Sociedade da informação

Direitos intelectuais e sociedade contemporânea

Autor

  • Gonzaga Adolfo

    é doutor em Direito pela Unisinos e pesquisador na área dos Direitos Autorais professor da Ulbra Gravataí e do Programa de Pós-Graduação em Direito (Mestrado e Doutorado) da Unisc e ex-presidente (gestão 2011/2013) da Comissão Especial de Propriedade Intelectual da OAB-RS.

1 de março de 2007, 10h38

Na atualidade aceita-se a utilização da expressão “Direito da Propriedade Intelectual” como aquela área do Direito relacionada à tutela das obras resultantes do esforço intelectual humano.

Hammes situa a adoção internacional da expressão na Conferência Diplomática de Estocolmo, em 1967, que criou a Organização Mundial da Propriedade Intelectual – OMPI.[1] Até então, trabalhava-se com as duas grandes áreas de abrangência isoladamente, de um lado o Direito Autoral e de outro o Direito da Propriedade Industrial. Hoje, em nível internacional, a expressão intellectual property é claramente identificadora desta área.[2] Assim é classificado por tratar da proteção e regulamentação jurídica das obras resultantes de esforço intelectual.

Tem-se, como duas grandes áreas, de um lado o Direito Autoral, atinente àquelas criações de natureza estética e/ou artística, e no outro o Direito da Propriedade Industrial, dividido basicamente em Direito do Inventor e Direito Marcário. Além destas, há outras áreas que são situadas no Direito da Propriedade Intelectual, como a concorrência desleal, a repressão ao abuso de poder econômico e até, por alguns, a propaganda enganosa, embora esta, ao menos no sistema jurídico pátrio, esteja mais relacionada ao Direito Civil (Obrigações), com diploma legal próprio, o Código de Defesa do Consumidor. Alguns inserem a concorrência desleal e a repressão nas falsas indicações geográficas no Direito da Propriedade Industrial, e o Direito das Obtenções Vegetais (Proteção de Cultivares, a partir da Lei 9.456/97) no Direito da Propriedade Intelectual.[3]

De qualquer sorte, o que todos têm em comum é o surgimento a partir do intelecto.[4] Vale dizer, uma criação autoral, uma invenção, uma marca ou, ainda, uma maquinação de concorrência desleal ou de abuso de poder econômico sempre partem da criatividade intelectual do agente.

O autor desta breve reflexão prefere utilizar a expressão “Direitos Intelectuais”, mais abrangente e não vinculadora de forma direta aos aspectos ou prerrogativas patrimoniais.

A tecnologia da chamada Sociedade da Informação, ao mesmo tempo em que é o tema indiscutivelmente de maior relevância em sede de Direitos Intelectuais, por possibilitar – ao menos em tese – um maior acesso da população às obras autorais, ao mesmo tempo, no concernente ao tema proposto, demonstra mais um paradoxo,[5] qual seja, o de que estas novas tecnologias, evidentemente, facilitam – e muito – sua violação. Se outrora existia a preocupação com o plágio e a reprografia, apenas para ilustrar, hoje a grande preocupação é a nova realidade imposta pelo mundo virtual da internet, onde centenas de milhares de obras intelectuais são oferecidas indiscriminadamente. Outro destes paradoxos é que, mostrados como Direito Autoral, se apresentam interesses econômicos significativos de poderosos grupos empresariais. Em vez de maior acesso, então, o que se vê é uma restrição cada vez maior aos bens culturais e educacionais.

No que concerne à tecnologia (Direito do Inventor), a situação não é muito diferente. As fantásticas invenções que todos os dias são noticiadas invariavelmente levam à discussão sobre a possível forma de disponibilizá-las ao maior número possível de seres humanos. A própria discussão que na atualidade se faz sobre as possíveis conseqüências do chamado “efeito estufa” no Planeta Terra realça mais ainda a importância desta área de atuação. A CNBB, inclusive, priorizou o tema ao escolhê-lo, de certa forma, como assunto da Campanha da Fraternidade de 2007. Neste final de fevereiro de 2007, uma notícia acrescenta argumentos para a importância dos Direitos Intelectuais.

Aproximadamente 10 anos após a novidade da Ovelha Doly, enquanto a biotecnologia ainda é tema relevantíssimo, uma criação na área tecnológica chama atenção. Cientistas japoneses anunciaram a criação de um chip considerado o menor do mundo, nas dimensões de 0,05 mm por 0,05 mm. A novidade, ainda não disponível no mercado, armazena 38 dígitos de informação.[6] Do tamanho de um grão de pó, é pequena o bastante para ser embutida em uma folha de papel sem causar alteração em sua superfície. A etiqueta inteligente – também conhecida como Identificação por Freqüência de Rádio (RFID, na sigla em inglês) – é considerada a substituta dos códigos de barra utilizados em supermercados, já que os chips permitem o armazenamento de uma quantidade maior de informação.

A alternativa também é utilizada em outras áreas, como no sistema de pedágio Sem Parar ou no monitoramento de presos dos Estados Unidos, segundo a matéria indicada. Antes, o menor chip da Hitachi, que apresentou a novidade, era o Mu-chip, com 0,4 mm por 0,4 mm – o equivalente ao ponto final colocado no final dessa frase. Segundo a companhia japonesa, seu novo modelo (ainda sem nome) é 60 vezes menor que o Mu-chip e consegue armazenar a mesma quantidade de informação que seu antecessor: 38 dígitos. Outra matéria informa que cientistas coreanos anunciam que até 2015 veremos cirurgias sendo feitas por robôs, baterias de celular com carga para 2 meses sem necessidade de recarga, e a possibilidade de transmissão de cheiros (odores) pela internet, entre outras novidades tecnológicas.[7]

Fiquemos atentos, portanto, em nossas várias áreas de conhecimento e atuação, pois o futuro começa hoje. É claro, a realidade em torno do tema em discussão, nomeadamente no que tem a ver com as fantásticas tecnologias que surgem e se aperfeiçoam diuturnamente, é tão complexa e avassaladora que tememos, ao escrever, já estar sendo superados por ela. Ou seja, como a grande maioria dos demais, é um tema que está “aberto” e em torno do qual as construções que serão feitas oportunamente ditarão o rumo que será trilhado na busca de uma sociedade que, ao tempo que busca o conhecimento e a informação incessantemente, possa ver sua utilização para um mundo mais justo, humano e equilibrado.


[1] HAMMES, Bruno Jorge. O Direito da Propriedade Intelectual. 3. ed. São Leopoldo: Unisinos, 2002, p. 19.

[2] No plano internacional, o aspecto relevante na última década foi o deslocamento das discussões em torno dos Direitos Intelectuais da Organização Mundial da Propriedade Intelectual – OMPI para a Organização Mundial do Comércio – OMC. Dessa angulação, a própria criação do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS), atualmente atuando os países naquele estágio que os internacionalistas denominam “pós-OMC”, como faz notar BASSO, Maristela. Propriedade Intelectual na Era Pós-OMC. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

[3] Como DEL NERO, Patrícia Aurélia. Propriedade intelectual: A tutela jurídica da biotecnologia. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 69-70. REMÉDIO MARQUES, João Paulo (Propriedade Intelectual e interesse público. Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, Coimbra, n. LXXIX, p. 348, 2003), neste particular, cita alguns daqueles que denomina “tipos híbridos” de direitos de propriedade intelectual, que teriam surgido nos últimos quinze anos: “direitos que incidem sobre topografias de produtos semicondutores […]; […] ‘direito especial’ de extração e reutilização de partes substanciais do conteúdo de bases de dados não originais; dos direitos emergentes do registro dos conhecimentos tradicionais associados à utilização (comercial ou industrial) de variedades locais e restante material vegetal autóctone desenvolvido pelas populações locais; dos direitos emergentes do registro de variedades vegetais e restante material vegetal autóctone espontâneo de espécies vegetais com interesse actual ou potencial para certas actividades agro-florestais e paisagísticas”.

[4] Muito mais próximo do Direito Industrial, o chamado “segredo de indústria e comércio” igualmente gira em torno dos Direitos Intelectuais. Neste particular, FEKETE, Elisabeth Kasznar. O regime jurídico do segredo de indústria e comércio no Direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

[5] Sobre “os paradoxos” relacionados ao Direito, indispensável aprofundamento na leitura da profunda obra de ROCHA, Leonel Severo, entre elas Paradoxos da Auto-Observação (org.). Curitiba: JM, 1997. No Direito Autoral, ênfase para a abordagem de ROVER, Aires José. O Direito Autoral e seus paradoxo. In ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva; WACHOWICZ, Marcos (Coord.). Direito da Propriedade Intelectual: Estudos em homenagem ao Pe. Bruno Jorge Hammes. Curitiba: Juruá, 2006, p. 33-7; e AVANCINI, Helenara Braga. Breves considerações acerca do paradoxo da Sociedade da Informação e os limites dos direitos autorais. Revista da ABPI, São Paulo, n. 63, p. 16-20, mar./abr. 2003.

[6] Japão cria etiqueta inteligente em pó. Disponível em <http:// www.g1.com.br>. Acesso em 26 fev. 2007.

[7] Internet perfumada. Espaço Vital, edição de 1º.03.07. Disponível em <http:// www.espacovital.com.br>. Acesso em 1º.mar. 2007.

Autores

  • Brave

    é advogado com atuação em Direitos Intelectuais, mestre e doutor em Direito pela Unisinos, professor da Unisinos, da Ulbra Gravataí e do Unilasalle

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