Trabalho no mundo

Leis trabalhistas do Brasil protegem mais que dos EUA

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5 de março de 2007, 0h00

A argumentação sobre a flexibilização das leis trabalhistas usa muitas vezes o exemplo dos Estados Unidos como ideal nas relações entre empregador e trabalhador. Não é para menos. Os Estados Unidos são o país onde os direitos trabalhistas são, digamos assim, mais neoliberais.

A constatação salta de uma pesquisa elaborada pelas universidades de Harvard (EUA) e McGill (Canadá) e publicada no começo de fevereiro, a partir de dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e de outras fontes. A OIT tem o maior banco de dados sobre o assunto, com a legislação de mais de 170 países.

O estudo mostra que lei americana é uma das mais duras com o trabalhador em relação a licença-maternidade, férias remuneradas, descanso semanal, auxílio-doença e adicional noturno.

Por outro lado, pela pesquisa, se percebe que a lei brasileira está em sintonia com a maioria dos países desenvolvidos. Apesar de não haver um ranking, a pesquisa aponta a Suíça, Finlândia e Suécia como os países em que os trabalhadores têm mais direitos.

“O panorama do direito trabalhista mundial nos mostra duas correntes distintas. O sistema de proteção do trabalho por meio de códigos e leis, caso do Brasil e da América Latina, e o sistema contratual, que sequer ratifica as convenções da OIT, seguido pelos EUA e Inglaterra”, explica o advogado Cássio Mesquita Barros, membro da Comissão de Peritos da OIT e professor de Direito do Trabalho da USP.

O professor completa: “a tendência mundial, já indicada pela própria OIT, é de um sistema de direitos trabalhistas mínimos, já que as empresas, com a concorrência global, não são mais capazes de pagar os altos custos trabalhistas. O caminho é o meio termo entre os dois sistemas vigentes, aumentando as garantias de um e cortando os excessos do outro”.

Licença-maternidade

Segundo o estudo, de 173 países pesquisados, apenas cinco não dão licença maternidade. São eles, Estados Unidos, Libéria, Suazilândia, Papua-Nova Guiné e Lesoto. Mais de 98 concedem pelo menos 14 semanas de descanso. No Brasil, a trabalhadora pode entrar de licença por 4 semanas antes do parto e retornar somente após 12 semanas, como em outros 40 países.

Ao menos 107 países protegem os direitos das mulheres de amamentarem os filhos durante a lactação, como no Brasil. Em 73 nações, as pausas são pagas. A pesquisa lembra que a amamentação nos primeiros meses de vida reduz a mortalidade infantil.

Para a advogada Sylvia Romano, especialista em direito do trabalho, a licença maternidade é um dos motivos pelos quais as mulheres recebem em média, salários menores do que os homens. “Quanto mais protegem, mais desobedecem. O direito a maternidade tem como resultado uma menor vontade do empresário em contratar mulheres. Pagam um salário menor para elas. Protecionismo sempre bloqueia”, argumenta Sylvia.

Máximo de semanas de licença maternidade paga

Número de Semanas Número de países

4-7

4

8-11

22

12-13

43

14-16

40

17-19

16

20-39

10

40-51

2

52-103

14

104-155

5

156 ou mais

10

Licença-paternidade

Quanto ao beneficio da licença-paternidade, o número cai drasticamente. Dos 173 países, apenas 65 garantem o direito em lei. Desses, 31 concedem ao menos 14 semanas. Como em outros 11 países, a Consolidação das Leis do Trabalho brasileira dá ao pai menos de uma semana de descanso. Os Estados Unidos não oferecem o direito.

É bom lembrar que um dos pontos positivos dos EUA nas relações do trabalho, segundo a pesquisa, é o fato de o país ser uma dos pioneiros no combate à discriminação e na promoção da igualdade salarial entre sexos, raças e portadores de deficiências físicas.

“A CLT é obsoleta e arcaica, tem 922 artigos. É muito. Acho que o direito do trabalho não deve ser nem como o americano, nem tanto como é o brasileiro atualmente. As necessidades do trabalhador variam de uma região para outra. É preciso levar em conta aspectos econômicos, filosóficos, sociais e até geográfico. O que é bom para um trabalhador no interior de Sergipe, não é necessariamente bom para o de São Paulo”, diz a advogado Taube Goldenberg, especialista em direito do trabalho.

Máximo de semanas de licença paternidade paga

Número de Semanas Número de países
Menos de 1 11

1-6

19

7-11

1

12-13

1

14-16

2

17-19

0

20-39

6

40-51

3

52-103

9

104-155

10

156 ou mais

1

Férias pagas

Dos países pesquisados, 137 dão férias anuais pagas. Destes, 121 garantem mais de duas semanas de descanso. No Brasil, a lei concede quatro semanas. Os EUA não têm lei que regulamenta este direito.

“A maioria dos países estão promovendo proteções do trabalho que milhões de americanos apenas podem sonhar”, diz a autora do estudo, Jody Heymann, fundadora do projeto Global Working Families, em Harvard, e diretora do Instituto McGill’s Institute for Health and Social Policy.

Férias anuais pagas

Número de Semanas Número de países

1

2

Entre 1 e 2

18

Entre 2 e 3

43

Entre 3 e 4

33

Mais de 4

36

Horas de trabalho

Pelo menos 134 nações possuem leis que fixam o máximo de horas de trabalho permitidas por semana. No Brasil, o trabalhador deve receber hora extra se trabalhar mais de 44 horas por semana. Na França, o tempo é de 35 horas. Por lei, os EUA não fixam nenhum limite. No entanto, o país é um dos 117 que garantem o pagamento da hora-extra.

Apenas 28 países restringem ou proíbem o trabalho noturno, enquanto 50 oferecem um prêmio para quem trabalha durante a noite. O trabalhador que dá expediente à noite recebe 20% de adicional no salário no Brasil. Pelo menos 126 países garantem um descanso semanal pago de um dia.

Auxílio doença

Em 145 países, o trabalhador que fica doente recebe mesmo que não possa trabalhar. Em casos mais graves, 127 permitem uma semana ou mais de descanso anualmente. Mais de 79 nações permitem benefícios de pelo menos 26 semanas ou até a recuperação. Em 49 casos, o trabalhador pode faltar para ir a um funeral ou um casamento.

Duração do auxilio doença

Número de dias Número de países

1-6

3

7-10

1

11-30

28

31 ou mais

98

Porcentagem paga do salário enquanto o trabalhador está doente

Porcentagem Número de países

100%

31

75-99%

20

50-74%

74

25-49%

8

“Aqui no Brasil, ratificamos as convenções da OIT mas não as seguimos. O garantismo legal e a nossa legislação aparatosa têm se provado ineficientes para garantir as boas condições de trabalho em todo o território nacional”, argumenta Mesquita Barros.

“Chamo a legislação brasileira de dança dos dinossauros, porque é muito pesada. Quanto mais liberdade nas relações trabalhista melhor. A nossa economia não é tão dinâmica por causa disso”, explica Sylvia Romano. Na opinião da advogada, o artigo 618 da CLT permite que um acordo coletivo entre trabalhadores e empregadores flexibilize as regras. “Já consegui que emprega determinasse almoço de 20 minutos e férias de 15 dias”.

A advogada cita um caso de flexibilização que pode beneficiar os dois lados. “Já consegui ganhar em três casos a participação nos lucros mensais. Assim, um trabalhador pode receber, por exemplo, R$ 1 mil de salário e R$ 1 mil de participação. Ele ganha mais porque o patrão paga menos impostos”.

Os pesquisadores de Harvard e McGill não levaram em conta a aplicação da lei, já que trabalhadores ilegais não recebem o direito. Para as estatísticas brasileiras, com o altíssimo grau de informalidade das relações de trabalho, é uma grande vantagem.

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