Genérico de grife

Novartis luta para preservar patente de remédios na Índia

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6 de março de 2007, 18h31

A decisão sobre o caso em que a farmacêutica suíça Novartis contesta a Lei de Patentes do governo indiano foi adiada para o dia 26 de março, por motivo de saúde do juiz. A audiência final, na Alta Corte de Chennai, sul da Índia, estava marcada para esta segunda-feira (5/3), depois de 19 dias de julgamento.

Somente no final do mês é que o juiz anunciará o dia em que dará o veredicto. A decisão poderá afetar a vida de milhões de doentes do mundo todo, apesar do pouco destaque dado pela imprensa.

Nesta terça-feira (6/3), os acionistas da Novartis se reuniram em Basel, na Suíça, e reconduziram o CEO Daniel Vasella ao cargo. O primeiro anúncio do executivo foi a garantia de que a empresa não abandonará a ação na Índia.

A Novartis contesta a seção 3(d) da Lei de Patentes. A decisão irá abrir um precedente legal porque questiona o não patenteamento de novas formas de moléculas conhecidas e a interpretação do conceito de “eficácia significativa”.

Farmácia dos pobres

A empresa também quer proibir a produção genérica do medicamento de leucemia Glivec/Geevec (Imatinib). A briga sobre este remédio também começa no dia 26 de março. Segundo a empresa, ela “está movendo ação judicial na Índia após o escritório de patentes do país ter negado a patente ao mesilato de imatinibe, princípio ativo do Glivec”.

A organização Médicos Sem Fronteiras (MSF), com outras entidades humanitárias, faz desde o dia 15 de fevereiro uma campanha mundial para que a companhia desista do caso. Para a entidade, a ação poderá prejudicar o acesso a medicamentos essenciais em todo o mundo.

Segundo a MSF, os preços acessíveis dos anti-retrovirais foi o que permitiu que entidades de direitos humanos tratassem pacientes com HIV em todo o mundo desde 2000. A Índia é descrita como “a farmácia do mundo em desenvolvimento”.

Cerca de 25% de todos os remédios usados pela MSF e mais de 80% dos medicamentos anti-aids vêm da Índia. Eles formam a espinha dorsal dos programas de Aids da organização. Cerca de 80 mil pessoas de 30 paises são tratados pela entidade. Se a lei cair, 9 mil patentes de remédios genéricos correm risco de deixar de existir.

Dos medicamentos que o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) distribui para os países pobres, cerca de 50% são genéricos indianos.

Dona do Glivec

O Glivec é usado para tratar leucemia mielóide crônica e GIST — tumor estromal gástrico. Mais de 20 mil pessoas usam o medicamento genérico na Índia. Enquanto o produto fabricado pela empresa suíça custa cerca de € 2 mil (um comprimido por dia durante um mês), o genérico sai por € 150.

No Brasil, onde o medicamento não é genérico, o custo é de cerca de US$ 4,9 mil. A alegação da empresa para a diferença de preço são os impostos. Em setembro de 2001, o preço aqui era de US$ 2,6 mil. A Novartis garantiu que uma alteração nas leis indianas não mexe na política de preços e de propriedade intelectual da empresa em outros países. O Glivec não paga PIS, Cofins e ICMS.

Batalha de versões

Sobre a campanha da MSF, comunicado da Novartis diz que “acredita que todas as esferas da sociedade têm o direito democrático de se manifestar sobre um determinado assunto de acordo com suas crenças. No entanto, nesse caso específico, algumas ONGs sugerem que uma decisão favorável à Novartis poderá afetar a produção de medicamentos essenciais para abastecimento dos países em desenvolvimento. As ações judiciais movidas na Índia de forma alguma impactarão o acesso a medicamentos em países em desenvolvimento”.

Para a empresa, “a única maneira de garantir o investimento em pesquisa e desenvolvimento e, assim, disponibilizar medicamentos inovadores, eficazes e seguros aos pacientes é por meio do respeito à propriedade intelectual”.

O processo, que começou em janeiro de 2006, afirma que algumas modificações foram feitas no medicamento e, por isso, a patente deve ser renovada por 20 anos. “Apesar da patente da forma cristalina do Glivec ter sido concedida em 36 países, o escritório de patentes da Índia alega que o medicamento não atende aos requisitos de ‘atividade inventiva e novidade’”, diz a empresa.

Michel Lotrowska, representante da Campanha de Acesso a Medicamentos Essenciais do MSF no Brasil, afirma que a patente original do Glivec é de 1992, época em que nem a Índia nem o Brasil concediam patentes de produtos farmacêuticos.

Pela Lei de Patentes de 2005, o governo tem que analisar todos os pedidos de patentes depositados desde 1995. “A patente inicial da real inovação do Glivec data de 1992, antes da Lei de Patentes na Índia. Por isso, a molécula original não foi patenteada. A mera modificação que fizeram depois em 1996 não é patenteável segundo a lei indiana porque foi uma pequena modificação”, explica Lotrowska.


A Novartis argumenta que a decisão do governo indiano também não visa garantir o acesso ao medicamento, uma vez que 99% dos pacientes tratados com Glivec no país recebem o produto de graça da empresa, segundo o comunicado.

“Dizer que 99% dos pacientes na Índia que recebem o Glivec o recebem de graça é a mesma coisa que dizer que 100 % dos ganhadores da Mega Sena compraram um ticket de Mega Sena. Não diz nada em relação ao número de pacientes que precisam do remédio, e pelos dados informais coletados na Índia, isso não representa 30% do número de pacientes que precisam do medicamento”, afirma o representante da MSF.

No Brasil, o Glivec está sob proteção de patente. Segundo a empresa, 110 princípios ativos da Novartis estão isentos de patente no país. A fabricante suíça também é a segunda maior empresa de medicamentos genéricos do mundo.

Para a Novartis, a indústria farmacêutica depende de leis eficazes que respeitem patentes para continuar trazendo melhorias e inovações para os pacientes. Ações como a da Índia, segundo a empresa, desestimulam inovações e avanços da medicina, além de ferir acordos internacionais. “Os obstáculos do sistema de patentes vigente na Índia contrariam os compromissos assumidos pelo país na qualidade de membro da Organização Mundial do Comércio (OMC)”.

Relatório Mashelkar

Um dos momentos mais quentes do julgamento foi a retirada do relatório feito pelo Comitê Mashelkar do governo indiano. Trechos do relatório foram plagiados de documentos escritos na Inglaterra com dinheiro de fundos de multinacionais.

No primeiro dia de julgamento, a Novartis mudou algumas queixas e pediu que o relatório fosse incluído como prova de que a empresa está certa. O relatório foi encomendado para verificar se o patenteamento de novas entidades químicas seria ou não compatível com o Acordo Trips. As conclusões do relatório são que seria contrário ao Trips (tratado internacional que fez parte dos acordos assinados em 1994 que encerraram a Rodada Uruguai do Gatt e criou a Organização Mundial do Comércio. Também chamado de Acordo Relativo aos Aspectos do Direito da Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio).

O próprio Mashelkar pediu ao governo que desconsidere o documento e solicitou três meses para fazer modificações.

Comunicado da empresa diz que “a Novartis não quer se manifestar sobre a retirada do relatório preparado pela própria autoridade indiana por considerar essa manifestação inapropriada. Estamos buscando definição clara sobre a lei de patentes da Índia. Saber se é possível contar com a proteção intelectual na Índia é benéfico para todos: governo, sociedade e indústria farmacêutica. O respeito às patentes fortalecerá a economia indiana, ajudando o país a atingir sua aspiração de ser uma potência farmacêutica baseada em pesquisa”.

Principais momentos do julgamento da Novartis contra a Lei de Patentes da Índia

15 de fevereiro

A Novartis pediu para emendar sua petição, no intuito de incluir o argumento de que a seção 3(d) das Lei de Patentes infringia o artigo 14 da Constituição indiana, além do Acordo Trips.

A ONG Cancer Patient Aid Association (CPAA) e as empresas de medicamentos genéricos se opuseram à inclusão da emenda, argumentando que nas outras petições a Novartis não havia falado em momento algum da violação do artigo 14 da Constituição.

Além disso, argumentaram que se a principal questão em jogo era a “não adequação ao Acordo Trips”. Um tribunal doméstico não poderia decidir sobre a matéria.

O tribunal aceitou a emenda proposta pela Novartis, mas anotou todas as objeções expressas e comprometeu-se a ouvir sobre elas durante a audiência.

A Novartis pediu que a ação fosse convertida de uma “petição escrita” para um “apelo ou recurso” (do inglês appeal). Na lei indiana, uma petição escrita se limita aos erros claros previstos na legislação. Enquanto um appeal é mais abrangente. Com ele, o tribunal pode avaliar tanto os erros da legislação como também os fatos.

16 de fevereiro

Representantes da Novartis apresentaram os seguintes argumentos: a seção 3(d) da Lei de Patentes indiana, onde são citadas “novas formulações de substâncias que não resultam em um aumento da eficácia da substância já conhecida” era única na Índia e não existia em nenhuma outra legislação de patentes de outros países.

Além disso, trata-se de um dispositivo que foi incluído pelo Parlamento no “apagar das luzes”, mostrando, portanto, que era irracional e infringia o artigo 27 do Acordo Trips, que estabelece que a invenção deva apresentar novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.

A seção 3(d) restringe a proteção patentária às novas entidades moleculares. Segundo o relatório Mashelkar, a proteção apenas de novas entidades moleculares representa uma violação do Acordo Trips. Adicionalmente, alegou-se que o mesmo relatório afirma, de forma implícita, que a seção 3(d) da lei indiana não está em conformidade com o Acordo Trips.


Uma advogada das ONGs fez uma interrupção argumentando que o relatório Mashelkar não diz nada relevante em relação a esta matéria e que o termo “nova entidade molecular” nem aparece na Lei de Patentes.

Segundo ela, a seção 3(d) apenas explica o que é o requisito de patenteabilidade “novidade” que está citado no artigo 27 do Acordo Trips. Além disso, argumenta que a patente será concedida a novas formulações, quando estas forem mais eficazes.

O advogado da Novartis replicou que a lei de patentes de nenhum país inclui o termo “eficácia” e que a forma como estava apresentado na lei era muito vago. O termo “avanço significativo” previsto na seção também era muito vago, tornando a avaliação da patenteabilidade muito arbitrária.

Segundo argumento da Novartis, o que estava em jogo era o quanto a pesquisa inovativa seria encorajada ou inibida. Pelo seu entendimento, a lógica da seção 3(d) não permitiria o patenteamento de nada, já que tudo era a “combinação de elementos conhecidos como carbono, hidrogênio, oxigênio e nitrogênio”.

Depois que a Novartis apresentou seus argumentos, as partes começaram a discutir se era apropriado ou não converter a petição escrita da Novartis em um appeal.

Representante da empresa assegurou que não incluiria novos argumentos ou introduziria novos fatos caso a conversão fosse feita. Os respondentes se opuseram a esse pedido da Novartis. Nada foi decidido.

22 de fevereiro

Foi discutido se as partes concordavam em converter a petição escrita em appeal. As empresas de genéricos concordaram desde que não fossem adicionados novos argumentos.

O representante da União e do Escritório de Patentes do governo indiano (VT Gopalan) respondeu aos dois pleitos da Novartis: que a Seção 3(d) era arbitrária e que a Seção 3(d) violava o Acordo Trips.

Segundo Gopalan, os conceitos de “eficácia” e “eficácia significativa” eram muito bem definidos na área em questão e complementou que o Trips (artigos 7, 8 e 27) permite que os países se previnam contra o evergreening (termo utilizado para designar a realização de pequenas modificações em um medicamento para serem obtidas novas patentes).

Em relação à seção 3(d) infringir o artigo 14 da Constituição, ele ressaltou que há duas formas disso realmente acontecer: quando a lei viola direitos fundamentais garantidos na Constituição e quando Parlamento perde a autoridade para aprovar a lei em questão.

Sendo assim, este argumento é inválido, já que nenhuma dessas situações realmente ocorre. Citou a Declaração de Doha sobre o Acordo Trips e Saúde Pública, e afirmou que a seção 3(d) estava no âmbito das flexibilidades previstas no Acordo Trips.

O fato de o Escritório de Patentes não ter concedido proteção ao Glivec, com base na seção 3(d), pela falta de novidade e atividade inventiva não era justificativa para a Novartis questionar o instituto da seção 3(d).

O representante das fabricantes de medicamentos genéricos argumentou que o tribunal não pode derrubar uma lei porque ela viola um tratado internacional. Um tratado não se torna lei em um país sozinho; ele pode apenas ser usado como ferramenta de interpretação em caso de ambigüidade. No caso específico de um conflito entre uma lei nacional e outra internacional, a primeira prevalece.

O advogado acrescentou que a Novartis poderia ter acionado o Painel de Solução de Controvérsias da OMC. No caso da arbitragem ser desfavorável à defesa da Novartis, confirmando que a seção 3(d) é compatível com o Acordo Trips, colocaria o tribunal indiano em uma situação constrangedora por ser “questionada” por um órgão externo. Por essa razão, o representante achava que o tribunal deveria evitar essa situação constrangedora e não seguir adiante com esta situação puramente acadêmica.

Os fabricantes de genéricos afirma que dizer que os conceitos presentes na seção 3(d) indiana eram únicos era uma afirmativa incorreta, já que conteúdo semelhante estava presente na Diretiva da União Européia 2001/83/EC. O conceito de eficácia era tão perfeitamente esclarecida na mesma que até a própria Novartis havia feito diferentes depósitos de formulações genéricas para serem comercializadas na União Européia e que eles referenciaram “eficácia” nas suas próprias especificações que foram recusadas na Índia.

Ao citar o relatório do Comitê de Mashelkar, o advogado ressaltou que em vias de fato o comitê retirou o relatório e por essa razão não seria necessário seguir adiante nesta matéria. Ainda assim, ressaltou que os termos de referência previstos no relatório eram completamente diferentes da questão sobre a validade da seção 3(d).

O advogado do fabricante de genéricos indianos destacou que a Novartis não fundamentou os argumentos sobre a arbitrariedade da seção 3(d). Acrescentou que os conceitos de novidade e atividade inventiva não podem ser precisamente definidos e que era uma coisa a ser construída.

O advogado da ONG reforçou a teoria de que a Novartis não poderia manter o pedido de não adequação ao Trips. Comparou o Acordo ao Nafta: este último permitia que os indivíduos aplicassem os dispositivos previsto no tratado contra a regra nacional por meio de uma arbitragem. No entanto, esse mecanismo não estava previsto no Acordo Trips .

Ressaltou os artigos 7 e 8 do Acordo TRIPS e o comentário de autoridades da UNCTAD, ICTSD e WTO-WHO ressaltando as diferentes flexibilidades implícitas no Acordo Trips.

Acrescentou que o conceito dos requisitos de patenteabilidade não estavam definidos no Trips e que os países tinham liberdade de implementar da forma como julgassem. Por isso, os países tinham liberdade para definir regras que evitassem o “evergreening”.

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