Tropeços de gestão

Diretoria de fundação de apoio da UFSC é afastada

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6 de março de 2007, 0h01

A Justiça de Santa Catarina decretou intervenção judicial na Fundação do Ensino da Engenharia em Santa Catarina (Feesc) da Universidade Federal de Santa Catarina no dia 26 de fevereiro. Determinou também o afastamento da diretoria e a nomeação de um administrador provisório, que fará uma auditoria nas contas da fundação desde 2000.

Foram afastados o presidente Júlio Felipe Szeremeta, o vice-presidente Edson Rosa, o tesoureiro Jorge Mário Campagnolo e o secretário Antônio Edésio Jungles. Fátima Regina Pinto foi escolhida como administradora provisória.

A decisão atende a pedido de liminar do Ministério Público do Estado, fundamentado em representação da Delegacia de Receita Previdenciária de Florianópolis, que constatou irregularidades da diretoria da entidade.

Em seu despacho, o juiz Luís Felipe Canever, da comarca de Florianópolis, destacou o relatório apontando que “a Feesc estaria remunerando de forma irregular empregados, como se prestadores de serviço que não teriam vinculação formal com a fundação, deixando de recolher adequadamente tributos, além de utilizar-se de comprovantes de despesas duvidosos, com ‘a apresentação de diversas notas fiscais cuja soma não coincide com os valores lançados na contabilidade’”.

Entre os problemas citados, o juiz listou notas fiscais de refeições e combustíveis, em valores incompatíveis com o consumo, uso de passagens e faturas de agências de turismo em que alguém recebeu no lugar de quem merecia o reembolso, e notas fiscais em que as despesas são de cunho pessoal. “Aparentemente, demonstram que a gestão da fundação tem desrespeitado normas legais aplicáveis, colocando em risco o patrimônio fundacional e causando prejuízos ao erário público, ante o não recolhimento de tributos.”

O presidente afastado, Júlio Felipe Szeremeta, afirmou que a única informação que poderia prestar é que se afastou da direção da Feesc quando foi notificado. Disse ainda que quem fala, a partir de agora, pela fundação é o administradora nomeado pela Justiça. Szeremeta informou também que a diretoria afastada vai recorrer da decisão.

No site da Previdência Social, consta que a dívida ativa da Feesc com o INSS é de R$ 5,5 milhões. Os valores estão sendo discutidos judicialmente.

No ano passado, o Ministério Público de Santa Catarina rejeitou a prestação de contas das quatro fundações de apoio ligadas à UFSC (Fapeu, Feesc, Fepese e Boiteux) relativas ao ano de 2004. Todas entraram com pedidos de reconsideração.

Como uma fonte de arrecadação para as universidades públicas, as fundações privadas atuam em parceria utilizando pesquisadores e instalações das escolas. Em troca, dão verbas e conhecimento específico. As fundações são questionadas quanto ao seu interesse público. Críticos afirmam que elas representam o início de um processo de privatização do ensino superior público.

Leia decisão

Autos n.° 023.07.080625-2

Ação: Ação Civil Pública/ Lei Especial

Autor: Ministério Público do Estado de Santa Catarina

Réu: Fundação do Ensino da Engenharia em Santa Catarina – FEESC e outros

Vistos, etc.

Trato de ação civil pública interposta pelo Ministério Público, em que requer antecipação de tutela para determinar o afastamento da atual Diretoria da FEESC – Fundação de Ensino e Engenharia de Santa Catarina, com a nomeação de administrador provisório que procederá a uma auditoria nas contas da Fundação, perdurando o afastamento o tempo necessário para realização da auditoria.


Fundamenta seu pedido em representação oriunda da Delegacia de Receita Previdenciária de Florianópolis que em trabalho de fiscalização teria constatado diversas irregularidades praticadas pela Diretoria da entidade.

Ao Estado cumpre zelar pela constituição formal e administração das fundações, tendo em vista a repercussão social dos objetivos estabelecidos pelo instituidor, prevendo a lei civil que compete ao Ministério Público o exercício da fiscalização, cumprindo-lhe não apenas aprovar os estatutos e suas reformas, como velar para que os bens não sejam dilapidados ou desviados do destino previsto pelo instituidor, devendo para tanto "realizar uma profunda e constante fiscalização sobre a vida da pessoa jurídica desde o ato da sua criação, passando pelo controle rígido da atividade de seus órgãos dirigentes, a fim de se assegurar que a organização cumpra seus fins institucionais, culminando com a verificação, também permanente da nocividade ou impossibilidade da sua manutenção, caso em que a fundação deve ser extinta" (Antonio Cláudio da Costa Machado. A Intervenção do Ministério Público no Processo Civil Brasileiro, Saraiva, 1989, p. 270).

Neste sentido, retiro parecer de Seabra Fagundes do corpo de acórdão proferido pelo egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

"’FUNDAÇÃO – RESPONSABILIDADE DOS DIRETORES – ATRIBUIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. É lícita a suspensão dos administradores das fundações, sob requerimento do Ministério Público e deferimento do juiz de direito, antes que pelas vias contenciosas, se promova a solução definitiva da destituição. A função de vigilância do Ministério Público dá ensejo ao apelo, quer às medidas administrativas contempladas nas leis judiciárias e de organização do próprio Ministério Público quer as providências reguladas pelo Código Processual. Interpretação do art. 26 do Código Civil [atual art. 66]. Idem , do art. 653 do Código de Processo Civil’ (RF – 192/90)" (AI n. 5.020, Des. Eder Graf).

No caso, as irregularidades apontadas pelos relatórios produzidos pelos auditores da Delegacia de Receita Previdenciária citados na inicial, demonstram, em um juízo perfunctório, a necessidade do deferimento da medida antecipatória, para que seja realizada uma completa auditoria na entidade, sendo certo que o afastamento temporário da Diretoria a quem é imputada a responsabilidade pelas citadas irregularidades, contribuirá para melhor esclarecimento dos fatos, evitando-se eventuais interferências ou mesmo que novas irregularidades sejam cometidas em prejuízo à fundação e a terceiros.

Sobre o tema, colho também do corpo do acórdão antes citado, precedente do Supremo Tribunal Federal:


"FUNDAÇÃO – Fiscalização pelo Ministério Público – Possibilidade do afastamento provisório, administrativo ou judicial, de todos os seus diretores para apuração de alegadas irregularidades – Desnecessidade obrigatória de prévia audição dos interessados. Velar pelas fundações significa exercer toda atividade fiscalizadora, de modo efetivo e eficiente, em ação contínua e constante, a fim de verificar se realizam os seus órgãos dirigentes proveitosa gerência da fundação, de modo a alcançar, de forma a mais completa, a vontade do instituidor. O exercício das atribuições fiscalizadoras do Ministério Público que decorrem do sentido genérico da sua missão, envolve atuação de caráter meramente administrativo que dispensa regulação nas leis processuais. A fiscalização das fundações deixaria de ter significação, se por receio de ferir melindres e suscetibilidades, dos seus dirigentes, viesse a constituir óbice a esse dever, de ordem pública, de exigir a sua precisa administração. Cabe ao Ministério Público o exercício de medida de vigilância em que constatará se a fundação está sendo gerida segundo a lei e os estatutos, como, outrossim, de tutela, em que verificará se a fundação está sendo gerida em moldes convenientes e oportunos para alçar-se os seus altos objetivos. No desempenho dessas funções podem ser enumeradas entre as atribuições do Ministério Público: a) a formulação à autoridade competente de pedido de suspensão administrativa de todos os dirigentes da fundação, envolvidos nesse ato e jurisdição graciosa, não só os órgãos ativos como consultivos, sem as suas audiências, mas em atenção ao resultado de sindicância levada a efeito por solicitação também do Ministério Público e determinação do Juízo; b) o procedimento judicial para a destituição de todos eles, em demanda com a participação dos sujeitos da lide. Verificado pelo Ministério Público, fiscal nato das fundações, comportamento nocivo ou, pelo menos, perigoso a seu futuro, por parte dos administradores, tem ele o dever de promover administrativamente a suspensão provisória deles. Convencendo-se o juiz competente da necessidade dessa providência, cumpre deferi-la, antes de fazer, em demanda judicial, a respectiva deliberação. Sem a remoção de imediato e transitória dos dirigentes da entidade que desvirtuam os seus fins ante apuração sumária, para impedir que inutilizem as provas da sua desídia, praticamente inútil e meramente formal se tornaria a fiscalização do Ministério Público se se aguardasse sempre a segunda, de caráter contencioso e definitivo. A suspensão pode ser de um, de alguns, ou de todos os diretores. Aliás, em princípio, parece aconselhável seja de todos, se ela se efetua com o objetivo de intervenção nos negócios da fundação, para colher provas definitivas dos males da administração, já verificados por elementos circunstanciais. Requerido o afastamento dos diretores, a natureza da providência, e os fins pela mesma objetivados, para o seu completo êxito estava no caso a aconselhar, como ato cautelatório de polícia das fundações, se levasse a efeito de surpresa, sem aquela audiência prévia, que a poderia nulificar no seu alcance, tornando-a ineficaz" (RT 299/735-736).

A conclusão da fiscalização promovida pela Delegacia de Receita Previdenciária de Florianópolis é a de que a FEESC estaria remunerando de forma irregular empregados, como se prestadores de serviço que não teriam vinculação formal com a Fundação, deixando de recolher adequadamente tributos, além de utilizar-se de comprovantes de despesas duvidosos, com: "a apresentação de diversas notas fiscais cuja soma não coincide com os valores lançados na contabilidade; a apresentação de notas fiscais de combustível e refeições, seja por quantidades e valores incompatíveis para um consumo, seja a pelas mesmas datas; a utilização de passagens e faturas de agências de turismo em que outros foram beneficiados e não o beneficiado pelo reembolso; a utilização de notas fiscais de pessoas jurídicas; a apresentação de notas fiscais cujas despesas são de cunho pessoal; a apresentação de relações com diversos beneficiados nos reembolsos; (…)" (fls. 94/95), o que evidencia a necessidade da medida requerida pelo Ministério Público, no exercício de sua função institucional de fiscalizar as fundações, uma vez que aparentemente demonstram que a gestão da Fundação tem desrespeitado normas legais aplicáveis, colocando em risco o patrimônio fundacional e causando prejuízos ao Erário Público, ante o não recolhimento de tributos.


Por outro lado, tendo em vista que a prova necessária para a demonstração cabal das alegações da inicial é documental e encontra-se em poder da própria fundação a ser auditada, é medida de prudência a concessão da liminar sem a ouvida da parte contrária.

Pelo exposto, DEFIRO o pedido de antecipação de tutela para:

1) Afastar dos cargos da Diretoria da Fundação de Ensino e Engenharia de Santa Catarina – FEESC, os réus Júlio Felipe Szeremeta (diretor presidente), Edson Rosa (diretor vice-presidente), Jorge Mário Campagnolo (diretor tesoureiro) e Antônio Edésio Jungles (diretor secretário), pelo prazo inicial de seis meses, prorrogáveis de acordo com a necessidade e por decisão deste Juízo;

2) Nomear a Senhora Fátima Regina Pinto – CRA/SC n. 10.390, como administradora provisória da Fundação, com plenos poderes, inclusive de limitar o acesso à sede da mesma, com o intuito de administrar temporariamente a entidade e promover uma auditoria geral e independente nas contas da Fundação desde de janeiro de 2000 até a data em que assumir a administração, com a contratação de auditoria externa, se necessária, às expensas da Fundação, o que deverá requerer em Juízo, prestação de contas mensal em juízo e com acompanhamento dos trabalhos pelo Ministério Público, através de seus Promotores e órgãos de apoio competentes;

Fixo a remuneração da Administradora Provisória em valor equivalente à remuneração paga ao Superintendente da FEESC, a ser suportada pela Fundação, bem como fixo o prazo de seis meses para conclusão dos trabalhos, prorrogáveis de acordo com a necessidade e por decisão deste Juízo.

3) Tendo em vista o evidente conflito de interesses entre os réus pessoas físicas, representantes legais da fundação, e a pessoa jurídica, nomeio-lhe curador especial na pessoa do sr. Almir Francisco dos Reis, que pode ser encontrado no Campus Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina, Centro Tecnológico, Trindade, que deverá ser intimado para aceitar o encargo e, em caso positivo, tomar as providências necessárias para a representação judicial da Fundação neste feito.

4) Citem-se os réus para, querendo, no prazo legal, apresentar resposta, sob as advertências de praxe.

Intimem-se.

Florianópolis, 23 de fevereiro de 2007.

Luís Felipe Canever

Juiz Substituto

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