevista no inciso VIII, que ensaiou a condenação dos réus. Portanto, além de não se apontar o prejuízo efetivo ao erário com comprovação de enriquecimento ilícito, restou também não configurada a hipótese vedada pelo § 5° do art. 23 da Lei n.8.666, de 21 de junho de 1993, com a redação dada pela Lei n.8.883, de 08/6/94. Destarte, de rigor a improcedência da ação, por não estarem configuradas as hipóteses previstas pela r. sentença e, por via de conseqüência, também não configurada a tipificação do art. 11, por não ter havido violação do apontado § 5° do art. 23 da Lei das Licitações, inexistindo ainda o elemento doloso, elemento subjetivo informador do disposto no art. 10 e de seus treze incisos. Posto isso, dou provimento aos recursos dos réus, restando prejudicado o apelo ministerial, sendo incabível a condenação por verbas sucumbenciais” (fls. 4444/4447).

Ante o exposto, com supedâneo no v. acórdão acima reproduzido, cujos fundamentos adoto integralmente como razão de decidir, JULGO IMPROCEDENTE a presente ação, deixando de condenar o requerente nas cominações de sucumbência.

P. R. I.

Santo André, 23 de fevereiro de 2007

José Luiz Silveira de Araújo

Juiz de Direito

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