Papel essencial

Ainda que atrapalhe, advogado é indispensável à Justiça

Autor

1 de março de 2007, 18h36

“Os advogados só atrapalham. São corporativistas.” Essas são expressões comuns entre pessoas que nada sabem, quando falam sobre o que não conhecem. Na época do terror, na Revolução Francesa, dizia-se a mesma coisa. Os inocentes não precisam de advogado porque são inocentes.

Os culpados também não, porque são culpados, ora bolas! Assim, a guilhotina corria solta e generosa. Napoleão Bonaparte fechou o Barreau, a OAB francesa, e mandou cortar a língua dos advogados que lhe faziam oposição. As atrocidades nas masmorras de Paris se tornaram tão escandalosas que Napoleão, assustado, voltou atrás.

Reabriu o Barreau e determinou que a Coroa pagasse advogados dativos para os presos. Hitler proibiu os judeus de serem assistidos por advogados. Auschiwitz, Treblinka e Sobibór foram os resultados da monstruosidade. Mussolini, em uma só noite, mandou incendiar 40 escritórios de advocacia.

João Figueiredo, aquele que preferia o cheiro dos cavalos, queria alugar o Maracanã para prender os advogados, como única forma de implantar tranqüilamente seu plano econômico. De outra forma, os advogados iriam “melar” tudo com seus Mandados de Segurança.

De fato, para esses tipos, os advogados atrapalham mesmo. Esse é, exatamente, o orgulho da advocacia: atrapalhar aqueles que querem violentar ou se aproveitar dos mais fracos. Os que acham, por exemplo, que os pobres empregados devem ir para a Justiça do Trabalho sem advogado, enquanto os ricos patrões vão acompanhados de suas poderosas assessorias jurídicas. Ou aqueles outros que querem confinar os pobres nos juizados especiais, enquanto os ricos pagam a Justiça comum. Para esses, os advogados são mesmo uns trastes desnecessários e incômodos.

Sem os advogados nas separações consensuais, pergunto: quem iria redigir as complexas cláusulas de separação, que incluem partilha de bens, ainda que insignificantes; a regulamentação da guarda dos filhos; o direito de visita; as modificações dos nomes; os alimentos; os aspectos tributários envolvidos e outras tantas obrigações recíprocas que remanescem? O notário? Se for, a idéia não passa de um truque: é “trocar seis por meia dúzia”. Tira-se o advogado e se coloca o notário. Ou seja, os notários passam a exercer as prerrogativas profissionais próprias dos advogados, que freqüentaram a universidade para se prepararem profissionalmente para desempenhar essa missão.

Os notários, nesse cenário, iriam reunir as partes em seus gabinetes, aconselhá-las, discutir as cláusulas e condições da separação, redigir as minutas dos acordos, estudar as implicações fiscais oriundas da separação. Depois, eles mesmos lavrariam as escrituras correspondentes, mandariam para os registros decorrentes, etc.. Quem os controlaria? Quem discutiria com eles tais ou quais aspectos especiais? Ou se poderia fazer diferente: o casal mesmo poderia combinar a separação sem a presença dos advogados. Dentre de um clima de grande civilidade, como é rotina entre os nobres dos países nórdicos.

Só que esse clima não é comum nas favelas. Nem nos bairros da periferia das grandes cidades brasileiras. Aqui, é mais comum as separações serem “combinadas” na base “na porrada”, do que na base da educação. Nessa realidade, descartar o advogado redundaria, inapelavelmente, na submissão da parte mais fraca (de regra a mulher, economicamente hipossuficiente) à mais forte (o macho provedor). Como disse Churchill (foi ele mesmo?) “a democracia não é o melhor dos regimes. Mas ainda não se inventou nada melhor”. Digo eu: “os advogados podem até atrapalhar. Mas são indispensáveis à administração da Justiça”. Assim está na Constituição.

[Artigo originalmente publicado no site do Conselho Federal da OAB]

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!