Desperdício de poder

Supremo declara mora do Congresso em regulamentar lei

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1 de março de 2007, 20h19

Não foi desta vez que o Supremo Tribunal Federal atribuiu caráter efetivo ao Mandado de Injunção. Em julgamento nesta quinta-feira (1/3), os ministros declararam mora do Congresso Nacional em regulamentar o aviso prévio proporcional.

Com o Mandado de Injunção, o Judiciário pode determinar que o Legislativo regulamente um dispositivo. Pode também dar as diretrizes para que o direito não regulamentado seja exercido, até que o Legislativo faça a sua parte.

Mas não foi o que ocorreu hoje, porque o Mandado de Injunção analisado pela Corte era restritivo. Pedia que o STF declarasse a mora do Congresso Nacional em regulamentar o aviso prévio proporcional. Assim, a Corte não pôde ir além disso. Teve de se limitar ao pedido: declarar a mora do Congresso e comunicá-lo da decisão para que reverta o atraso. O relator do Mandado, ministro Sepúlveda Pertence, lamentou a chance perdida.

“O Congresso Nacional parece obstinado na inércia legislativa a respeito. Seria talvez a oportunidade de reexaminar a posição do Supremo quanto a natureza e a eficácia do mandado de injunção, se não fora o pedido da inicial”, diz Pertence em seu voto.

A Corte apreciava Mandado de Injunção de um trabalhador contra a demora em regulamentar o aviso prévio proporcional. O direito trabalhista está previsto no parágrafo 7º, inciso XXI, da Constituição Federal.

Após o julgamento, questionado pela revista Consultor Jurídico, o ministro Marco Aurélio esclareceu que no caso concreto não houve pedido para que o Tribunal fixasse o aviso prévio proporcional. “O Mandado de Injunção em discussão limitou-se a pleitear se constatada ou não a existência da mora legislativa e, se deveria se cientificar o órgão que estiva em mora — segundo a jurisprudência até aqui dominante, anterior a atual composição do plenário. A meu ver, como eu tenho sustentado, esvaziando a natureza mandamental da ação. E ninguém melhor do que o Congresso para saber que está em mora”, afirmou Marco Aurélio. O pedido aguardava julgamento desde 2003.

Desde que foi instituído, o Mandado de Injunção nunca foi aplicado de fato. O ministro aposentado Moreira Alves, que exercia forte liderança no Supremo, lutou para que o dispositivo não fosse aplicado, defendendo que o Judiciário não poderia assumir o papel do Legislativo. Em junho, essa posição majoritária começou a mudar.

Outra rota

Ao analisar três Mandados de Injunção sobre o direito de greve dos servidores, os ministros Eros Grau e Gilmar Mendes votaram para que o dispositivo seja usado para que o Judiciário estabeleça as diretrizes do direito até que ele seja regulamentado pelo Congresso e não só para ter declarada a mora do Legislativo. Os dois ministros entendem que, enquanto o Congresso não regulamenta o tema, valem as regras da iniciativa privada.

O ministro Marco Aurélio também votou pela efetiva aplicação do Mandado de Injunção ao analisar pedido para que seja garantido o direito à aposentadoria especial por exercício de atividade insalubre, ainda não regulamentado. Todos os quatro Mandados foram suspensos por pedido de vista, mas já mostraram como três ministros da casa pensam.

Leia a decisão do relator

MANDADO DE INJUNÇÃO 695-4 MARANHÃO

RELATOR:MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE

IMPETRANTE(S): ISAAC RIBEIRO SILVA

ADVOGADO(A/S): JOSÉ CARLOS MINEIRO

IMPETRADO(A/S): CONGRESSO NACIONAL

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Mandado de Injunção impetrado contra o Banco do Brasil para a regulamentação do art. 7º, XXI, da Constituição.

Alega-se que, após ter trabalhado por mais de vinte anos na empresa da qual foi dispensado, recebeu apenas o pagamento de trinta dias.

Requer:

“…dessa Augusta Corte, que seja comunicado o Órgão Competente para a imediata regulamentação da Norma Constitucional, garantindo-se dessa forma o direito do Impetrante, que pela evidente omissão do Poder responsável, pela elaboração da lei, o Autor se encontra totalmente prejudicado.

…a notificação do Impetrado BANCO DO BRASIL S/A, no endereço já declinado acima para, no prazo previsto em Lei, oferecer as informações e/ou defesa necessárias.”

Sobre a notificação do Banco do Brasil S.A., decidi:

“Pretende-se mandado de injunção para a imediata regulamentação do direito ao aviso prévio proporcional previsto no art. 7º, XXI, da Constituição Federal.

O impetrante aponta, como impetrado, o Banco do Brasil S.A., empresa para a qual trabalhou por um lapso de tempo superior a 20 anos e que, dada a sua demissão sem justa causa, no seu entender, deve ser condenada ao pagamento do aviso prévio proporcional.

Requer, além da notificação do impetrado, “para, no prazo previsto em lei, oferecer as informações e/ou defesa necessárias”, “que seja comunicado o Órgão Competente para a imediata regulamentação da Norma Constitucional…” (f. 6).

Em coerência com a sua orientação sobre a natureza do mandado de injunção (MI 107-QO, 23.11.89, Moreira, RTJ 133/11), é igualmente firme no Tribunal o entendimento no sentido da ilegitimidade passiva do particular contra quem se dirigiria o direito de exercício obstado pela omissão da lei regulamentada (v.g., MI 369, 19.8.92, Rezek, RTJ 144/393; AgMI 345, 6.11.91, Gallotti, 13.12.91; AgMI 382, 18.3.92, Gallotti, Lex 175/146; AgMI 330, 31.10.91, Moreira, RTJ 140/5; MI 335, 9.8.91, Celso, Lex 190/125). Indefiro, pois, a notificação do Banco do Brasil S.A.. Solicitem-se informações ao Congresso Nacional.”

Retificou-se a petição quanto ao impetrado (f. 23/24), indicndo-se o Congresso Nacional.

As informações foram prestadas. É esta a ementa do parecer do Ministério Público:

“Mandado de injunção. Ausência de regulamentação do inciso XXI do artigo 7º da CF/88. Impossibilidade de regulamentação pelo Poder Judiciário. Posição não concretista. Caso análogo decidido no MI 278. Parecer pelo conhecimento em parte do writ para declarar a mora legislativa do Congresso Nacional na aludida regulamentação.”

É o relatório.

V O T O

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – (Relator): Ao contrário do que alegado nas informações, a simples existência de projetos de lei referentes à matéria debatida não é causa suficiente a afastar a mora legislativa (v.g., MI 584, Moreira, DJ 22.2.02).

O dispositivo constitucional não regulado – art. 7º, XXI, CF – já é velho cliente deste tribunal.

Relembro o MI 95 (j. 7.10.92, DJ 18.6.93)[1], relator originário o em. Min. Velloso, mas que fui redator do acórdão. Disse na ocasião:

“Senhor Presidente, também acompanho o eminente Ministro Francisco Rezek. Quanto ao problema da alteração das partes formais do processo, não há dúvida de que a ação foi proposta apenas contra o Banco. Mas V. Exa., Senhor Ministro Relator, citou os dirigentes do Congresso e ninguém suscitou essa questão.

Senhor Presidente, nesses termos, peço vênia a quantos já votaram para deferir o mandado de injunção, mas apenas para declarar in mora o Congresso Nacional. Creio, com as vênias do Ministro Francisco Rezek, que a situação de mora é de ser apurada, em relação ao mandado de injunção, em termos puramente objetivos.

Passados quatro anos da promulgação da Constituição, não tenho dúvidas quanto à sua caracterização.”

Na mesma linha, o MI 278 (Ellen, DJ 14.12.01), assim ementado:

“Mandado de Injunção. Regulamentação do disposto no art. 7º, incisos I e XXI da Constituição Federal. Relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa. Aviso prévio proporcional ao tempo de serviço.

Pedido não conhecido em relação ao art. 7º, I da CF, diante do que decidiu esta Corte no MI nº 114/SP.

Pedido deferido em parte no que toca à regulamentação do art. 7º, XXI da CF, para declarar a mora do Congresso Nacional, que deverá ser comunicado para supri-la.”

O Congresso Nacional parece obstinado na inércia legislativa a respeito. Seria talvez a oportunidade de reexaminar a posição do Supremo quanto a natureza e a eficácia do mandado de injunção, nos moldes do que se desenha no MI 670 (INF/STF 430), se não fora o pedido da inicial:

“REQUER, assim, dessa Augusta Corte, que seja comunicado o Órgão competente para a imediata regulamentação da Norma Constitucional, garantindo-se dessa forma o direito do Impetrante, que pela evidente omissão do Poder responsável, pela elaboração da lei, o Autor se encontra totalmente prejudicado.”

Esse o quadro, julgo procedente o mandado de injunção para declarar a mora e comunicar a decisão ao Congresso Nacional para que a supra: é o meu voto.

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