Paralisação do Metrô

Metroviários terão de pagar multa por fazer greve abusiva

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1 de março de 2007, 21h10

É abusiva a greve dos metroviários, que protestaram contra a terceirização da Linha 4 no dia 15 de agosto de 2006. A decisão é do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo) que aplicou multa de R$ 100 mil e determinou o desconto do dia de salário dos grevistas.

A multa será revertida em benefício do Hospital São Paulo, Hospital das Clínicas e Santa Casa de São Paulo. Nesta quinta-feira (1/3), em seis votos contra um, a Sessão Especializada em Dissídios Coletivos acompanhou o voto do relator do processo, juiz Nelson Nazar. Para o juiz, “o direito de greve não pode ser utilizado como instrumento de manobra para a defesa de posições políticas ou ideológicas”.

No dia da paralisação, os metroviários descumpriram liminar do TRT-SP que determinava a circulação de 100% da frota nos horários de pico e 70% no horário normal. “O sindicato profissional, embora ciente da determinação judicial, não adotou qualquer medida visando dar cumprimento à liminar deferida”.

Outro problema, para o juiz, era o fato da licitação estar suspensa no dia da paralisação. “Se o processo licitatório estava suspenso, por força de decisão judicial, caberia ao sindicato suscitante comunicar esse fato ao Juízo competente, o qual, a toda evidência, tomaria as medidas necessárias para fazer cumprir sua determinação, aplicando, por conseqüência, as sanções cabíveis aos responsáveis pelo descumprimento da ordem”.

Leia o voto do relator

PROCESSO TRT/SP N.° 20258200600002005

DISSÍDIO COLETIVO DE GREVE

SUSCITANTE: COMPANHIA DO METROPOLITANO DE SÃO PAULO- METRÔ

SUSCITADO: SINDICATO DOS TRABALHADORES EM EMPRESAS DE TRANSPORTES METROVIÁRIOS DE SÃO PAULO

PROCESSO TRT/SP N.º 20236200600002005

MEDIDA CAUTELAR INOMINADA

COMPANHIA DO METROPOLITANO DE SÃO PAULO – METRÔ representa perante este Regional, requerendo a instauração de DISSÍDIO COLETIVO DE GREVE em face do SINDICATO DOS TRABALHADORES EM EMPRESAS DE TRANSPORTES METROVIÁRIOS DE SÃO PAULO, distribuído por dependência à MEDIDA CAUTELAR INOMINADA n.º 20236200600002005. Alega a suscitante em resumo que:

Em 10/08/2006, os empregados da suscitante decidiram deflagrar greve de 24 horas, a partir da zero hora do dia 15 de agosto de 2006 (doc. 01) em protesto contra a continuidade do processo de implementação da Parceria Público-Privada (PPP), na Linha 04 do Metrô de São Paulo.

Diante da ameaça de greve e considerando que, nos termos do art. 10 da Lei n.º 7.783/89, o transporte público constitui atividade essencial, a COMPANHIA METROPOLITANA DE SÃO PAULO – Metrô ajuizou MEDIDA CAUTELAR INOMINADA, com pedido de liminar, para que fossem mantidos os serviços mínimos à população paulistana (doc. 02).

Na decisão liminar, distribuída sob n.º 20236.2006.00002005, o Egrégio Tribunal Regional acolheu o pedido da requerente e determinou que, na ocorrência de greve, os trabalhadores deveriam manter 100% da frota no horário de pico (6h00 às 9h00 – 16h00 às 19h00) e 80% nos demais horários, sob pena de multa diária equivalente a R$ 100.000,00 (cem mi reais) em favor de entidades filantrópicas (doc. 03).

Em audiência realizada na tarde do dia 14/08/2006, ou seja, na véspera da anunciada greve, o sindicato solicitou a reconsideração da liminar sob argumento de ofensa ao direito de greve. No entanto, após manifestações das partes e opinião favorável do Ministério Público do Trabalho, o juiz instrutor manteve a ordem liminar de manutenção das atividades mínimas durante a paralisação, da qual saíram regularmente cientes os diretores e representantes do sindicato profissional (doc. 04).

Também foi determinada diligência do Oficial de Justiça à Assembléia da categoria para notificar os trabalhadores da decisão, bem como certificar-se do cumprimento da r. decisão liminar.


O Auto de Constatação, lavrado pelo oficial Rubens Galante Meyer, demonstra que tanto o presidente do sindicato suscitado quanto os trabalhadores da categoria foram oficialmente informados sobre a decisão liminar. Mesmo assim, segundo relato do Oficial de Justiça, somente a proposta de paralisação total das atividades foi apresentada para deliberação e aprovação da Assembléia (doc. 05), em evidente e injustificado desrespeito à liminar.

Em contrapartida, a Companhia do Metrô tomou todas as providências para garantir a manutenção das atividades mínimas à população, como o aviso aos trabalhadores e a disponibilização dos equipamentos para o trabalho (doc. 06, 07, 08 e 09). No entanto, diante da decisão de paralisação integral, todas essas medidas se tornaram absolutamente inócuas.

Como conseqüência, em 15/08/2006, a greve foi deflagrada sem observar a ordem judicial de circulação mínima, propiciando enormes transtornos e prejuízos à população paulistana e, principalmente, a todos os usuários de transporte público da cidade de São Paulo, conforme relatam as notícias de jornais juntadas aos autos (doc. 10, 11, 12, 13 e 14), bem como o Auto de Constatação do Sr. Oficial de Justiça (doc. 05).

Ora, a realização de greve em total desrespeito aos preceitos da Lei n.º 7783/89, bem como à decisão liminar proferida por essa D. Justiça Especializada, caracteriza evidente abuso do direito, devendo a greve ser declarada abusiva (…).

Procuração e documentos foram juntados às fls. 15/51.

Realizada audiência de instrução e conciliação (fls. 61/62), oportunidade em que o suscitado requereu a juntada de defesa (fls. 63/72), acompanhada de procuração e documentos (fls. 73/519), argüindo preliminar de ilegitimidade de parte do METRÔ para instaurar o presente dissídio coletivo. No mérito, sustenta a não abusividade do movimento de paralisação, alegando em resumo que:

(…)

05. Em março de 2006 a suscitante publicou edital de licitação com o objetivo de habilitar empresas interessadas em explorar a linha 04 do METRÔ em regime de Parcerias Público Privadas;

06. Este edital continha uma série de irregularidades do ponto de vista formal e material, razão por que o presidente do suscitado e representantes de outras entidades ingressaram com AÇÃO POPULAR com o objetivo de suspender o processo licitatório (doc. 14);

07. O MM. Juiz de Direito da 11.ª Vara da Fazenda Pública indeferiu a medida liminar pleiteada, o que levou o presidente do suscitado a interpor Agravo de Instrumento ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (doc. 15);

08. Ao apreciar o Agravo de Instrumento interposto, o Exmo. Desembargador relator do feito decidiu, liminarmente, "deferir o efeito suspensivo-ativo para sustar a abertura dos envelopes até o julgamento do agravo" (doc. 16);

09. Ignorando por completo a r. decisão supra mencionada, a suscitante optou por republicar o edital de licitação definindo como data para abertura dos envelopes o dia 04 de julho de 2006 (doc. 18);

10. Ato contínuo o Exmo. Sr. Desembargador do Agravo de Instrumento aditou o despacho supra-citado, para explicitar que a suscitante estava proibida de prosseguir com o processo licitatório até que o apelo supra mencionado viesse a ser julgado (doc. 19);

11. Desrespeitando, mais uma vez, uma decisão judicial, a requerente decidiu proceder à abertura dos envelopes das empresas concorrentes em 09 de agosto de 2006 (doc. 23);

12. Trata-se, a toda evidência, de manifesto descumprimento à ordem judicial, em prejuízo do interesse público bem como da categoria metroviária de São Paulo;


13. Com o objetivo de fazer cumprir a referida ordem judicial, os trabalhadores deliberaram pela realização de uma greve no dia 15 de agosto próximo passado;

14. E o fizeram com o amparo do art. 9.º da Carta Constitucional, que assegura o mais amplo direito de greve "… competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender";

15. De se concluir, portanto, que a greve aprovada para o dia 15 de agosto é não abusiva tanto do ponto de vista formal quanto do ponto de vista material (…).

Ainda em contestação sustenta o suscitado a impossibilidade material de cumprimento da medida liminar deferida pela então Presidenta deste Regional, afirmando que:

(…)

27. Em 14 de agosto de 2006, a suscitante ingressou com Ação Cautelar nesta E. Corte, com o objetivo de obter medida liminar que garantisse o funcionamento de "esquema de emergência" durante a greve.

28. Às 13:00 horas do dia 14 de agosto, o suscitado foi notificado por fax-símile da concessão da medida liminar determinando o funcionamento de 100% da frota de cada linha em circulação do METRÔ, no horário de pico (6h e 9h e entre 16h e 19h), e 80% (oitenta por cento) nos demais horários.

29. A teor do que estipula o art. 11 da Lei 7.783/89, esta determinação deveria ser cumprida pelo Sindicato, pela empresa e pelos trabalhadores, devendo cada uma das partes tomar as iniciativas que estivessem ao seu alcance para fazer cumprir à ordem judicial;

30. É certo que o suscitado noticiou aos trabalhadores a concessão da referida medida liminar, em assembléia realizada no dia 14 de agosto do corrente ano, a partir das 19:00 horas, o que deixou de constar da certidão de fls.

31. Fez, por conseguinte, o que estava ao seu alcance, dentro das condições existentes naquela oportunidade, para colaborar com o cumprimento da ordem judicial em alusão.

32. Lamentavelmente , esta notícia só alcançou os cerca de 1000 (mil) trabalhadores presentes na assembléia, dentro de um universo de 8000 (oito mil) empregados da empresa-suscitante.

33. Logo, o suscitado não pode ser responsabilizado se a informação da medida liminar não chegou com a necessária agilidade a 100% (cem por cento) da categoria profissional, o que tornou inviável o seu cumprimento naquela ocasião.

34. Registre-se, por oportuno, que, ao contrário do que informou o Sr. Oficial de Justiça em certidão de fls., o suscitado não submeteu à votação na assembléia de 14 de agosto, a realização de greve total no dia 15 de agosto próximo passado.

35. E não poderia fazê-lo até porque a paralisação realizada no dia 15 de agosto já havia sido aprovada em assembléia anterior, realizada no dia 10 de agosto de 2006, fato comunicado à população e ao suscitado no dia 11 de agosto subseqüente (docs. 07 e 09).

36. A rigor, o presidente do suscitado limitou-se a informar aos trabalhadores da liminar deferida por esta E. Corte, tendo a assembléia ratificado a deliberação anterior que decidiu pela paralisação;

37. De se concluir, portanto, que, em nenhum momento, pretendeu o suscitado afrontar decisão judicial, ao contrário do que afirma a suscitante em sua representação;

38. O certo é que não teve condições efetivas para mobilizar 100% (cem por cento) da categoria em tempo hábil, ressaltando, por fim, que a suscitante não fez absolutamente nada para que este objetivo fosse alcançado.

Réplica do suscitante, às fls. 527/545, sobre a contestação apresentada.

Manifestação do suscitado, às fls. 549/556, sobre a réplica.

Às fls. 574/575, a ilustre Juíza Vice-Presidente Judicial, Wilma Nogueira de Araújo Vaz da Silva, indeferiu a realização da prova testemunhal, requerida pelo suscitante, com o objetivo de esclarecer fatos relacionados ao descumprimento da liminar concedida às fls. 17 dos autos da medida cautelar inominada.

Parecer do Ministério Público do Trabalho às fls. 579/581.

É o relatório.


V O T O

DA PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA ARGÜIDA PELO SUSCITADO

Argúi o sindicato profissional preliminar de ilegitimidade ativa da Companhia do Metropolitano de São Paulo – METRÔ, afirmando que a Constituição Federal atribuiu somente ao Ministério Público do Trabalho legitimidade para instauração de dissídio coletivo de greve em atividade considerada essencial.

A preliminar não prospera.

Com efeito, dispõe o art. 114, inciso II, § 3.º, da Constituição Federal:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I – [omissis];

II – as ações que envolvam exercício do direito de greve;

(…)

§ 3.º Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão ao interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito.

[Grifamos.]

Como se depreende da leitura do artigo acima, a Constituição Federal em momento algum atribuiu ao Ministério Público do Trabalho a legitimidade exclusiva para instauração de dissídios coletivos de greve em atividades essenciais. Na verdade, ao parquet foi atribuída a legitimidade concorrente de instaurar o dissídio de greve toda vez que ocorrer a possibilidade de lesão ao interesse público.

Logo, não há falar em ilegitimidade ativa do suscitante (METRÔ) para instauração do dissídio coletivo de greve, razão pela qual fica rejeita a preliminar.

DO MÉRITO

DO MOVIMENTO DE PARALISAÇÃO

É entendimento pacificado que o direito de greve, previsto na Constituição Federal, não é absoluto. A Lei n.º 7.783/89 estabelece os requisitos mínimos para o exercício desse direito, com a finalidade de coibir o abuso e garantir o atendimento das necessidades inadiáveis da população, quando a paralisação afetar os chamados serviços ou atividades consideradas essenciais.

Na hipótese dos autos, restou incontroverso que a motivação da greve teve como causa imediata a atitude da suscitante em prosseguir com o processo de licitação da nova linha 04 do Metrô, não obstante a liminar concedida pelo Desembargador Magalhães Coelho, do Tribunal de Justiça de São Paulo (fls. 223/225), suspendendo a abertura dos envelopes das propostas apresentadas pela empresas licitantes.

Não resta a menor dúvida, portanto, de que a greve deflagrada pelos metroviários teve como única motivação a defesa de posição política, adotada pelo sindicato profissional, contrária à adoção de Parceria Público-Privada para operação da Linha 04 do Metrô.

Note-se que esse fato, inclusive, foi confessado pelo suscitado ao apresentar sua defesa, na qual afirma categoricamente no item 18 (fls. 67):

18. É certo que independentemente de decisão judicial, o suscitado é contrário ao processo de parceria público privada da linha 04 que se encontra em curso [grifou-se].

Ocorre, todavia, que o direito de greve não pode ser utilizado como instrumento de manobra para a defesa de posições políticas ou ideológicas.

Se o processo licitatório estava suspenso, por força de decisão judicial, caberia ao sindicato suscitante comunicar esse fato ao Juízo competente, o qual, a toda evidência, tomaria as medidas necessárias para fazer cumprir sua determinação, aplicando, por conseqüência, as sanções cabíveis aos responsáveis pelo descumprimento da ordem.


O que não se pode admitir, em hipótese alguma, é que o sindicato, sob o frágil argumento de que uma ordem judicial fora descumprida, deflagre um movimento de paralisação, causando prejuízos irreparáveis à população paulistana já tão carente de transporte público de qualidade.

O inconformismo do suscitado com a postura adotada pela Companhia do Metropolitano de São Paulo poderia ser objeto de manifestações as mais variadas, sem que houvesse a paralisação dos serviços essenciais à comunidade.

A greve, in casu, foi manifestamente abusiva em face de sua clara motivação política, o que autoriza, portanto, o desconto do dia parado.

DO DESCUMPRIMENTO DA LIMINAR DEFERIDA

PELA PRESIDÊNCIA DESTE REGIONAL

Em medida cautelar preparatória requerida pela Companhia do Metropolitano de São Paulo – METRÔ (processo n. 20236.2006.0000.2005) foi concedida liminar determinando a manutenção dos serviços à comunidade, com efetivo mínimo de 100% (cem por cento) da frota de cada linha em circulação, nos horários de pico (entre 6h e 9h e entre 16h e 19h), e 80% (oitenta por cento) nos demais horários, garantindo, com isso, a prestação dos serviços sem solução de continuidade. Ficou ainda estabelecido que o descumprimento de tal determinação acarretaria aos responsáveis multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais), em favor do Hospital São Paulo, Hospital das Clínicas e Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

O sindicato profissional, embora ciente da determinação judicial, não adotou qualquer medida visando dar cumprimento à liminar deferida. Ao contrário, conforme certificado pelo Oficial de Justiça (fls. 172 dos autos da medida cautelar), "durante a realização da assembléia, foi colocada pela direção do Sindicato dos Metroviários apenas uma proposta de votação: pela deflagração da greve de 24 horas, com paralisação total das atividades a partir de zero hora do dia 15/08/06, tendo sido esta proposta aprovada por unanimidade".

E, de fato, como é público e notório, o movimento de paralisação foi deflagrado, acarretando à população paulistana transtornos e prejuízos irreparáveis.

É interessante registrar a postura adotada pelo sindicato profissional: ao mesmo tempo em que se arvora no direito de deflagrar o movimento de paralisação sob o argumento de que a suscitante descumpriu decisão que suspendia o processo licitatório da Linha 04 do Metrô, adota posicionamento idêntico, descumprindo liminar emanada desta Justiça Especializada, que determinava a manutenção dos serviços, o que é um verdadeiro contra-senso.

Sendo assim, não cumprida a liminar, impõe-se a condenação do suscitado no pagamento da multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais) pela paralisação ocorrida no dia 15/08/06, devidamente corrigida à época do pagamento, a qual deverá ser revertida em favor do Hospital São Paulo, Hospital das Clínicas e Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

Em vista do exposto, julgo abusiva a greve deflagrada, ficando autorizado o desconto do dia de paralisação; julgo procedente a medida cautelar, aplicando ao sindicato profissional a multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais), devidamente atualizada à época do pagamento, pelo descumprimento da liminar deferida às fls. 17, multa essa a ser revertida em prol do Hospital São Paulo, Hospital das Clínicas e Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

Custas, pelo suscitado, sobre o valor ora arbitrado à causa de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais).

NELSON NAZAR

Juiz Relator

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